29 de dezembro de 2006

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembrança – Michel Gondry- parte 3


Acho que desacostumei de carinho, como diz uma canção. Não por vontade própria (será?), mas pelos percalços que a vida me levou. Vejo meus amigos na mesma faixa etária que eu, dando ritmo em suas vidas. Uns com filhos, outros marcando casamento, e eu aqui, nesta vidinha besta.Pareço um eterno adolescente, esperando a hora em que as coisas realmente vão acontecer. Não existe nada tão importante quanto o amor. As outras coisas são restos.A solidão é um troço complicado, viciante e estagnário. Tem vezes em que até gosto dela, principalmente em meio a festas e pessoas chatas. E sem perceber, boas chances vão escapando, por uma timidez criminosa de tão vulgar (no meu caso), acompanhada de um “deixa estar” difícil de largar. Outras vezes, me vejo não querendo arriscar, na falsa ilusão de manter intacto o pouco que tenho. Mas o que eu tenho?

A última vez que me vi apaixonado - coisa rara, ao contrário da mocidade - foi um verdadeiro caos. Acho que até tinha chances, mas recuava na hora de avançar. Avançava, ou melhor, atropelava, na hora de recuar. O resultado foi um zero a zero, aliado ao medo e à insegurança. Coisas da vida... Alguém tem que ser assim, calhou de ser eu.Outrora fogoso. Hoje...Fogo quase morto. Eu disse quase (melodrama demais também cansa), pois sei que tem algo dentro de mim, pronto para explodir. Algo bom, muito bom. Apesar dos meus descaminhos, trago dentro do peito, num cantinho escondido, fagulhas de esperança e amor, prontos para entrarem em erupção.

Lembro de uma cena (de novo este filme) de “Brilho Eterno” em que Clementine diz a Joel Barish em uma livraria, que se ele quer ficar com ela, tem que saber que ela não está ali para ser a salvadora de ninguém, pois também é carente e cheia de defeitos. Ele, mais tarde conclui, que ela descobriu a vontade de todo mundo, quando “encontra” alguém. Ou seja, que este alguém o salve. Será que encontrarei alguém que me salve? Às vezes me acho muito sem graça, mas me pego olhando para a quantidade imensa de babacas por aí, e acabo me achando legal. O problema é que me escondo num poço escuro, que a solidão egoísta e companheira me jogou. E me vejo invisível aos outros, a mim mesmo também. Porquê a gente complica tanto?

E minhas contradições me perseguem. Agora mesmo, escrevendo este texto para o blog, me pego pensando se terá alguém interessado nesta baboseira toda. Todos têm tanta coisa interessante para fazer, para que ficar lendo este texto, minhas lamurias? Mas também, vejo esta cidade em que moro, e pela qual nutro amor e ódio. Em meio a tantas pessoas, prédios e fumaças poluidoras de corpo e mente, penso que não existe lugar mais solitário no mundo do que São Paulo. Basta um olhar mais atento para se perceber. Lembro da música do Zeca Baleiro em que em um jogo de comparações, se diz mais solitário que um paulistano, se eu não me engano a música se chama “Telegrama”.

Revi ontem este filme, uma espécie de prévia, para o novo filme em que Kate Winslett atua, que se chama “O Amor Não Tira Férias”. Nutro uma paixão platônica por ela, e sou fiel, é só por ela, de todas as atrizes que conheço (que bobagem).E sempre que assisto a este filme, meus olhos não perdem cada movimento seu. Mas o legal nesta releitura, é que desta vez prestei mais atenção no personagem de Jim Carrey. Acho que Joel e eu temos muitas coisas em comum, na maneira de ser, e na timidez imbecil. O que não seria dele se não aparece Clementine para salva-lo.E olhando mais atentamente, o que não seria dela, se ele não a salvasse. Isso fica claro na singela e maravilhosa cena final.

Bom, agora vou assistir ao filme da Kate Winslet, depois comento aqui, pois já faz um tempinho (devido ao trabalho) que não vou ao cinema. Nada melhor do que um filme com ela, para retornar ao cinema.



21 de dezembro de 2006

Meu Tio Matou um Cara – Jorge Furtado


Meio que num impulso, comprei este DVD, mesmo sem ter gostado muito do filme, quando assisti no cinema. Lembro que achei este terceiro filme de Furtado decepcionante, depois de seus dois primeiros (“Houve Uma Vez Dois Verões” e “O Homem que Copiava”), serem ao meu ver, pequenas obras-primas. Mas numa segunda (e terceira) revisão tudo mudou. Achei na verdade, que o filme foi muito subestimado. É um filme simples, pequeno na duração, mas com grande conteúdo.

O diretor usa sua experiência como pai (seu filho Pedro, foi protagonista do primeiro filme do diretor), para fazer como ninguém, um quadro dos adolescentes brasileiros, e porque não dizer do mundo. Os americanos fazem filmes assim aos montes, mas tratam os meninos e meninas como retardados, deviam ter umas aulas com Jorge Furtado.

O filme tem uma ligação muito forte com sua trilha sonora, é como se um não funcionasse sem a outra. Parece até que Caetano Veloso estava esquentando os tamborins com sua excelente trilha sonora juvenil, para adentrar no rock com sua obra-prima (em anos) Ce, lançado este ano. Mas este assunto é para outra hora.

O filme é centrado num trio de amigos: Duca (Darlan Cunha); Isa (Sophia Reis, muito gracinha) e Kid (Renan Gioelli, de Bens Confiscados). Estes estudam juntos e são grandes amigos. E resolvem se aventurar na solução do caso do tio de Duca, um imbecil chamado Éder (Lazaro Ramos) que é acusado de matar o marido de sua namorada Soraya (Débora Secco), mulher muito, muito “perigosa”.

Duca é um garoto de quinze anos muito esperto, único negro de seu colégio, que não acredita na culpa do tio. E enquanto ele procura nas falsas pistas, a inocência do tio, ainda sofre por seu primeiro amor que é a Isa, que por sinal é apaixonada por seu melhor amigo, o Kid. E é aí que se concentra o grande barato do filme, seu ponto crucial.

O filme já vale ser visto ou revisto por duas cenas maravilhosas que rolam com o Duca e a Isa, sendo a música essencial para o andamento das cenas.

Uma delas é bem interessante, por causa da música que Caetano compôs para a cena, que deu todo um tempero. Duca e Isa resolvem visitar Éder na prisão. Conseguem a autorização dos pais e vão de ônibus - o dinheiro do táxi é usado para comprar uns cd´s piratas – para o presídio. O ônibus vai passando por Porto Alegre, que no começo é mostrada onde eles moram, a zona sul, seus prédios e belezas naturais, enquanto ao fundo Luciana Melo canta docemente (se essa rua fosse minha/Eu mandava muito bem/Se essa rua fosse nossa/Nossa!Que parada irada/Se a cidade fosse amada por cada um e cada). Aos poucos, a beleza é substituída por uma cidade pobre e feia, de favelas e esgoto ao céu aberto, aí entra Rappin`Hood na mesma música de Caetano, com um rap feroz a respeito da mesma cidade, mas com outra realidade, uma letra dura, seca (Mais se a rua fosse minha, mina/Se a lua fosse minha/Eu te pegava/Com gana,com ódio,com raiva/E te furava, te furava,mina/Te amava, te amava). Vendo os extras, descobrimos que nesta cena havia muitos diálogos, mas como a música de Caetano simplesmente falou tudo e mais um pouco, imagens são mostradas, até a chegada no presídio, onde a câmera passeia por uma fila real, de pessoas visitando os detentos, até chegar em Duca e Isa no final da fila, sem uma palavra sequer.

Outra cena linda, é quando Duca abre mão das armadilhas que havia preparado para que Isa e Kid não ficassem juntos em uma festa. Mas vendo o sofrimento de Isa, e a conversa linda que eles têm a respeito de ficarem adultos, abre mão do seu próprio amor, por amor a ela, e os une de novo,sofre horrores vendo sua amada aos beijos com Kid. Ele passa horas e horas escutando a mesma música (mais uma vez Caetano). Dá a maior dó dele, quando passa no corredor do colégio sozinho, e sofrendo por seu primeiro e belo amor. Seu rosto passa um sofrimento intenso.Sofre calado, na solidão feroz, para um rapaz de 15 anos. Lembro-me com meus quinze anos (ou menos) também, apaixonado por uma garota do colégio, ficava escutando repetidamente “Romance Ideal” do Paralamas, novidade na época.

O final do filme também é um achado, por ser tão simples. Duca e Isa estão no quarto dele, começa a tocar uma guitarra. Caetano faz a junção da voz de Gal no inicio da carreira, cantando “Barato Total” com todo o suinge moderno e maravilhoso da banda Nação Zumbi. O filme termina, e nas duas vezes que assisti, fiquei dançando feliz na poltrona,pela música e pelos lindos Duca e Iza.

O Brasil seria um país muito bacana, se nosso futuro fosse feito de rapazes bacanas como Iza, Kid e Duca.

12 de dezembro de 2006

Veludo Azul – David Lynch


Bela manhã numa cidade do interior. O caminhão de bombeiros passa pela rua, roseiras lindas são mostradas, enquanto ao fundo Blue Velvet toca , numa versão anos 50.Ah! Como é bela e pacata a vida na América! Um gigantesco comercial de margarina.Uma mangueira d` água enguiça,seu dono tem um colapso, o cachorro se esbalda com a água que jorra, o homem no chão. Não nos enganemos, este é um filme de Lynch.A aparente vida perfeita passa... Vemos Jeffrey (Kyle MacLachlan) caminhando , ele acha uma orelha no gramado, próximo à sua casa. Dia claro e belo na vida do rapaz.Logo virão as escuridões...

Como é bom rever um filme como este, que completou, por incrível que pareça, vinte anos, e permanece atual. Lembro de tê-lo assistido muito jovem e ter ficado excitado com a carga erótica e violenta do filme. Passado todos estes anos, o filme melhorou, e muito, na revisão. Uma obra-prima total, mesmo em DVD. Talvez até, o melhor Lynch, depois da revisão (vou ser obrigado a rever tudo).

Jeffrey é um curioso, procura a policia. Numa noite, saí do seu quarto claro e confortável, e vai à casa do Detetive Willians (George Dickerson), saber sobre o caso da orelha. Na saída da casa, alguém aparece da mais total escuridão... Sandy (Laura Dern)! Aparece toda loira e linda,e enche a noite com sua candura. Logo, ambos se vêem envolvidos num caso de tráfico, sexo,assassinado e seqüestro. Coisas que não habitavam o mundo perfeito e inocente dos jovens.

Sandy e Jeffrey decidem investigar o caso da orelha, por conta própria, afins de aprenderem mais sobre a vida. Não sabem que a partir de então, tudo mudará radicalmente em suas vidas. Ele entra no apartamento de Doroth Vallens, cantora de cabaré. Logo se vê envolvido numa situação inédita, entre o medo e o sexo, numa relação sadomasoquista. Eis que chega Frank Booth (Denis Hopper, fantástico), com toda sua carga escura e perigosa. Jeffrey, escondido no armário, não acredita no que vê. Uma outra vida lhe é mostrada, através das frisas do armário. Frank toma Doroth igual a um animal (“Mamy, baby quer trepar”) e transa com ela, entre porradas e berros, que ela claramente parece gostar.

Frank vive na escuridão (“está escuro aqui”), uma alma perdida em meio a seus próprios demônios, Cada ação importante sua é precedida por uma dose de oxigênio, que ele carrega em sua cintura junto a uma máscara. É como se ele não conseguisse respirar mais, no mundo fétido, que ele próprio ajudou a criar.No abismo que ele próprio criou para si, só encontra alento, quando escuta suas canções preferidas, sendo uma delas, a música que dá nome ao filme: Blue Velvet, interpretada pela própria Doroth Vallens, e a outra é um clássico de Roy Orbison que, numa cena antológica, é dublada por Bem (Dean Stockwell) um amigo gay de Frank. É impressionante o trabalho de Dennis Hopper nesta cena, enquanto a música é dublada, Frank sente cada acorde, cada palavra da música, lhe penetrar as profundezas de sua alma.É a pureza das doces palavras da canção lhe remetendo a algo que ele já há muito perdeu, em conflito com sua alma em decomposição. Em certo momento ele diz a Jeffrey: “Você é igual a mim”. Ele, mas do que ninguém, sabe até que ponto escuro um homem pode descer. Na sua loucura e criminalidade, ele vive em pleno umbral na terra.

Já Doroth, totalmente dominada por Frank, parece buscar na dor física, um alento para a dor que lhe toma por dentro. Como se a dor das porradas lhe anestesiasse, para a verdadeira dor que sente. Isso fica claro, quando ela e Jeffrey pretendem transar (“Toque em mim... Toque em mim... Bata em mim!”)e ela só consegue isso mediante uns tabefes.Mesmo o amor que ela almeja, tem que ser punido.Uma linha tênue que separa a dor e o prazer.

Já Sandy é a ponta ingênua (mas não burra), desta teia em que se amarram todos os personagens. Quando Jeffrey lhe conta tudo o que presenciou no apartamento de Doroth (“Sandy, porquê existem pessoas como Frank no mundo?”), ela ainda conta dos seus sonhos com pintassilgos e outros pássaros. Até então, ela ainda sonha. Para logo adiante, já no final do filme dizer: “ O que foi feito dos meus sonhos”. Não existe comiseração nos sonhos (filmes) malucos de Lynch, nem a mocinha escapa.
Mas depois do terremoto e do mal que passa pela vida deles. Tudo volta aparentemente ao normal. Os bombeiros passam sorrindo pela vizinhança. E até um pintassilgo pousa na janela da casa do novo casal num dia ensolarado de domingo. Até que apareçam outras escuridões e outros Franks, para abalar o frágil sonho americano de ser,

Um filmaço, uma obra-prima! Val Kilmer deve estar se remoendo até hoje por não ter feito o filme, já que Lynch havia feito o papel de Jeffrey para ele.Um daqueles filmes que, quando terminam, você já tem vontade de rever, tamanha originalidade e talento desse diretor único. Até parece ser outro filme, muito melhor, depois de anos. Sorte a minha ter o DVD.
ps: Acho que é a primeira vez em anos, que passo mais de uma semana sem ir ao cinema. Muito serviço e muitos problemas... Tá começando a dar tremedeira.

8 de dezembro de 2006

Crime Delicado – Beto Brant – 2ºparte (uma cena)


Este filme foi um dos primeiros que assisti em 2006, pois passou nos cinemas em janeiro deste ano. Mesmo assim, não perdeu seu posto (na minha modesta opinião) de melhor filme do ano, posição que agora divide com “O Céu de Suely”. Uma dobradinha de nacionais nas primeiras colocações, fato inédito, nas minhas listas de melhores do ano. Mania que tenho já há tempos, que se intensifica com o blog em atividade.

Um filme único, de um diretor espetacular (Beto Brant, o melhor diretor brasileiro na atualidade?), que se arriscou numa estória completamente diferente do que estava acostumado a fazer.

Quando assisti ao filme pela primeira vez, fiquei fascinado por uma cena em que o crítico teatral Antonio (Marco Ricca) é convidado para um jantar, pela atriz Maria Luiza (Maria Manoela), depois de ter assistido uma peça em que ela protagonizava.

Com o DVD, ficou fácil ver e rever esta cena, assim como o filme todo.Tenho a mania de sempre eleger uma cena de um filme como favorita. Assim como fiz com “Brilho Eterno”, uns meses atrás aqui no blog, reproduzo fielmente aqui este texto da cena do filme. E recomendo: quem não viu veja, e quem já viu reveja.



Antônio e Maria Luiza entram num desses restaurantes como o Pequi da Al.Santos, onde a turma teatral costuma se encontrar. Ela cumprimenta seus colegas. Sentam um de frente para o outro. Ele: whisky; Ela: vinho. Ela começa o papo:

“Você é sozinho?”.

O quê?

Você tem cara de solitário.

É mesmo...

Daqueles que precisam de cuidado.

Você entende muito sobre os homens, não é?

O suficiente...

Pra quê?

Pra cuidar deles.

Que bom.

Você já foi casado?

Tive umas amigas.

Duraram muitos tempos?

Vem cá, o que é isso? Um interrogatório pra revista de intimidades. O jornalista aqui sou eu.

Desculpa, desculpa... Só tava perguntando.

Pra quê?

Ué, não sei... Não é pra isso que a gente saí com as pessoas?

Não sei, eu saí porque você disse que tinha algumas coisas pra falar. Talvez você tenha, e eu acho que sei o que você quer dizer.
Você está querendo arrumar uma certa intimidade pra poder perguntar o que eu achei da sua peça, e com isso comprometer um pouco minha opinião. Se não pelo espetáculo, pelo menos sobre seu trabalho. Eu sei que isso deve ser difícil pra você, afinal de contas você vem batalhando um tempão nesta carreira, e vê em mim uma oportunidade de alavancá-la. Trazendo-me aqui, me expondo aos seus, como um troféu.(Maria Luiza olha rapidamente para câmera, desconcertada).
Talvez, você quisesse isso e talvez eu também quisesse um monte de coisas... E quem sabe a gente pudesse fazer uma troca.
Talvez você pudesse chupar lentamente meu pau, enquanto eu escrevo um artigo exclusivo sobre a grande revelação dos palcos desse momento.
Talvez você poderia até ser mais generosa. Encontrar-me vez ou outra, e se propor em tirar essa minha cara de solitário que você diz que eu tenho.
Talvez até eu pudesse me apaixonar por você, o que não seria difícil, e em pouco tempo eu perceberia que a paixão é realmente uma invenção da literatura burguesa.
E daí eu acho que você se arrependeria de ter me procurado, e perceberia que uma bosta de um elogio no jornal diário não significa mais que uma boa trepada numa noite fria. Que no dia seguinte não passa mais do que uma lembrança, sem desdobramento.
Talvez eu pudesse olhar nos seus olhos, como estou fazendo agora... Dizer que o mundo é tão óbvio! Que se a morte me tocasse neste momento, seria ainda assim previsível.”“.

Sensacional! Mas depois ela dá o troco, numa homenagem do diretor a Bunuel.

5 de dezembro de 2006

O Céu de Suely – Karin Ainouz – 3º parte


Tenho sempre a mania de associar uma música a um filme, mesmo que esta música - que fica tocando desesperadamente na minha cabeça- não tenha nada haver com o filme. É uma coisa meio maluca, sei bem. Mas também é prazeroso. Esta associação entre filme e música que faço, tem como critério, a emoção que ambos me passam, e que de alguma forma, me passam sensações equivalentes. Assim que saí do cinema, meio atordoado pelo filme, “Dona Maria de Lourdes” automaticamente começou a tocar na minha mente. Quando cheguei em casa, escutei várias vezes. O que foi bom, pois acabei escutando o disco inteiro do “maldito mor” da MPB.

Sérgio Sampaio ficou marcado apenas por uma música: “Eu Quero Botar Meu Bloco na Rua”, que dá nome ao seu primeiro disco -que por sinal esta música também faz parte - nos idos dos anos 70, muito pouco para tamanha genialidade incompreendida. Mas na verdade ele era realmente uma pessoa difícil, mas sua obra é única, e seu talento também. Quem conhece sabe do que estou falando. Suas músicas sangram dor e amor na mesma proporção.

Podem me xingar e dizer que sou uma besta, mas associo totalmente (na minha loucura) este filme com esta música, e por que não dizer, com o disco inteiro.Ambos, pérolas para poucos.




Dona Maria de Lourdes – Sérgio Sampaio

Os automóveis estão invadindo a simples cidade
Enquanto a gente se arrasta eu prefiro isto aqui
Os automóveis são livres
E agora é preciso coragem
Olho meu rosto no espelho e depois vou dormir.

Entre as flores escondidas no riacho
Por debaixo do que der
Do que vier
Escondido nas notícias entre as feras
Nas revistas sem assunto
Meu amor

O auditório aplaudiu a canção e eu cantei novamente
Fique de olho na vida
O sinal vai abrir
O auditório aplaudiu, mas cuidado com a porta da frente
Dona Maria de Lourdes não espere por mim.

Que eu estou no paradeiro desta gente
Quem morreu, quem teve medo, quem ficou?
Eu estou no bar do Auzilio
Ou na igreja
E onde quer que eu esteja eu não estou.
Eu não estou.

4 de dezembro de 2006

O Céu de Suely – Karin Ainouz – parte II

É raro, mas acontece comigo, de um ou outro filme abalar minha estrutura (já frágil). Ainda bem que não assisti a este filme na mostra, seria impossível outra sessão logo em seguida, não conseguiria me concentrar em outro filme, e olha que eu tentei no mesmo Unibanco, mas a sessão já estava lotada.

É nessas horas que sinto falta de ter um melhor conhecimento sobre a sétima arte, para poder melhor discorrer sobre esta obra-prima, mas não sei... O que mais me impressionou foi a forma natural e realista como a coisa foi mostrada, a começar pelos personagens terem o mesmo nome de seus atores.Como se o distanciamento entre ator/personagem fosse o mínimo possível, e este é o grande feito de Ainouz. Não lembro de ter assistido um filme em que me senti tão próximo da estória, é como se realmente aquilo fosse real, verdadeiro e intenso. Tanto é que os atores realmente “viveram” aquela estória e moraram na pequena cidade de Iguatú – CE, durante meses, mesmo antes de começarem as filmagens.

Se no seu primeiro e ótimo filme, Ainouz se inspirou em um personagem real e “vamos dizer” excêntrico. Apresentando e presenteando ao Brasil e ao mundo, uma interpretação arrebatadora de Lázaro Ramos. Neste filme, Hermina Guedes já faz diferente.Seu personagem é mais interiorizado, suas dores são escondidas. Tanto ela como os outros personagens do filme são “gente como a gente”, com suas dores, seus defeitos e frustrações.Todos os personagens são coadjuvantes do mundo E aquela eterna falta de grana a permear a vida de todos.

Logo no inicio do filme, quando aparece uma versão brega de uma canção do Bread, senti que o filme iria me pegar de jeito e assim foi num crescente até o final . Pequenas sutilezas de um mundo mais que real. O verdadeiro Brasil, aquele onde 87% das pessoas nunca acessaram internet e menos do que 60% mexeram num computador.Mas Hermina não quer o pouco que têm. A estrada é imensa e o céu também, e lindo, de um azul perfeito, a cor mais linda do mundo. Debaixo daquele céu imenso, tem de haver um lugar onde Hermina se ache, ou melhor se encaixe. Acho que todos procuram isso.

Partindo do principio de vender numa rifa “uma noite no paraíso”, Hermina inventa um pseudônimo para si, mas sua Suely pouco resiste a tal noite, o preço é caro para partir para o local mais longe possível, no caso Porto Alegre, de sua cidade natal no sertão do Ceará. Lá, ela não se vê, não se enxerga, mesmo amando por demais seus familiares. Isso é nítido no último jantar, numa cena impressionante, em que não há palavras, só um choro sufocado, preso, em meio a um prato de macarrão queimado. Ou mesmo na cena em que Hermina tem que pedir desculpas à avó, uma desculpa difícil de sair, sufocada, guardada entre todas as suas mágoas da vida e do mundo.

Tudo muito real,muito intenso e natural, num filme de poucos diálogos. Onde os sentimentos são privilegiados e mostrados através do silêncio doído de sua personagem principal. É preciso ter coração de pedra para não se comover com “O Céu de Suely”. E o meu coração de vidro, quase se quebrou.

Obs: Agradeço aos amigos que leram e se impressionaram com o texto anterior.Alguns, que eu nem imaginava que navegassem no blog, me ligaram achando que eu estava por um triz.Nem tanto, apenas um esforço danado para me sentir vivo, mas é bom saber que tem gente que se importa.

1 de dezembro de 2006

Relação de filmes - Novembro de 2006

Relação de filmes assistidos em novembro de 2006 por ordem de preferência.

Acho que foi o mês do ano em que menos filmes foram vistos no cinema, mas vi neste mês a obra-prima do ano.Em compensação, nunca fiquei tanto tempo na frente do DVD. Culpa dessas séries americanas maravilhosas.

1 – O Céu de Suely – Karin Ainouz * * * * *

2 – O Ano em Que Meus Pais Sairam de Férias – Cao Hamburguer * * * *

3 – Pequena Miss Sunshine – Jonathan Dayton e Valéria Faris * * * *

4 – Volver – Pedro Almodovar * * * *

5 – Os Infiltrados – Martin Scorsesse * * * *

6 – Desperate Housewives (1º temporada completa-DVD) * * * *

7 – Desperate Housewives (2º temporada completa-DVD) * * * *

8 – A Última Noite – Robert Altmann * * * *

9 – O Grande Truque – Christopher Nolan * * *

10- Assunto de Meninas – Léa Pool (DVD) * * *

11- Amigas com Dinheiro – Nicole Holofcener * *

12- Uma Vida Iluminada - Liev Schreiber (DVD) * *

13- Todo Mundo Em Pânico 4 – David Zucker (DVD) * *

14- Três Vidas e Um Destino – John Duigan (DVD) *

15- Vestido de Noiva – Jofre Soares *

16- Fica Comigo Esta Noite – João Falcão *

29 de novembro de 2006

O Céu de Suely – Karin Ainouz - parte 1

Terminada a sessão, me demoro a sair da sala de projeção, meio que ainda bobo pela forte emoção que o filme me proporcionou. Saiu andando, subo a rua Augusta em direção a Av. Paulista.Uma sensação estranha me toma, olho para o céu nublado, em meio a buzinas e automóveis, e me sinto amortecido. Um choro difícil e tenso está preste a sair, preso dentro de mim, assim como minhas emoções adormecidas, escondidas em um baú invisível. As pernas estão mais pesadas, como se carregassem meus sentimentos. O choro saiu, enfim. De certa forma é um alívio, me sinto à flor da pele, como na canção do Zeca Baleiro. Enquanto espero o sinal abrir, um cara pára do meu lado, me encara e diz: “É, pelo jeito você também se emocionou com o filme. Está tudo bem?”. Porra, está tão na cara assim!A resposta sai meio embaralhada, agradeço, e sigo em frente (deveria ter sido mais simpático), com os olhos molhados. Ligo para uma amiga minha: “Teka, você está em algum barzinho?Com quem? AH! Num jantar. Putz... Acabei de sair do cinema, meio que sem chão, me sentindo meio pozinho, tô precisando de um abraço amigo. Não, não (muito gentil, se ofereceu a sair do lugar) precisa vir não, deixa quieto.” E segui andando, me sentindo só pra cacete.
O duro de não ter um amor, alguém para compartilhar vida e carícias, é que chega uma hora, você se acostuma, acaba rolando ferrugens pelo corpo e na alma. Você se fecha, mesmo quando alguém te chama pra vida novamente, o medo do medo de ter medo. Será que perdi alguns sinais? Essa minha miopia...
O céu carregado de nuvens, parece mais baixo que o normal, tão feio está o céu, quase me sufoca. Vontade de sair pelo mundo, como a Hermina, mais pra onde? “Aonde quer que eu esteja, eu não estou!!!” já dizia o gênio da melancolia, Sérgio Sampaio. Essa cidade nunca me pareceu tão grande, uma sensação de impotência me toma, riu de mim mesmo.”Deixe de bestagem, Beto. Tu és um homem”. Já nem sei quem sou. Mas a verdade é que para quem se sente sozinho, qualquer sentimento serve.
Nos bares, o pessoal bebe cerveja, está uma noite gostosa de calor. Penso em parar e me embriagar também, mais falta vontade de beber, coisa rara. Alias, falta tudo: amor, amigos- alias, me sinto cada vez mais distante de alguns bons e velhos amigos, será culpa minha?-, sexo e principalmente alegria. Sinto-me mal, ou pior, me sinto banal, isso, banal. Porque é tudo tão complicado? A gente lê livros, assiste a alguns filmes, escuta aquelas canções emotivas (o Chico falou que a canção está morrendo, que pena) e tenta ter em volta pessoas bacanas.Enfim, sabe de cor a lição, então porque quase não dá certo.Queria ser mais simples e leve.Mas essa amargura latente!Acho tudo um porre, até bebericar com os amigos, tudo uma grande ressaca sem fim.
O que eu preciso mesmo é encostar minha cabeça por milênios no colo de uma mulher e depois lamber seu sexo despudoradamente afins de remediar as ferrugens da alma e do corpo. Dizer "Eu te Amo" com sinceridade, etâ palavra bonita que eu quero que saia da minha boca, mas tá difícil. Bom seria encontrar uma moça bonita pra mim, nos comunicaríamos pelo olhar, nos abraçaríamos, nos beijaríamos e ficaríamos leves. Sonhos, sonhos, sonhos, que nos meus maus vividos 35 anos, ainda acalento dentro de mim, pois é a minha verdade. Às vezes não acredito que tenho esta idade, vivi tão pouco, queria sim, coisas simples, mais o simples também é tão complicado (viu, Alê).A falta de grana, a falta de cama, a falta de amor. Puxa! Hoje eu estou terrível, e parece que adoro ter pena de mim mesmo, o puro melodrama. Às vezes acho que sou um super-homem, o problema é que tem um pedacinho de criptonita escondida dentro de mim.Como arrancá-la?Aonde está esta verdinha maldita? Em que parte do corpo?

E o pior é que mesmo assim, a vida é linda. Eu é que sou besta mesmo.Alias, creio que quem não me conhece e ler este texto, vai pensar que sou um depressivo, não sou.Apenas complico o que poderia ser simples, minha vida. Mas é só dar um beijo na boca e tudo fica lindo de novo.
"Criei barriga, minha mula empacou.
Mais vou até o fim" - Chico

27 de novembro de 2006

Fica Comigo Esta Noite – João Falcão


Nos idos de 1990 ou 1991, fomos eu e outros amigos (os baianos, saudades...) assistir a peça teatral de Flavio de Souza, que serviu de base para este filme. Era a segunda adaptação, já que a primeira havia sido mais independente, com Marisa Orth e Carlos Moreno. O imenso sucesso da peça fez com que ela fosse novamente produzida, com Débora Bloch e Luiz Fernando Guimarães à frente de seus respectivos personagens: a viúva e o morto. Já na entrada, tivemos uma surpresa, já que era a própria Débora que nos recepcionava chorando, agradecendo pela presença no velório de seu marido. Logo após ela recepcionar a todos e a sala de teatro (funeral) ficar lotada, é que começou a peça, engraçada por demais, diga-se de passagem. Eu e meus amigos demos muitas risadas, com exceção do Roberval, que já era famoso entre os conhecidos, por sua mania de dormir onde quer que fosse, para se ter uma idéia, eu já havia presenciado ele dormindo com a cabeça encostada numa caixa de som em um show de rock, o cara é impressionante. Pois não é que em um determinado momento da peça ele dormiu, e neste mesmo momento veio subindo os degraus, a própria Débora Bloch a falar sobre suas dores da recente perda, e agradecendo mais uma vez nossa ilustre presença em doloroso acontecimento. Pois não é que ela chegou próxima ao Roberval, parou o choro e fechando bem perto, falou: “Escuta aqui, você está pensando que isso aqui é um albergue hein?!Vamos acordar , meu senhor! Respeite a dor de uma pobre viúva!”. Nisso, a platéia caiu na gargalhada. O Val acordou, olhou sério para a Débora, ela saiu andando de volta para o palco e deu mais uma olhadinha para trás e falou: “Não acredito, dormiu de novo, mais onde nos estamos?” O Val abriu os olhos novamente com as gargalhadas e ainda disse: “Me deixa mulher, que chata...” Nisso, obviamente, todos da platéia, (com exceção da própria Débora Bloch e nós, seus amigos) acharam que era combinado, mas não era não.Isso rendeu boas risadas durante um bom tempo entre nós, e uma boa lembrança. Digo isto tudo, pois foi a primeira coisa que me veio a cabeça quando vi que iriam fazer a adaptação da peça para o cinema.

Quanto ao filme, a coisa é mais ou menos como tem acontecido com o advento da Globo Filmes; filminhos bobinhos, estórias chatinhas, com cara de filme feito para a televisão, e não para o cinema, como deveria ser. João Falcão- infelizmente - resolveu largar de lado suas peças teatrais, e dirige seu segundo filme, em menos de um ano, sendo que o outro filme “A Máquina” já não era grande coisa, mas pelo menos tinha uns diálogos bacanas entre Mariana Ximenes e Gustavo Falcão, aproveitados do texto original do próprio diretor. Já neste telefilme, nem isso temos. Quando Wladimir Brichta, logo no inicio do filme, se põe a cantar uma versão rock do clássico “Fica Comigo Essa Noite”, vi que o sofrimento iria ser muito. A sorte é que o filme é pequeno (em todos os sentidos) e termina logo, assim como o filme sumiu da minha memória cinco segundos depois de eu sair da sala de cinema, nem bem tinha saído do Shopping Tatuapé, e me perguntava: “Qual o filme que eu estava assistindo mesmo?” Triste, triste. Nem a gracinha da Aline Morais vale o filme.

E o pior é que o diretor toma liberdades com o texto e modifica totalmente a estória que fez sucesso nos palcos teatrais. Quer dizer, desagrada até quem iria gostar de graça, por ser uma adaptação de uma peça de imenso sucesso, que eu assisti e garanto que era milhões de vezes melhor que este filminho bobinho. João Falcão, volte para o teatro e não me chame!

23 de novembro de 2006

Volver – Pedro Almodóvar


Demorou um pouco para eu comentar a respeito deste filme aqui no blog. Talvez porque eu quisesse dar um tempinho para “assentar” o filme na minha cabeça. Todo filme do Almodóvar, eu espero com muita ansiedade, já que o espanhol é para mim o melhor cineasta da atualidade. Depois de três obras-primas seguidas (Carne Tremula, Tudo Sobre Minha Mãe e Fale Com Ela), o diretor errou na mão com “Má Educação”. Parece achar seu caminho novamente com este novo filme. Mas não é uma obra-prima como os outros. Acho que eu estava mal acostumado.

Adentrando novamente no universo feminino (área onde Almodóvar tirou seus melhores filmes), vemos a estória de algumas mulheres vivendo e revivendo situações extremas, entre estupros e mortes de homens canalhas. O elenco de mulheres é primoroso, a começar por Penélope Cruz que mais “cheia,” compõe um personagem que homenageia atrizes italianas como Anna Magnani e Sophia Loren. Fora o retorno de Carmen Maura, atriz Almodovariana por excelência.

O que mais chama a atenção neste filme - e que é uma característica do diretor em seus outros filmes- é como viramos cúmplices dos crimes praticados na estória. Em “Volver” alguns crimes são praticados, mas imediatamente ficamos do lado do criminoso, como se tudo o que foi feito tivesse uma justificativa, e tem. É como se o diretor quisesse nos mostrar que numa hora de desespero, todos os fins justificam os meios, e nossa (público) cumplicidade prova que ele tem razão. Em nenhum momento achei que o crime de Raimunda iria ser investigado. Ocorreu, passou, segue a vida. Entre fantasmas e culpas do passado e do presente.

Doenças, culpas e fantasmas rondam a vida daquelas maravilhosas mulheres. Almodóvar parece ser o “Chico Buarque” do cinema, tamanha facilidade para adentrar no universo feminino. Vai até a alma de suas mulheres espanholas. E mesmo não fazendo uma outra obra-prima, merece todos os aplausos por mais um filme único.

Abaixo coloco minhas notas, e em ordem de preferência, os filmes do diretor:

1 – Fale com Ela (02) * * * * * Obra-Prima Total!!!!
2 – Tudo Sobre Minha Mãe (99) * * * * *
3 – Carne Trêmula (97) * * * * *
4 – Ata-Me! (90) * * * * *
5 – Matador (86) * * * * *
6 – De Salto Alto (91) * * * * *
7 – Mulheres a Beira de Um Ataque de Nervos (88) * * * *
8 – A Lei do Desejo (87) * * * *
9 – Maus Hábitos (83) * * * *
10- A Flor do Meu Segredo (95) * * * *
11- Labirinto de Paixões (82) * * * *
12- Volver (06) * * * *
13- Que Fiz Para Merecer Isto (84) * * *
14- Má Educação (04) * * *
15- Pepi, Luci e Outras Chicas Del Monton (80) * * *
16- Kika (93) * * *

21 de novembro de 2006

A Última Noite – Robert Altman

Nossa, parece até premonição, fui assistir ao filme do Altman ontem e ele desencarnou hoje. Fica até difícil falar sobre o filme. Parece até que o veterano diretor já sabia que este seria o seu “último filme”. O filme me passou uma sensação imensa de nostalgia e despedida. Parece que Altman, sabia que iria morrer em breve e quis dizer metaforicamente, adeus ao mundo do cinema, do qual ele foi um fiel servo, com um vigor incrível para sua idade, já que ele tinha um transplante de coração. Mas dirigia como um rapaz, cheio de vigor.

Não por acaso, este foi o filme de Altman que mais gostei desde a obra-prima Short Curts, filme que assisti umas quatro vezes só no cinema. Se em Short Curts eu tive a impressão que as pessoas estavam vivendo com um pé na terra e outro no precipício. Neste seu último filme, Altman parece nos mostrar como é o limiar da vida. Aquele momento em que as lembranças falam mais altas, e um alto senso de nostalgia toda conta da mente e dos corações das pessoas. Talvez, o momento mais significativo do filme seja um em que Maryl Streep e Lily Tomlin cantam juntas uma canção evangélica (canção também cantada por um dos personagens do filme Retratos de Uma Família) relembrando a mãe delas, pois no filme são irmãs. Afinal de contas o que é o tempo? Como podemos lidar com o que vivemos, nossas lembranças? E o tempo que resta?

Evocando uma estória baseada em fatos reais, de uma rádio que apresenta (va) música ao vivo e que está (va) sempre para fechar. Altman nos faz viver entre o passado e o presente de seu país. Não por acaso, todos os músicos que se apresentam, têm um forte laço com as tradições do passado. É como se Altman quisesse nos mostrar, ou melhor, fazer sobreviver, costumes e épocas que estão se extinguindo lentamente na América. Em nome de uma tal modernidade, personificada por Tommy Lee Jones no filme. Mas como Altman pode fazer o que quer “no mundo imaginário” do cinema, no seu filme ele morre. Mas na vida real não é assim.

Todos os atores estão soberbos no filme, a começar por Kevin Kline, que parece fazer o papel de alter-ego do diretor. Uma bela despedida de um diretor ímpar, que agora deve estar sendo recepcionado no outro plano por um belo anjo loiro. Alias, fico pensando se aquele anjo personificado por Virginia Madsen no filme, não seria um discreto pedido aos céus do diretor: “Se eu tenho que realmente ir, que seja com um anjo como este do meu filme”. Nada bobo este Altman. Descanse em paz.

17 de novembro de 2006

Os Infiltrados – Martin Scorsese


Difícil falar sobre os filmes de Scorsese. Ele é um daqueles poucos cineastas, que 99% dos cinéfilos amam, ou procuram amar. Ele merece, construiu sua carreira de maneira perfeita, e é realmente um dos grandes artistas contemporâneos. E agora com seu último filme, ele tem sido endeusado mais ainda, pois voltou (dizem) ao seu habitat, que é contar estórias sobre ítalo-americanos, gângster e afins. Não que eu concorde com isso, acho o diretor bom de qualquer jeito, e meus filmes preferidos dele (abaixo do texto, ponho uma lista por ordem de preferência), nem mexem com o tema. Mas de qualquer forma o filme é muito bom, mas não uma obra-prima por enquanto, e principalmente nos brinda com a parceria (finalmente) entre Nicholson e Scorsese. É estranho, está parceria só rolar agora, pois talvez, ambos sejam os dois grandes americanos do cinema, o maior diretor e o maior ator em atividade.Ou alguém dúvida?

Muito já se sabe e foi escrito sobre o filme, procuro aqui lembrar o que mais gostei e o que me incomodou no filme. Antes preciso ressaltar que absolutamente “todos” os filmes deste cineasta precisam ser revistos. Ele é um dos poucos (que eu me lembro) cineastas, que tem uma obra que cresce com o passar do tempo. Mesmo seus filmes mais recentes como “Gangues de Nova York” ou “O Aviador”, cresceram em minha concepção depois de assisti-los novamente.

Bem no começo do filme, Frank Costello (já antológico personagem de Nicholson) comenta: “polícia ou bandido, com uma arma na mão, qual é a diferença?” E é justamente este o ponto mais interessante, uma vez que o bandido infiltrado na polícia ao seu comando (Matt Damon), assim como o policial infiltrado em sua gangue (Leonardo DiCaprio) sofrem, principalmente com a confusão de suas reais e imaginárias identidades. Quem mais sofre neste caso é Billy Costigan (DiCaprio), que vive o tempo todo no limite da pressão, do medo, de ser descoberto.

Alias, este é o grande feito de Scorsese, contra todas as críticas possíveis, acreditou em DiCaprio, que virou uma espécie de De Niro, que outrora fora seu parceiro constante. Nesta terceira parceria, DiCaprio está cada vez melhor. Sentimos a pressão de seu personagem num crescente angustiante.

O que acho que poderia ter sido mais bem trabalhado no filme, é o triangulo amoroso entre DiCaprio, Damon e Vera Farmiga. Não há tesão no ar, e Farmiga constrói uma personagem apática, muito aquém do que poderia se esperar. Entra aí, o outro problema do filme. Se Scorsese é um excelente contador de estórias, neste filme acho que ficou faltando uma densidade, ou melhor, um melhor detalhamento de seus personagens. Eles estão ali, mas quais suas motivações? É como se acompanhássemos tudo de longe, o distanciamento é maior do que deveria. Mas estas impressões podem mudar, numa segunda chance ao filme, é claro.

Nesta sua trilogia com DiCaprio nas telas. Scorsese nos brindou com o nascer violento de uma nação (Gangues), depois com a expansão e o poder do dinheiro/homem (Aviador). Agora nos mostra a derrota de um país sem lei, chafurdado entre ratos e guerras inventadas. Em cada um destes filmes, expõe de forma sutil, porem intensa, suas idéias a respeito de uma América, que está longe do ideal, longe de ser entendida. Mas mesmo mostrando as feridas de seu país e expondo-as para o mundo, seu amor também está lá, como o amor a um filho problemático. Scorsese expõe seu país ao mundo, suas feridas. Através de seu talento, e que talento...

Os filmes que assisti de Martin Scorsese ( por ordem de preferência):

01 – A Última Tentação de Cristo * * * * *
02 – A Época da Inocência * * * * *
03 – Taxi Driver * * * * *
04 – Touro Indomável * * * * *
05 – Contos de Nova York (Lições de Vida) * * * * *
06 – Os Bons Companheiros * * * * *
07 – O Rei da Comédia * * * *
08 – Depois de Horas * * * *
09 – Vivendo no Limite * * * *
10 – Kundun * * * *
11 – Cabo do Medo * * * *
12 – Cassino * * * *
13 – Gangues de Nova York * * * *
14 – O Aviador * * * *
15 – Os Infiltrados * * * *
16 – A Cor do Dinheiro * * *
17 – Caminhos Perigosos * * *
18 – New York, New York * * *
19 – Alice Não Mora Mais Aqui * *

13 de novembro de 2006

O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias – Cao Hambúrguer


Sempre que assisto a um filme que envolve crianças, e principalmente se o filme for bom, acabo sempre fazendo algum tipo de associação com o meu passado de menino, relembrando alguma coisa que ficou para trás, e que foi marcante para o meu crescimento. Não foi diferente desta vez; assim como Mauro (Michael Joelsas), protagonista do filme, também fui um apaixonado por futebol e principalmente futebol de botão. Chegava a organizar campeonatos com os colegas de escola. Mas o que me veio à mente com força, assistindo ao filme, foi um episódio envolvendo eu e meu padrasto, quando eu devia ter a mesma idade de Mauro.

Num domingo remoto, logo após o almoço, meu padrasto me passou uns exercícios para fazer, pois tinha acabado de ir muito mal em uma prova de gramática. A questão era de análise sintética, eu detestava e não queria perder meu domingo com aquela droga. Gritei, berrei, xinguei e disse ao meu padrasto que ele não tinha o direito de me obrigar a fazer aquilo, pois não era meu pai de verdade. Ele nada me disse, apenas entregou os exercícios e com o semblante triste, foi para o quarto tirar seu cochilo dominical pós-almoço. No meu quarto, ainda revoltado, li o exercício, a frase que era para eu fazer a análise sintática era a seguinte: “Quem se atreve a praticar o bem e a caridade, deve ter coragem de enfrentar a ingratidão”. Putz, caiu meu mundo, uma dor forte no peito apertado, e um choro convulsivo de mais de duas horas abafado no travesseiro. Este foi o resultado, pois com a sutileza de meu pai, aquilo foi muito pior que uma surra. Seu olhar, seu silencio cheio de amor e mágoa, ficaram guardados na minha mente.A associação que faço deste filme com minha infãncia, se deve pela sutileza com que pontos centrais e sentimentais são tocados na alma de um menino.

Cao Hambúrguer dá um show na reconstituição do ano de 1970 no bairro de Bom Retiro. Futebol e Repressão foram os dois pilares daquele ano no Brasil, e é principalmente retratado pela vida de Mauro. Seu afastamento dos pais devido a repressão, seu sonho de se tornar goleiro, sendo esta opção a mais solitária dentro do futebol coletivo. Sua solidão no apartamento do avô já morto. A ajuda resignada de outros judeus, que o “adotam” de uma certa forma. Estes também tinham acabado de fugir de uma repressão terrível na segunda guerra. Sabiam o que era estar só, mesmo menino, e que mesmo assim a vida tinha que continuar, mesmo sem os familiares.

Vários pontos são abordados neste belo filme, que mesmo sendo popular, não se deixa levar pela onda de telefilmes medíocres que assolam os cinemas ultimamente. Um dos mais belos filmes do ano. O cinema nacional finalmente respira graças a este filme. Salve!

10 de novembro de 2006

Lost 2º Temporada Completa – J.J. Abrams


Primeiro veio o homem, que solto na terra, se viu junto a outros homens igualmente desesperados e perdidos. Todos juntos lutando pela sobrevivência, e contra os contratempos antigos e novos que foram se mostrando ao longo do percurso. Logo em seguida veio uma “pretensa” calmaria, melhor dizer, um “habituar-se” com a situação, que de tão louca e inusitada, passou a ser o cotidiano vivido. Sendo assim, logo se formaram os líderes, os cabeças do grupo, os políticos. Tomaram o poder para si, e as decisões quanto aquela comunidade. Então começaram a brigar pelo poder, pelas decisões perante os mesmos líderes, até ignorando o povo ao qual diziam estar protegendo.

Isso me lembra uma obra-prima que li há algum tempo que se chama “Revolução dos Bichos” de George Orwell. Conta a história de uns bichos que tomam a fazenda dos seus donos por conta dos maus tratos dados a eles pelos mesmos, e em pouco tempo alguns bichos (porcos) tomam o poder e passam a praticar o mesmo tipo de poder praticado anteriormente. Enquanto os porcos engordam, os cavalos trabalham de sol a sol.Assim é o homem... Lobo do homem.

Passada a primeira temporada de Lost, onde os sobreviventes se viam naquela situação mais que inusitada, veio a segunda temporada, onde os mesmos personagens,já “praticamente” acostumados à situação, se viram obrigados a disputar seu espaço nas decisões sobre os fatos ocorridos na ilha. Fora o fato de surgirem novos sobreviventes, e também os “outros”.Basicamente, esta segunda temporada não esclareceu quase. Mas e daí? O fato é que a série continuou e continua fantástica. Pode-se dizer que está série divide o mundo da TV entre antes e depois de Lost. O mais incrível é que são tantos enigmas, que dá tranqüilamente para assistir qualquer episódio aleatoriamente mais que uma vez, que fica um sabor de novidade.

O episódio que mais me chamou a atenção nessa segunda e tão maravilhosa temporada quanto a primeira foi (alem do episódio que mostra a queda dos outros sobreviventes) o episódio S O S que mostra o reencontro entre Rose e Bernard. O mais interessante é que Bernard tenta organizar um mutirão, para se fazer um pedido de socorro com pedras, pois se sente perdido, querendo fazer algo, enquanto os outros estão perdidos nos mistérios da escotilha e seus códigos secretos, seus 108 minutos para digitar os números malditos 04, 08, 15, 16, 23 e 42 (Até já decorei), e toda uma onda de mistérios novos com novos personagens. Fez eu me lembrar dos poderosos engravatados, guardados nos seus gabinetes a decidir nossos destinos, enquanto alguns (poucos) esperançosos gritam por justiça do lado de fora em suas pequenas manifestações.

Outros mistérios apareceram, já não bastasse os outros deixados em aberto na primeira temporada. A terceira já está rolando com a participação de Rodrigo Santoro. Aguardo , por mais esta temporada de sucesso e que está longe de terminar.

Acredito que Lost está para a televisão – guardada as devidas proporções -, assim como “O Poderoso Chefão” está para o cinema. Emocionante e imperdível.

7 de novembro de 2006

A Pequena Miss Sunshine – Jonathan Dayton

Tenho feito poucos textos ultimamente. Uma baita falta de tempo, o serviço me consumindo, aliado ao fato de estar sem computador, tem me afastado do blog , e (engraçado) uma certa estranheza, de minha parte acontece, quando resolvo escrever algo. Alguns dias já bastam para enferrujar a cuca, e a falta de tempo... Mas vamos lá, sendo este espaço muito do meu, posso fazer o que quiser com ele, até escrever sobre outras coisas que não sejam cinema.

Hoje apenas quero saborear o fato de ter assistido o filme acima e dizer que fazia (muito) tempo que não dava tanta risada com um filme, como este. Muita risada mesmo, e não era só eu. Todo o cinema lotado (Kinoplex Itaim) não parava de rir, numa comunhão maravilhosa de bobos alegres. Quando não estava rindo, estava com um sorriso de orelha a orelha. E olha que eu não estava num bom dia, na verdade estava estressado, cansado e carente.

Alguma coisa de errado acontece com os grandes estúdios na metrópole mundial do cinema. Suas grandes produções não atingem o público, seja em afeição, empatia ou mesmo grana. Existe uma falta de criatividade generalizada, e é nas produções independentes que vemos algum tipo de novidade, ou então nos seriados americanos, que antes rejeitados pelas estrelas, virou febre mundial.
Particularmente, dos filmes americanos que assisti neste ano, os únicos que realmente me agradaram, foram filmes baratos, que por vezes, atores participaram sem ao menos ganhar por isso, um exemplo é Ritmo do Sonho em que Terence Howard não recebeu dinheiro, mas faturou uma justa indicação ao Oscar. Ou mesmo filmes como Fora do Mapa, Heróis Imaginários ou Retratos de Família, que mostram que existe vida inteligente fora do circuito de Holywood.

Este “Pequena Miss Sunshine” também serve como exemplo de filme barato, (custou apenas US$ 8 milhões e demorou cinco anos para ficar pronto devido a falta de dinheiro). Atores apaixonados pelo projeto, que abrem mão do cachê, por acreditar no roteiro. Mesmo estando em franca ascensão, como é o caso de Steve Carrell, que neste filme faz o papel do tio/irmão da família em depressão, depois de uma tentativa frustrada de suicídio.

O filme conta a estória de uma família que parte em uma perua velha, para um concurso onde a filha mais nova da família, a lindinha e ótima Abigail Breslin vai disputar o título que dá nome ao filme. Acompanhamos a trajetória deles na estrada, e conhecemos cada um deles, e suas particularidades. O avô doidão, cheirador de heroína; o filho mais velho, leitor de Nitzche; o pai falido, que trabalha com palestras (vazias) de auto-ajuda. Todos os atores estão ótimos, numa rara comunhão de talentos. E o que vemos é uma verdadeira comédia, que nos faz rir muito.São noventa minutos de gargalhadas soltas, num texto simples e prazeroso. Só a cena do concurso, onde o apresentador canta, totalmente desafinada, uma canção ufanista americana, já vale o filme. Fora o fato de ter ficado praticamente a primeira meia hora do filme sem parar de rir.

Miss Sunshine consegue seu intento que é fazer rir, ser sem bobo. Uma deliciosa comédia que te faz sair do cinema de bem com a vida, pois rir sem culpa faz muito bem para a alma. Saí leve e feliz do cinema. O que há de melhor para uma comédia? Este é um daqueles filmes que sei que irei assistir muito mais que esta única vez.

2 de novembro de 2006

Pintar ou Fazer Amor – Arnaud Larrieu e Jean Marie Larrieu


Eis um filme que me surpreendeu. Não pensei que iria gostar tanto deste filme, que altamente recomendo. Pouco sei sobre cinema, não assisti nem 10% do que gostaria. Mas acho que este filme bebe na fonte de seus próprios conterrâneos como Rohmer.

Eu, como por vezes sou muito ranzinza, achei que se tratava daqueles filmes europeus em que todo mundo se sente entediado na vida, talvez pelo simples fato de realmente não ter problemas de sobrevivência, então ficam inventando férulas à respeito do “complexo eu interior” de cada um. Todos sofrem, mesmo morando numa linda casa, numa cidade linda (Paris, por exemplo) e procuram achar uma forma de preencher seus vazios interiores.

Sim, o filme também é por aí, mas dizer que é exatamente assim, é pecado, pois este filme é de uma beleza incrível, realmente me surpreendeu.

Conta a estória de uma casal que se muda para uma casa de campo, e constroem uma amizade intensa com outro casal morador do local. Está convivência trará grandes descobertas a cada um deles, principalmente no campo sexual. Dizer mais seria estragar o filme para quem ainda não assistiu.

Mas realmente o que mais me impressionou foi a forma sensível como é mostrado este convívio destes dois casais, e suas descobertas interiores. O filme passa, e a cada momento se torna mais elegante em sua levada. Prova de que, às vezes, pode-se fazer grandes coisas com um enredo simples.Fotografia linda, e direção inventiva e elegante fazem deste filme um dos meus preferidos do ano.

Engraçado é que enquanto assistia ao filme, não parava de “tocar” na minha cabeça, uma das músicas do último cd do Chico. E depois que saí do cinema ela continuava a tocar na minha mente. Mesmo agora escrevendo a respeito, foi a primeira coisa que passou na minha cabeça. Talvez o filme, assim como está música do mestre Chico, sejam meio que subestimados pelo público. De qualquer forma, na minha louca cabeça, acho que se encaixam perfeitamente música e filme. Não à toa, Paris é onde Chico tem a sua segunda casa, ele pode.

Enfim, um filme altamente elegante e sensorial. Um bom exemplo é a cena em que todos caminham pelo escuro de uma mata, e a tela fica totalmente escura, e nós espectadores ficamos no escuro também junto com os personagens. Belas imagens, para um filme que não procura respostas, apenas abrir frestas da mente de seus personagens, com elegância e inteligência. Exatamente como as músicas do Chico Buarque, que abaixo cito a letra da canção que grudou na minha memória:

Leve – Carlinhos Vergueiro/ Chico Buarque

Não me leve a mal,
Me leve à toa pela última vez
A um quiosque, ao planetário
Ao cais do porto, ao paço

O meu coração, meu coração
Meu coração parece que
Perde um pedaço, mas não
Me leve a sério
Passou este verão
Outros passarão
Eu Passo

Não se atire do terraço,
Não arranque minha cabeça
Da sua cortiça
Não beba muita cachaça,
Não se esqueça depressa de mim, sim?
Pense que eu cheguei de leve
Machuquei você de leve
E me retirei com pés de lã
Sei que seu caminho amanhã
Será um caminho bom
Mas não me leve

O meu coração parece que
Perde um pedaço, mas não
Me leve a sério
Passou este verão
Outros passarão
Eu passo

1 de novembro de 2006

Relação de filmes - Outubro de 2006

Filmes assistidos no mês de Outubro de 2006 por ordem de preferência.



1 – LOST (2º temporada completa - DVD) - J. J. Abrams * * * *

2 – Pintar ou Fazer Amor - Arnaud Larrien * * * *

3 – Estamira - Marcos Prado * * * *

4 – Fora do Mapa – Campbell Scott (DVD) * * * *

5 – Guerra Conjugal - Joaquim Pedro de Andrade * * * *

6 - O Padre e a Moça - Joaquim Pedro de Andrade * * * *

7 – Crônica de Uma Fuga – Adrian Caetano * * *

8 – Buena Vida Delivery - Leonardo de Cesare * * *

9 – O Que Você Faria ? - Marcelo Pineyro * * *

10 – Herói - Zhang Yimou (DVD) * * *

11 – Obrigado por Fumar – Jason Reitman * * *

12 – Em Minha Terra – John Boorman (DVD) * * *

13 – Wood e Stock – Otto Guerra * * *

14 – Dália Negra – Brian de Palma * * *

15 – Vem Dançar – Liz Friedlander (DVD) * *

16 – Gatão de Meia Idade - A. C. Fontoura (DVD) * *

17 – As Torres Gêmeas – Oliver Stone * *

18 – Um Cara Quase Perfeito – Mike Binder * *

19 – A Vida Está em Outro Lugar – Frederic Choffat * *

20 – O Cara – Les Mayfield (DVD) *

21 – Muito Gelo e Dois Dedos D´agua - Daniel Filho *

22 – O Albergue – Eli Roth (DVD) *

23 de outubro de 2006

Crônica de Uma Fuga – Adrián Caetano


Muitos filmes já foram feitos tanto no Brasil, quanto na Argentina a respeito de suas respectivas ditaduras militares e o abuso e feridas abertas, que estes regimes autoritários causaram. Para falar a verdade, chega até a cansar, tamanho número de filmes à respeito. Aqui vemos mais um exemplo. Baseado em fatos mais que reais, este filme tem elementos que o diferem dos demais filmes a esse respeito.

Narrando a história de um goleiro, que foi preso por engano, e confundido com um terrorista, seguimos de perto, sua prisão e conseqüentemente sua vivencia numa espécie de prisão em um antigo casarão. O fato novo deste filme e que ao invés de vermos pessoas engajadas por sua luta política, vemos presos inseguros e levianos, que não pensam duas vezes, para delatar ou até inventar algo sobre qualquer amigo ou companheiro de causa. O heroísmo e o engajamento dos “companheiros”, aqui não encontra muita resistência, é um salve-se quem puder.É mais interessante ainda notar o processo gradual e lento com que aqueles homens presos vão perdendo o brio. Aos poucos eles vão se curvando, chegando a uma determinada altura, parecerem bichos acuados.

Quando vemos quatro presos políticos conseguirem fugir da prisão, o que mais impressiona, são seus gestos corporais. Mesmo já libertos, seguem pela rua curvados, como se estivessem ainda presos e com algemas.

Mais um bom filme a respeito da arbitrariedade humana, de como os homens (no caso os militares), podem ser tão imbecis e autoritários.

E também mais um bom exemplo do ótimo momento do cinema argentino, que tem marcados vários gols bonitos no quesito cinema.

19 de outubro de 2006

Muito Gelo e Dois Dedos D`água – Daniel Filho


Em uma das cenas do filme (talvez a menos pior), o personagem de Ângelo Paes Leme, faz uma metáfora sobre a personalidade da personagem de Mariana Ximenes. Ele afirma que os sentimentos dela estão gelados, como um copo com “Muito Gelo e Dois Dedos de Água”. Vou aproveitar a deixa para também fazer a minha metáfora sobre o cinema, mais especificamente sobre este filme:
Quando antigamente (mesmo nos dias de hoje) um alfaiate fazia um terno ou mesmo um vestido, qualquer uma dessas peças, eram feitas com primor e afinco. Uma peça única, uma espécie de jóia, feita na medida para o bom gosto do cliente.Mas com o passar do tempo, o alfaiate foi se especializando, outros clientes foram aparecendo, e na “obrigação” de atender a demanda de tantos clientes, suas peças deixaram de ser feitas artesanalmente. Para suprir a demanda, apareceram funcionários, que foram contratados e começaram a fazer as peças. Com sua sapiência sobre o assunto, o alfaiate apenas verificou o que mais chamava a atenção do cliente, e procurou esconder os defeitos. Só que com isso, suas peças perderam o que mais valia nelas, que era a coisa da peça ser única. Ter sua marca, passou a não ser mais questão de qualidade, e sim de quantidade produzida. A mesma coisa está acontecendo de forma gritante com o cinema nacional. Com as facilidades que certos diretores como Daniel Filho, estão tendo de produzir seus filmes, e a pressão para que estes filmes consigam mais e mais espectadores, estes caras (mesmo sem querer) vendem suas almas ao diabo, ou melhor, a Globo Filmes, e fazem a cada filme produzido, uma coisa cada vez mais longe possível do cinema que acredito que exista. São telefilmes medíocres, rápidos e sem vida.

Com o advento da Globo Filmes, em pouquíssimo tempo, Daniel Filho dirigiu quatro filmes. Se os outros três filmes não primam por qualidade, este último conseguiu a primazia de ser o pior, o mais tenebroso de todos.Um filme constrangedor, que reúne todos os defeitos possíveis, que o cinema possa ter. Se é que dá para chamar este filme de cinema. É uma vergonha.

Não há absolutamente nada que chame a atenção neste filme, nada. Nem mesmo a suposta nudez das duas estrelas Paloma Duarte e Mariana Ximenes. Nem o talento de Laura Cardoso, pirada chamando Médici de um gato.É constrangedor de tão ruim.

O pior é que vi o trailer de “Fica Comigo Esta Noite” de João Falcão, e por “aquilo” que eu vi, o filme deve ser tão ruim quanto este. Mais do que indignado, eu realmente lamento o que estão fazendo com nosso cinema, que para o bem ou para o mal, está conseguindo sair da sobrevivência, e ganhar um número e nível de produção crescente.

Sempre gostei muito de Daniel Filho como diretor de novelas e principalmente como ator, é um cara que traz a história da televisão brasileira na pele, além de ter trabalhado como ator em grandes filmes nacionais. Minha pergunta é: Será que ele não fica constrangido vendo que tamanho lixo dirigiu? Parece-me que tudo foi feito com desleixo, como se estivesse com o prazo estourando de entrega. Uma lástima. E o pior é que se o filme de um modo geral (roteiro, direção, edição, atuação, etc.) fosse mais bem trabalhado, daria uma ótima comédia, pois as idéias são legais e os atores são bons. Acaba sendo um desperdício de tempo de todos.

Alguém precisa dizer a estes diretores, que os filmes nacionais precisam ser tratados com mais carinho. Estão maltratando nosso cinema, isso é um absurdo. Do jeito que a coisa vai, minha lista de piores filmes do ano, vai ter só filme nacional. Pode?

17 de outubro de 2006

As Torres Gêmeas – Oliver Stone


Tenho lido e ouvido falar muito mal deste filme. É porrada de tudo quanto é lado, que realmente fiquei mais curioso ainda para assistir ao filme. Como se o tema abordado já não fosse suficientemente interessante.

Oliver Stone é um diretor curioso. Seus filmes geralmente são muito comentados, mas a impressão que tenho é de que este marketing (in) voluntário sempre esconde suas limitações. Todos seus filmes, quando revistos, se tornam menores do que de fato o são. Mesmo Nascido em 04 de Julho e Talk Rádio, filmes que gosto, perdem seu vigor com o tempo. O diretor faz filmes impactantes, que mexem com o imaginário americano, pois tem sempre a intenção de tocar em suas maiores feridas. Seus filmes não são universais, são americanos até o osso, com todo o ranço que isso possa trazer. Às vezes, o diretor é bem sucedido, às vezes não.

Mas o que me impressionou neste seu último filme (ao contrário do penúltimo filme, o grande e terrível Alexandre), foi a simplicidade, humildade e delicadeza com que Stone “tenta” trabalhar a maior ferida americana. É de se estranhar falar em delicadeza e Oliver Stone ao mesmo tempo, e é aí que começam os problemas. Ele não sabe ser delicado, e se perde na sua própria direção.

O filme, conta a história verídica de duas famílias envolvidas com o acidente das torres gêmeas. Conta a história de dois soldados que acabam soterrados enquanto tentavam salvar feridos. E conseqüentemente a reação de suas respectivas famílias.

Mas o personagem mais interessante é mesmo o ex-fuzileiro que acaba salvando os dois policiais. Em meio a um culto, ele diz ao pastor de sua igreja que “ouviu” uma ordem de Jesus, e vai para os escombros tentar achar alguma vítima. Ele é o típico americano de direita, conservador, um daqueles exemplos de americano, que acredita no seu presidente e na soberania de seu país perante o mundo. E ele existe mesmo, não é invenção, depois do ocorrido, foi lutar no Iraque. Tanto é que o filme agradou e muito a direita americana e desagradou a esquerda, não por acaso, a mesma formadora de opiniões tanto nos EUA como no mundo afora. Seria um papel perfeito para Mel Gibson.

Talvez, a falta de delicadeza de Stone, tenha deixado de lado coisas muito interessantes que ele podia trabalhar. Só para citar um exemplo, interessante notar que a família típica americana do filme está em crise (Maria Bello com umas lentes de contato azuis horrorosas e Nicolas Cage), enquanto a outra família, formada por descendentes e imigrante, que vive seu melhor momento (Michal Pena e Maggie Gyllenhaal). Alusão à antiga e a nova América? Não dá para saber. Muita coisa fica rala, falta conteúdo para todas as alusões do filme e a impressão acaba sendo, que o filme poderia ser muito melhor nas mãos de outro diretor. Stone tenta com este filme, nadar contra sua própria correnteza, tenta ser sutil, quando se esperava dele muito impacto. Não tem jeito, sua mão é pesada demais.

Mas o filme tem também suas virtudes. Sabe emocionar em alguns momentos, principalmente naqueles em que a fraternidade e ajuda humana se sobrepõem em meio a toda aquela desgraça americana. Quadrado sim, mas mesmo assim interessante.

13 de outubro de 2006

Dália Negra – Brian de Palma


Tenho acompanhado muitos textos sobre este novo filme do mestre de Palma, pensei duas vezes até, em escrever a respeito, mas vou tentar passar minhas primeiras impressões sem me deixar influenciar por qualquer opinião lida, me baseando apenas em minhas sensações.

Preciso comentar antes, que este diretor sempre me foi especial, talvez um dos responsáveis por minha paixão por cinema. Lembro quando assisti Dublê de Corpo, o impacto daquele filme, meu entusiasmo com o cinema, a partir de então, só para citar uma entre outras obras- primas do cara. Mas assim como os recentes filmes de Spielberg, acho que Palma tem feito filmes regulares ou bons (como este novo filme), mas não maravilhosos, que ainda o elevem ao patamar dos grandes. Seu histórico o tem favorecido, e não suas últimas obras em si.

Um grande diretor, um grande livro e um grande elenco não foram suficientes para Dália Negra. É a velha história de muita estrela, para pouca constelação.Talvez por isso, acredito que são os coadjuvantes que roubem a cena neste filme, e entre eles eu destaco a ótima ambientação, o clima, o cenário e as caracterizações para se recrear um clima noir. Fora Mia Kirshner, que com pequenas aparições, demonstra mais carisma e sensualidade que suas protagonistas.

Acredito que o grande problema deste filme (que talvez com uma revisão possa ser mais bem avaliado), seja o roteiro. São muitas informações e tramas paralelas para um filme só. Confesso que até quase o final do filme, se senti burro e perdido na sua trama, e no final, achei tudo muito rápido e mal solucionado. Apenas uma cena me chamou a atenção: a cena em que o corpo da moça é encontrado. Ali, vemos um lampejo do talento do diretor, aquela movimentação de câmera me lembrou a primeira cena de “Marcas da Maldade”, e é só.

Do elenco todo, vale ressaltar Mia Kirshner e os dois protagonistas, Sr. Gelo e Sr. Fogo, vividos por Aaron Heckart e Josh Hartnett, respectivamente. Acho, inclusive, que Hartnett se sobressaiu positivamente já que não acreditava até então em seu trabalho de ator. O grande problema, para mim, está nas duas mulheres “fatais”. Scarlett Johansson está apática, e Hilary Swank totalmente equivocada em seu papel de mulher fatal. Interessante notar, que seu personagem no filme, é caracterizado por ser uma espécie de sósia do personagem de Mia Kirshner. Um baita equivoco, é como achar semelhanças entre Toni Tornado e Thiago Lacerda, não dá né.

Obviamente, esperava bem mais deste filme. Achava inclusive, que ele teria lugar garantido na minha lista dos dez mais do ano.Esperava aquele velho lampejo de gênio ímpar, que sempre caracterizou os filmes de Brian de Palma. Talvez o filme cresça com o passar do tempo e seja mais bem avaliado por mim, não sei. O fato é que esperava mais e acho que vai ficar para um próximo, quem sabe.

Abaixo, coloco os filmes que já assisti do mestre, por ordem de preferência:

Dublê de Corpo (1984) * * * * *
Um Tiro na Noite (1981) * * * * *
Os Intocáveis (1987) * * * * *
Vestida para Matar (1980) * * * * *
Carrie, a Estranha (1976) * * * * *
A Fogueira das Vaidades (1990) * * * *
A Fúria (1978) * * * *
Scarface (1983) * * * *
O Pagamento Final (1993) * * * *
Pecados de Guerra (1989) * * * *
Síndrome de Caim (1992) * * * *
Olhos de Serpente (1998) * * *
Femme Fatalle (2002) * * *
Dália Negra (2006) * * *
Missão Marte (2000) * *
Missão Impossível (1996) * *

11 de outubro de 2006

Fora do Mapa – Campbell Scott


Em um certo momento do filme, Willian (Jim True-Frost) conversa com Charley (Sam Elliott), diz a ele o quanto o admira e o acha um gênio, pois Charley e sua família conseguem viver sem renda nenhuma e a base de trocas, e ainda assim, ter estoque de comida e mantimentos, para mais de quatro anos, além do mesmo ter uma esposa linda, Arlene (Joan Allen) e Bo (Valentina de Angelis), uma filha esperta e incrível. É uma conversa entre dois depressivos, sendo que neste momento Charley está começando a se recuperar de uma depressão de mais de um ano, e que permeou a vida e o verão de todos à volta daquela família. Eles estão no Novo México, e fora de qualquer padrão, que se pareça com o estilo de vida de uma família típica americana. Charley acha um erro trabalhar para os outros, diz que quem trabalha para outras pessoas não tem tempo de cuidar de si mesmo e descobrir formas de viver melhor e assim, vive isolado com sua família, isto é, fora do mapa, como diz o título do filme.

Tendo um cenário incrível, hipnotizante até, vemos a estória desta família, seus amigos próximos, como George (J. K. Simmons) e o próprio William, que aparece na estória como um fiscal da receita federal, que vai atrás da família para cobrar a declaração de imposto de renda deles. Só que George “pira” no local e acaba se agregando à família.

Em sua segunda inclusão na direção de um filme, Campbell Scott deixa sua marca, nos mostrando uma estória muito bonita a respeito dessas pessoas. Sua direção segura deixa margem para os atores brilharem, cada um a seu estilo. Sam Elliott encontra um personagem à altura de seu talento e arrasa com seu Charley depressivo. É em torno dele que todos os outros personagens se desenvolvem, ao mesmo tempo em que cada um procura sua verdade. Arlene, com as responsabilidades que tem que acarretar, coisas que o marido sempre cuidou; George, o melhor amigo de Charley, que se sente arrasado pelo amigo e companheiro; Bo, com seu sonho de consumo e cidade grande. Todos procuram se encontrar a si mesmos e nos outros. Como se cada um fosse também um deserto lindo, como o local onde vivem.

Um filme lindo, simples. Que conta uma estória de pessoas simples e cheias de vida. Parece que existe um pouquinho de mim, em cada um daqueles bem trabalhados personagens. Infelizmente pouco apreciado no cinema e agora em DVD, eis a chance para quem não viu. Eu recomendo.

9 de outubro de 2006

Estamira – Marcos Prado


Depois de alguns dias, ainda fica em minha lembrança, umas das cenas finais deste belíssimo filme; A cena em que Estamira diz que o mundo só será purificado e tudo começará do zero, quando se queimar tudo, a começar por ela mesma, que se oferece, caso se, com este gesto, o homem aprender algo. Nisso vemos ela na praia, o mar está bravio, as ondas quebram nas rochas ou entre si, fazendo um bailado de fúria. Como se a água pedisse contas a Estamira, mostrando que tem tão ou mais força que o fogo, pois também é força da natureza, energia que tanto pode ser útil e belo, como pode destruir tudo ou todos a sua volta.

Estamira acredita ser também uma força da natureza, um ser indestrutível, que está acima das coisas pequenas e cotidianas. Ela mora em um barraco e vive de restos de um lixão, mas ela e sua esquizofrenia, parecem passar à margem de todos estes problemas comuns. É apenas uma forma de viver como outra qualquer neste mundo, seu objetivo de vida é muito maior, ela está aqui para: “mostrar a verdade e capturar a mentira”. Ela está aqui para combater o “trocadilo” e os “espertos ao contrário”. Suas frases, sua filosofia, estão acima das dificuldades de sobreviver. Sua suposta “doença” faz com que tenha um relacionamento difícil, com os filhos e com os netos. É no lixão onde freqüenta e trabalha há mais de vinte anos, que se sente bem, mesmo que isso seja incompreensível para os filhos e para o resto do mundo. Seu objetivo é maior, ela precisa combater o “controle remoto”.

Muito se pode discutir a respeito de personagem tão carismático e difícil. Suas atitudes, sua lucidez em meio as suas loucuras. O quando do que ela fala, pode-se levar em consideração ou não. Mas o fato é que Estamira tem um carisma e uma força absurda. Seu discurso é cativante e nos faz querer escutar mais e mais.

Grande mérito de Estamira ser tão “especial”, é do diretor Marcos Prado, sendo dele também a espetacular fotografia do filme (que também pode incomodar a outros). A montagem e a forma como são mostradas as imagens de Estamira, fazem com que sua história, sua loucura, ou o que quer que aquilo seja, ganhe contornos surpreendentes. Nós somos lançados ao seu problemático mundo e mesmo quando ela conversa num idioma “só dela” , conseguimos acompanhá-la.

Estamira é um filme que não procura entender ou se fazer entender. É uma obra em aberto, que nos mostra uma pessoa, uma pérola em meio ao lixão. Uma mulher; mais um ser solitário em meio a um mundo bonito e feio, triste e alegre.Uma pessoa; um mundo rico e pobre de belezas, em meio a tantas incertezas e dúvidas quando ou que e porque de estamos aqui. Estamira é inclassificável, e quem acha que entende o que se passa com ela, é um esperto ao contrário.

4 de outubro de 2006

Eu Me Lembro – Edgard Navarro


Eu me lembro também de um caso de minha infância, que bem menino, quando devia ter no máximo uns três anos, em Piraju, cidade do interior paulista, de onde era meu pai, já falecido. Tínhamos vários parentes, e ele tinha várias primas que me adoravam. Até porque é difícil não gostar de um menino bonitinho e serelepe, pedindo colo a toda prima bonita.Pois bem; lembro uma vez que enquanto uma delas dormia, eu subi em cima do seu corpo, e descobrindo um mundo novo, desamarrei sua blusa preta de laço, deixando seus seios à mostra, e toquei-os (não) sabendo que aquilo que eu fazia era estranho, novo e fascinante para mim, menino que ainda usava fraldas. Acabava de ultrapassar um limite, proibido e profano, que eu não entendia o porquê, me era tão louco. Instinto sexual aflorado? Mera curiosidade infantil? Não sei... Só sei que é umas das minhas lembranças mais remotas. O início de tudo. E o sexo permeando estas lembranças. Acho que esqueci de quase tudo, menos das coisas ligadas ao sexo.Estranho...

Dou este exemplo, por ter lembrado disto assistindo ao filme autobiográfico de Edgar Navarro. Neste autoral, e já por isso, mais que louvável filme, o diretor nos empresta suas lembranças de menino baiano, para nos mostrar sua Bahia e mesmo o Brasil, e suas mudanças efervescentes e radicais em tão curto tempo, que vai do final dos anos 50 (anos dourados) até meados dos anos 70 (militarismo).

O que mais gostei no filme, foi sua primeira metade. Que narra a infância do diretor e de sua família típica baiana, através de lembranças de um menino, ou seja, o próprio diretor. Vemos seu crescimento e descobertas sexuais em meio a uma família grande e problemática. Família deliciosa, de uma outra época, que não volta mais.

Mas é na sua segunda metade que o filme perde o vigor, por tentar em pouco tempo, contar através do menino (que já cresceu) toda uma época de transformações. Em pouco tempo, vemos seu envolvimento com a guerrilha, a perda de amigos, sua depressão. E logo em seguida seu envolvimento com uma comunidade hippie, assim de um extremo ao outro, sem muitas explicações.

Se na primeira parte, o filme nos faz viajar entre lembranças deliciosas de uma criança e sua (muito bem retratada) família baiana. A segunda parte perde o gás, com tantos acontecimentos em tão curto espaço e algumas coisas se perdem no enredo. Não sabemos, por exemplo, como o pai do menino morreu, e como sua casa, antes habitada por diversos irmãos, se tornou uma comunidade de hippies. Cadê seus irmãos?

Mas mesmo assim, o filme não perde em nada seu encanto. Até porque, fica nítido, aos nossos olhos, a urgência do diretor, em nos contar aquela história. Sua história, sua sobrevivência, em meio a tantos acontecimentos. Seu propósito não é a bilheteria, a forma de filmar ou qualquer outra coisa. Seu compromisso é o de botar para fora, através do cinema, tais lembranças. Seu compromisso é consigo mesmo, e com o cinema, sua paixão desde a época narrada. Isso ele faz de forma sincera e urgente. Só por isso, Navarro já merece sinceros e efusivos aplausos.

2 de outubro de 2006

Relação de filmes - Setembro de 2006

Filmes assistidos no mês de Setembro de 2006 por ordem de preferência.



1 – A Dama do Lago – M. Night Shyamanann * * * *

2 – Retratos de Família – Phil Morrison (DVD) * * * *

3 – O Ritmo do Sonho – Craig Brewer (DVD) * * * *

4 – O Maior Amor do Mundo – Cacá Diegues * * *

5 – Eu Me Lembro – Edgar Navarro * * *

6 – O Tempo Que Resta – François Ozon * * *

7 – Vôo 93 – Paul Greengrass * * *

8 – Contra a Parede – Fatih Akin (DVD) * * *

9 – O Sabor da Melancia – Tsai Ming- Liang * * *

10 – Cafundó – Paulo Betti/ Clovis Bueno * * *

11 – No Rastro da Bala – Wayne Kramer (DVD) * * *

12 – Click – Frank Coraci * *

13 – O Diabo Veste Prada – David Frankel * *

14 – Xeque Mate – Paul Mcguigan * *

15 – Abismo do Medo – Neil Marshall * *

16 – A Passagem - Marc Foster (DVD) * *

17 – Veias e Vinhos – João Batista de Andrade * *

18 – Casseta e Planeta Seus Problemas Acabaram – José Lavigne * *

19 – Firewall – Richard Loncraine (DVD) * *

20 – Dizem Por Aí – Rob Reiner (DVD) *

27 de setembro de 2006

Cafundó – Paulo Betti e Clovis Bueno


Paulo Betti nasceu e foi criado no interior de São Paulo, numa cidade chamada Sorocaba. Filho de família pobre e numerosa, cresceu entre as histórias de sua cidade, e o sincretismo religioso da região. Lembro de uma entrevista dele no programa do Jô Soares, onde ele contava sobre histórias de sua cidade, sua infância, a kardecismo fervoroso da mãe, em contra ponto, ao catolicismo de outros membros da família. Essa mistura de credos, se deve muito aos fatos narrados em seu primeiro filme, em que roteiriza e dirige junto com Clovis Bueno.

Cafundó nos conta a história verídica de um ex-escravo, um tropeiro alforriado, vivido por Lazaro Ramos (sempre ele),da região onde nasceu Betti, no final do século 19. João de Camargo era este homem. Acompanhamos sua vida, suas desventuras, até que ele num sonho, percebe ter uma missão: fundar uma igreja, em que elementos do candomblé, umbanda,espiritismo e catolicismo se fundem numa só fé. Sua igreja logo se tornou conhecida e resiste até hoje na cidade, mas foi quando o fundador estava em vida, que ela teve seu apogeu, sendo procurada não só por pessoas da região, como de outras cidades e capitais.Esse jeito novo, trouxe muitos problemas para ele, que durante sua vida inteira foi perseguido pela igreja e pela polícia, sendo presos diversas vezes, acusado sempre, de charlatão ou bruxo.

Uma história riquíssima e esquecida, que só por ser mostrada ao grande público já merece mais que aplausos. Vemos a questão do negro recém alforriado, e principalmente vemos a complexa ligação de fé e religiões, ligadas ao povo brasileiro. O catolicismo herdado dos portugueses; o kardecismo que veio da França; e principalmente a Umbanda e o Candomblé; vindos da África, através dos negros escravos. João de Camargo mesclou estas religiões, e cumpriu sua missão, sendo respeitado, e até hoje lembrado em sua região. Pode-se dizer, que ele foi uma espécie de pré- Chico Xavier, do século 19.

Já há algum tempo que Paulo Betti tentava levar esta história para as telas de cinema, ele nutre grande carinho por ela e pelo seu personagem real, que desde menino, sempre ouviu falar e respeitar. Seu feito é louvável. Um olhar precioso e necessário para o interior da Brasil, seu povo simples, e sua fé.

Mas a impressão que fica é a de que essa história mereceria uma mão mais tarimbada na direção,para ser mais bem contada, tamanha complexidade. Para quem não conhece (a grande maioria) as religiões descritas, certas cenas são difíceis de serem compreendidas, como nas cenas em que aparecem santos como Xangô, Ogum ou até mesmo o Exu, que vem cobrar João; pois quem pratica o bem (na linguagem da Umbanda) não deve nunca se esquecer de prestar suas oferendas ao lado mal, pois tudo pode desandar. Ou mesmo os cortes de tempo, que são muito abruptos, e não deixam os personagens, principalmente o de Lazaro, se desenvolvem da melhor forma. Fora o enquadramento, muito focado nos personagens (será que é porque o filme é dirigido por um ator?), nos atores, não deixando espaço para se mostrar melhor o que estava ao redor dos personagens, e isso realmente chega a incomodar.

Há diretores iniciantes que já começam com tudo. Outros vão se desenvolvendo conforme os trabalhos aos quais se dedicam, e vão ficando melhores com o passar do tempo. Espero, sinceramente que Paulo Betti faça parte do segundo grupo. Um grande ator, e um grande brasileiro, com opiniões fortes e politizadas, que às vezes não é compreendido, como no caso recente em que declarou que todo político tem que meter a mão na merda.

25 de setembro de 2006

Veias e Vinhos: Uma História Brasileira – João Batista de Andrade


Na parede do armazém, (de uma família recém chegada na capital de Goiás, atrás do sonho promissor, graças à construção de Brasília) dois quadros de dois ex-presidentes: JK e Getulio. O quadro de JK insiste em não ficar correto na parede, sempre está torto e sendo arrumado por seu dono. Uma clara alusão aos acontecimentos daquele momento, e do que viria em seguida. Encerramento do ciclo dos anos dourado de JK, tempo de prosperidades; inicio dos anos de chumbo, com a cassação de Jango, seu exílio e a tomada de poder pelos militares. O Brasil a partir de então, nunca mais seria o mesmo, e está família recém chegada à capital goiana sofrerá na carne, as mudanças desse novo, e sombrio Brasil.

Neste filme, baseado em romance verídico de Miguel Jorge; temos uma amostra do que seria o inicio dos anos de terror, em que militares e fanáticos afins, tomaram de assalto o poder de Brasília e do Brasil. O diretor João Batista de Andrade, de “O Homem que Virou Suco”, volta com sua veia crítica e política, para nos contar um caso sem solução até hoje, e que mexeu muito com o imaginário popular no inicio da década de 60, em Goiás.

Para minha sorte (ou azar), assisti ao filme sem ter lido nada a respeito, portanto os acontecimentos que vi na tela, me pegaram de surpresa , me fizeram muito mal. Uma história triste e indigesta, de uma época absurda. Não é um filme para qualquer um acompanhar. O diretor, entre seus acertos e muitos erros, mostra de maneira abrupta, o extermínio de uma família e suas (não) conseqüências, num exato momento em que os militares tomam o poder no Brasil. Assim, acompanhamos, os desentendimentos do dono do armazém (Leonardo Vieira), com um militar chamado Capitão (Celso Frateschi, forçado e estereotipado), que resolve implantar no estabelecimento o terror e perseguição a quem considera comunista. Acaba sobrando para todo mundo, inclusive inocentes, que se vêem a mando de um militar lunático.

João Batista acerta em nos contar uma história tão indigesta, e nos mostrar através do personagem de Celso Frateschi o quanto de desvario se fez no período. Mas erra na escalação de elenco e na condução da história. O filme é burocrático, não tem fluidez narrativa. Poderia ser muito bem melhor, inclusive, poderia assustar e nos indignar bem mais. Mas falta alma ao filme, e ele acaba ficando aquém do que poderia. Mas de qualquer forma, vale ser visto, pela ousadia do diretor em nos mostrar uma história dura, um exemplo entre vários, de uma época de terror, e que ficou no passado.

22 de setembro de 2006

A Dama da Água – M. Night Shyamalan


Em um determinado momento do filme, um crítico de cinema (ops!) muito antipático, diz ao zelador do prédio vivido por Paul Giamatti, que originalidade no cinema já não existe mais, que tudo se copia. Talvez esta seja a forma de Shyamalan, ironicamente, criticar os próprios críticos, e outros que não entendem ou aceitam sua obra. Afinal de contas, quem além dele, no imenso mundo do cinema americano , consegue escrever roteiros originais e de sucesso, na última década? Qual cineasta que em tão pouco tempo, deu tanto lucro para um estúdio como ele fez, aliado a histórias bem recebidas pela crítica e pelo público? Gosta-se ou não dele, Shyamalan consegue escrever seus próprios roteiros e filmá-los com muito requinte e precisão.

O cinema americano passa por uma crise criativa já há algum tempo, geralmente seus filmes de maior sucesso são adaptações literárias, ou de quadrinhos, vide super-heróis. O melhor exemplo disto, é de que, as séries televisivas, antes marginais, e para artistas em declínio ou segundo escalão; estão no topo,vide séries como Lost, 24 Horas ou House, só para citar alguns exemplos.

Como um filme como este pode ter sido um fracasso em sua própria terra natal? Fazendo com que, inclusive, Shyamalan rompesse seu contrato com o estúdio que até então, estava lhe dando carta branca para fazer o que quisesse.

Definitivamente, a culpa é dos próprios americanos, e não de Shyamalan, autor e diretor tão criativo, que não entrega sua obra tão mastigada e fácil, como todos queriam. Não, ele quis fazer um filme inteligente e honesto, principalmente consigo mesmo, e pagou seu preço. Com o tempo veremos quem tinha razão. E nem precisa ser tão inteligente para isso. Seu segundo filme, “Corpo Fechado”, não empolgou tanto a crítica, nem o público na época de lançamento. Pouco tempo depois, ou seja, hoje em dia. Muitos dizem ser seu melhor filme. Não lembro qual cineasta consagrado, inclusive, fez uma declaração de que este é o melhor filme sobre racismo já feito.

Acredito que o tempo também fará justiça à “A Dama da Água”, talvez as pessoas não estivessem preparadas para assistir a um filme tão original. Eu mesmo, acredito que o filme ficará melhor quando eu revê-lo, assim como aconteceu com “Corpo Fechado” e a sua obra-prima “A Vila”. Poucos cineastas têm o privilégio de ter uma obra que em revisão, cresce tanto e se mostra melhor e mais consistente. Shyamalan com seu último filme, mostra que seu nome facilmente estará junto ao de seus ídolos, como Steven Spielberg ou o mestre Hichcock. Ele tem muito pano para manga.

Muito li a respeito deste filme, e as pessoas que conheço, que assistiram ao filme (com exceção dos blogs) não gostaram... Por enquanto. Talvez porque não entenderam, ou melhor, não entraram no clima do filme. Uma fábula adulta, espécie de história infantil para adultos. Em tempos tão difíceis e maldosos, realmente é difícil se deixar envolver pela pureza dessa linda história mágica. Deixar solta a criança que existe dentro de nós, deixá-la se emocionar com uma história que tenta e consegue resgatar o lado bom e caridoso das pessoas, sem com isso, parecer babaquice ou coisa parecida. Uma pena, pois se deixando envolver por esta fábula, não há quem não chore uma ou duas vezes durante o filme. Um choro de emoção, por ver e ter contato com o lado bom e companheiro de outros seres-humanos, por ter contato com as verdadeiras riquezas que temos, nosso caráter e a capacidade de ajudar ao próximo, sabendo que com isso, ajudamos a nós mesmos. E como é linda a forma com que o diretor passa isso para nós, sem um segundo sequer apelar para o melodrama. Não consegui parar de chorar, quando o personagem de Giamatti finalmente colocou para fora suas dores remotas. Um show de interpretação e direção.

Não comento sobre a história e seus personagens, já que muito se falou sobre o filme. Só procuro tentar entender através dessas mal escritas linhas, como pode um filme tão rico, belo e sensível, passar desapercebido nos cinemas do mundo. Como se não fosse um verdadeiro presente para nós, homens adulto e calejado, essa oportunidade de adentrar numa história tão bonita, que tenta resgatar o que a de mais belo em nós. Shyamalan presenteia a todos nós com este filme. Eu agradeço.

20 de setembro de 2006

Retratos de Família – Phil Morrison


Família é uma coisa estranha... e única. Por mais que sejamos diferentes uns dos outros, por mais que fiquemos separados por divergências perenes, e que se acentuam com o passar do tempo.Mesmo assim, existe sempre uma ligação muito forte, uma ligação de genes. Pessoalmente, isso sempre foi um ponto crucial em minha vida. Pessoas ligadas a mim, tão próximas e tão distantes.Uma espécie de amor, cheiros e formas que são herdados, que são indissolúveis. Confesso até que andei procurando respostas, até no espiritismo, sobre isso tudo, também outra luta minha, o meu racional e o meu espiritual. Eu, sempre confuso, procurando me adequar às minhas inadequações de vida, família e religião. Mas sempre seguindo em frente, pois se uma coisa aprendi, é que este convívio, às vezes sofrido e (infelizmente) poucas vezes prazeroso se faz necessário, num exercício constante de aprender a viver comigo e com os meus.Está escrito.

Falo isso tudo de mim, por ver direta ligação com o que é tão bem mostrado neste filme. Eu, nascido e criado na cidade grande. Quando criança, costumava adorar ir ao interior, na cidade de meu falecido e amado padrasto, uma cidade totalmente diferente da que eu conhecia, outro comportamento, outro tempo, outra paisagem.E o que achava mais estranho, é que me parecia que ele também mudava sua postura diante dos numerosos familiares. É como se uma parte dele, que estava fora, de repente se juntava, se acoplava naturalmente, e uma gama de sentimentos ressurgisse. Ele estava de volta, em casa, e um algo mais se incorporava a ele.

Falo isso tudo, pois acho que estes comentários são pertinentes ao personagem de George (Alessandro Nivola) no filme, e seu retorno depois de anos, ao lar e a sua família no interior da Carolina do Norte nos EUA. George é um recem-casado, com Madeleine (Embeth Davits). Ela é uma dona de galeria de artes em Chicago (onde moram), e interessada em expor uns quadros de um artista pirado, e do mesmo local dos familiares do esposo, aproveita a deixa para também visitar e finalmente conhecer a nova família. Mas como eles a recebem? É o encontro entre a sofisticada cidade grande, e o interior rústico, religioso e simples da Carolina. Ela é recebida com desconfiança, como um ponto de desequilíbrio na pacata vida deles. Peg (Célia Weston), a mãe desconfiada; Eugene (Scott Wilson), o pai taciturno e tímido; Johnny (Bem Makensie), o irmão de George, nervoso e calado. Ela só é bem recebida por Ashley (Amy Adams), mulher de Johnny, na verdade com total entusiasmo, já como uma irmã.

Ashley é o ponto focal da família, ela transpira doçura e ingenuidade, que supera a inconveniente tagarelice. Ela criva Madeleine de perguntas sobre sua vida, sua infância, seus valores.Perguntas como: “O que te faz pulsar?”. Ela é de longe o personagem mais interessante, graças a interpretação majestosa de Amy Adams (que concorreu e merecia ganhar o Oscar este ano como atriz coadjuvante por este personagem). Sua Ashley caminha entre o entusiasmo pelo novo e pela vida, da mesma forma que seu olhar passa uma tristeza e anseio de vida que poucas vezes vi num personagem. Ela está perfeita, rouba todas as cenas.

Em meio a isso, vamos conhecendo todos os personagens, sendo cada qual, um caso a parte. Mas o que paira no ar é a falta de comunicação que aquelas pessoas tão próximas, tem em comum.
Um bom exemplo é quando Madeleine, vê seu marido (com imensa surpresa, maior a que nossa, de espectadores), que numa determinada cena, numa festa, canta uma antiga canção, que cantava quando morava lá. Pois na verdade, o único meio de comunicação que eles têm é através do sexo. Ela vai percebendo que não o conhece, quando julgava que sim.

O ponto crucial no enredo, é quando Ashley entra em trabalho de parto e cada um deles é obrigado a se confrontar com suas prioridades.Escolhas são feitas. É quando Madeleine se surpreende mais ainda com o marido, ficando nítida a falta de comunicação entre eles. Nada será como antes.

Uma família simples, com cada um com suas angustias contidas, seus segredos inconfessáveis, pois não sabem viver de outra maneira. Alias, um dos grandes mistérios para mim, é no final, quando Eugene não entrega o passarinho de madeira para Madeleine. Por que será que não? O que será que se passa na cabeça dele?

Um filme simples.Com elenco e roteiro afiadíssimos, nos mostrando que dá tranqüilamente para se fazer um bom filme com o básico, não sendo necessário altas tecnologias e pirotecnias ocas.Um desses filmes que faz eu amar o cinema. Que deve ser visto e revisto, pois em cada semblante de cada um de seus personagens, em cada cena revista, descobrimos mais e mais daquelas pessoas tão parecidas, e ao mesmo tempo diferente de mim, de nós. Um dos cinco melhores de 2006. E isso, diante da quantidade de filmes assistidos, não é pouco. Quem não viu, vá correndo na locadora, mesmo que depois vá me xingar. Mas veja!