31 de março de 2006

Mentiras Sinceras – Julian Fellowes


Aí, aí, aí, cadê minha paciência ? Depois de ter assistido Match Point, fui em seguida assistir este filme, que creio ser seu primo-irmão, só que sem um Woody Allen para ajudar. Mais um filme que mostra todo pedantismo da classe média inglesa, os esnobes, adoradores da rainha.

Este filme tem feito sucesso em Sampa, lembro que sua estréia foi apenas em uma sala do Frei Caneca (na menor), hoje está em várias salas, inclusive foi para uma maior no próprio Frei Caneca. Vai entender esse povo. Por isso comparo com o filme de Allen, que também tem feito muito sucesso e está há semanas em cartaz.

Há que se deve o sucesso desse filme? Ambos falam da alta sociedade inglesa e do que se é capaz para fazer parte dela; quem não está quer entrar, quem está dentro não quer sair. O segundo caso é o que temos nesse filme.

Um casal que tem uma vida perfeita (será?), tem seu cotidiano modificado por um acidente com o marido de sua “serviçal” Basta um pouco de vento, e sujeiras começam a sair dos cantos da linda casa do casal. Revelações inesperadas e conflitos começam a aparecer de uma hora para outra na vida desse casal vivido pelo sempre competente Tom Wilkinson e a chata da Emily Watson. Entre choros, traições e separações, tudo influi para a reconciliação do casal. Afinal, o que importa mesmo é manter o “status quo”, o jeito fino, elegante e inglês de ser.É preciso tomar o chá das cinco. Bah!

29 de março de 2006

Ponto Final – Woody Allen


Para mim, é motivo de feriado quando Allen, Almodóvar ou Clint, lançam um novo filme, sou muito fã destes diretores, e acabo assistindo seus filmes até em pré-estréias. Estranhamente, este último Allen, só fui assistir um mês após a estréia.Talvez, meu sexto sentido, tenha feito eu demorar tanto, achei uma decepcionante ida de Allen ao universo londrino.E olha, que mesmo os filmes considerados fracos dele, eu adoro.

Uma história semelhante a essa,que foi “Crimes e Pecados”, já foi muito bem explorada pelo diretor. Aquela se passava em Manhattam, agora o cenário é Londres. No outro, tínhamos Martin Landau e Angélica Huston, neste temos Jonathan Rhys-Meyers (Chis Witton) e Scarlett Johansson (Nola Rice), e é aqui que começam os problemas. Os atores estão muito aquém da batuta do mestre Allen, principalmente Jonathan, que não consegue passar toda fria angustia do personagem. E olha que Woody é sempre muito generoso na direção de seus atores, deixando com que brilhem a vontade, como exemplo, posso citar Diane Wiest, que abocanhou duas vezes o Oscar (Hannah e Suas Irmãs e Tiros na Broadway) sobre a direção do mestre.Outros atores ganharam prêmios por seus trabalhos com Allen.
Outro problema que vejo, por incrível que pareça, é o roteiro do filme, me parece pouco trabalhado, falta densidade, o que nos outros filmes “sérios” sobrou, talvez isso tenha haver com a direção também.

O enredo gira em torno do personagem Chis Witton, ex-tenista medíocre que, aposentado das quadras, vive dando aulas aos ricos londrinos. Nisso ele conhece sua (futura) esposa, que é personificada por Emily Mortiner (Chloe Hewwett Witton).Alias, este papel seria de Kate Winslett, que desistiu em cima da hora, realmente uma pena Ela serve de ponte para ele alcançar o que almeja, como um bom emprego e alto nível social. Mas ele acaba conhecendo Nola Rice, seus instintos falam mais altos, e se tornam amantes. Chega uma hora em que ele se vê sendo obrigado a decidir pela louca paixão com Nola ou sua boa vida ao lado da esposa. Ele faz sua escolha e é obrigado a conviver com ela, isto é, pagar o preço da escolha.Só no final do filme. Quando Chis conversa com suas “vítimas” é que senti aquele lampejo familiar de uma obra do diretor, mais é pouco, muito pouco.

Breve, Woody Allen fará um outro filme em Londres, alega ter liberdade para fazer o que bem entende, vamos ver se ele se sairá melhor. Mas a minha primeira impressão é de que a troca do café pelo chá, e do tradicional jazz pela ópera não lhe fez bem. Manhattam lhe espera.

27 de março de 2006

Paradise Now – Hany Abu Asad

Depois de ter assistido e ter agüentado o chato do Munique - Spielberg (que já foi um dia meu cineasta preferido) e o chatíssimo Free Zone de Amos Gitai, fiquei indeciso se iria assistir à mais um filme envolvendo a questão Palestina. A curiosidade acabou vencendo, afinal este filme parte do principio de nos mostrar as últimas 48 horas na vida de dois jovens, Ali Suliman (Khaled) e Kais Nashef (Said) que decidem se entregar a uma “missão santa”, são homens-bomba, prestes a morrer pela causa que acreditam.

Dois amigos inseparáveis desde a infância, aceitam essa missão como obra maior da luta de seu povo. Mas o que os move para a missão suicida é mesmo a fé inabalável? Até então, juntos, eles estavam completamente seguros de si, basta algo dar errado e se afastarem para as coisas mudarem.Aos poucos , seus perfis vão se definindo a nós espectadores, certezas e dúvidas aparecem. Principalmente quando uma moça, a bela Lubna Azabal (Suba), tem contato com os dois suicidas. Em cada um, ela toca de uma maneira, de um jeito, e tem papel fundamental na reviravolta que acontece na vida daqueles rapazes e em seus futuros.

A covardia e a coragem vão se revelando de maneira ambígua, através da conversa com Suba, em cada um deles. Não haverá outra maneira de se lutar nesta guerra? Em pouco tempo, o que era certo para um, fica duvidoso, e ao contrário para o outro.

Nunca entendi e acho difícil um dia entender essa guerra toda no Oriente. Sou ocidental, penso como ocidental, e me parece às vezes que estamos em dois mundos diferentes no mesmo mundo. Mas o que nos une e faz nos parecermos é os sentimentos de amor e amizade. É isso, e através disso, que podemos chegar em algo perto da convivência entre diferentes povos.

Um filme rápido, necessário. Duro e seco como uma porrada no estômago. Sem a diplomacia de Spielberg, sem os ranços poéticos de Gitai.

25 de março de 2006

Sra Henderson Apresenta – Stephen Frears


Se eu pudesse definir este filme em apenas uma frase, seria: “Não decola”. Este é um daqueles casos em que o filme não faz jus à história que conta, que por sinal é verídica.

Uma viúva excêntrica e rica, resolve comprar e reformar um teatro, para isso ela contrata um gerente (Bob Hoskins) para a empreitada.Eles começam a produzir peças teatrais. Acontece que a guerra começa, e este lugar acaba sendo um dos únicos, senão o único a continuar a encenação de peças, mesmo em meio à invasão de Londres pelas tropas nazistas. Em meio a uma guerra assustadora , soldados e civis encontram abrigo e sonhos neste teatro, que ainda por cima, através de uma brecha na lei, conseguida pela viúva, mostra ineditamente, cenas de nudez no palco. Aquilo acaba sendo uma dádiva para aqueles soldados que estão prestes a partir para o front de batalha.

A “superestimada” Judy Dench (me parece que sempre faz o mesmo papel), dá conta do recado, mas parece que faltou ousadia e empenho na direção de Frears, parece que ligou o piloto automático.Uma grande história verídica num filme mediano, uma pena...

24 de março de 2006

As Chaves de Casa – Gianni Amélio


Relutei muito em assistir esse filme, achava que iria ser um melodrama besta, usando o artifício da deficiência física para fazer chorar. Até que um amigo disse que eu estava enganado, e ele estava certo. Este filme é tocante. Lembra os grandes dramas italianos que há tempos não vejo.

Conta o encontro de um pai (Andréa Rossi) e um filho deficiente físico e mental (Kin Rossi Stuart). O garoto fora abandonado pelo pai assim que nasceu, sendo criado pelos tios maternos. Depois de quinze anos eles se encontram. O pai resolve acompanhar, por ordens médicas, o garoto numa viagem à Alemanha, para um tratamento que ele faz anualmente. Daí se desenvolve todo o enredo, desde o encontro dos dois até a aproximação difícil.

Chega um certo momento do filme, que comecei a me questionar sobre quem na realidade era o deficiente ali mostrado, o filho ou o pai? Pois, se um pedia cuidados físicos, o outro demonstra perceber sua deficiente moral para com o filho.Sua ausência incorrigível por todos aqueles anos.

Outra personagem importante aparece no filme, personificada por Charlote Ramphing, que faz o papel de mãe de uma deficiente, ela diz em um certo momento sobre a filha: “Por que ela não morre” . Isso é muito tocante, pois vemos o grande amor de mãe pela filha. Mas esse amor é carregado de mágoas.

Deve ser muito difícil passar por uma situação dessas, mesmo com muito amor. Pois apesar de nos acharmos bons e amáveis, carregamos, todos nós, um lado escuro no peito, e tem horas que esse lado aflora nos cobrando uma atitude egoísta, ou melhor, individualista. Acredito que quem mais sofre nestes casos, não é o deficiente e sim as pessoas que estão próximas. Parece até que aquele ser veio ao mundo para mostrar a todos, como somos pequenos perante o universo, perante Deus.

Numa das últimas cenas do filme, vemos pai e filho numa imensa estrada deserta, eles parecem perdidos no mundo e entre eles mesmos, naquela difícil aproximação que temos uns com os outros, mesmo com os mais próximos, pois existe o universo que habitamos e aquele que existe dentro de nós.É que estamos, só de passagem, se aperfeiçoando. Alias, é nisso que acredito. Só não sei para quê e para onde?

23 de março de 2006

Crime Delicado – Beto Brant

O melhor de 2006 (por enquanto)

Crime Delicado – Beto Brant

Com a frase sussurrada ao ouvido de Dirá Paes: “O pudor é o maior dos pecados”, Chico Assis faz uma participação pequena em seu próprio filme, o irregular Amarelo Manga. Neste filme, ele também faz uma pequena participação, em que num botequim da Vila Madalena, diz ao personagem Antônio (Marco Ricca): “Eu amo mesmo, quem não ama rasteja. E você, bundão?”. A partir desta cena, vemos acontecer os fatos, que farão Antonio praticar o crime delicado do título, se é que ali foi cometido algum crime.

Enquanto observador, Antonio se mostra seguro de si, como vemos na cena em que há um diálogo maravilhoso entre ele e a atriz de “Leonor de Mendonça” (Maria Manoella), peça à qual ele acabara de assistir, assim como nós espectadores, juntamente com “Wolzeck” e “Confraria Libertina”.Até certo momento seguro, quando ela quebra a sua resistência, ele se vê literalmente em um palco sendo assistido e ridicularizado.

"Todo homem é um abismo. A gente fica tonto quando olha para dentro dele" frase da peça "Wolzeck", cabe bem ao personagem de Ricca.

Constante observador, crítico de teatro, ele é um expectador da vida e de peças de teatro, sempre a observar, pelos bares, a vida de outras pessoas, não se envolve, só observa. Até que conhece Inês (Lílian Taubleb), por quem se apaixona. Inês vive uma relação ambígua e intensa com um pintor, sendo musa de suas pinturas.Com a perda da segura posição de espectador, Antonio já apaixonado, anseia pela posse de Inês e nasce o ciúme. A partir daí, é como se ele saísse da platéia e fosse para o palco, protagonizar a ação de sua própria vida, com conseqüências que mesmo ao final do filme, ficam em aberto, o certo é que ele começa a cair, perde o prumo.

Cada cena do filme funciona por si só, são independentes, como quadros que no final se interagem, e nestas cenas, não há praticamente nenhum tipo de movimento de câmera, assim como os trechos de peças já mencionados, a câmera praticamente fica parada em todas as cenas. Ao contrário dos outros filmes de Brant, onde havia movimento intenso não só das câmeras, como de cores também. Beto Brant ousou e acertou em cheio.

Essa ousadia fica explícita na cena maravilhosa em plano-sequência que acompanhamos por longos minutos, a produção de um quadro, desde o rascunho até o acabamento final, e finalmente exposto em uma galeria. Um filme incomum, que coloca Beto Brant definitivamente no primeiro time do cinema nacional, até pode-se dizer que seja uma pérola para poucos. Para se ver e rever sempre.

21 de março de 2006

Menina de Ouro – Clint Eastwoood


Como estou começando o blog nesta semana. Achei interessante colocar, mesmo já estando em março, um pequeno comentário dos filmes que mais gostei em 2005. Apenas cinco deles, que recomendo para se ver e rever sempre. Este é o último deles, a obra-prima do velho e bom Clint.



Menina de Ouro – Clint Eastwoood

Muito já foi dito sobre esse filme do velho e cada vez melhor Clint. Esse é o homem!

Mas uma das coisas que mais me intrigam neste filme é a questão religiosa que está contida de forma perene, porem sutil.

Sua esplendida fotografia cheia de sombras nos mostra como o personagem de Clint se sente perante o mundo: uma sombra de si mesmo.E a culpa vive a lhe remoer como uma coroa de espinhos, que ele vê exposta na igreja católica, lugar que ele freqüenta diariamente, cheio de questionamentos, num lugar onde certas perguntas não são muitas bem vindas, como demonstra o padre, ao qual ele interroga.

Ele vive nas sombras e na culpa constantemente. Como católico fervoroso que é.
Qual sua culpa tão grande? Será que tem haver com o fato de sua filha não falar mais com ele, nem responder suas cartas? A destreza e conhecimento das drogas que ele utiliza e pratica na eutanásia ao final do filme, não denotam uma ligação entre estes fatos?
Aquela não seria a terceira mulher à qual ele estaria perdendo por forças das circunstancias, por uma prática considerada abominável aos olhos da sua santa igreja.Pois aos olhos da igreja católica, este é o maior dos pecados. Mas o que fazer se o amor é a maior das dádivas, e foi justamente por estes amor que ele fez o que fez. Onde está o erro?

Que tragédia é essa em que, por amar demais uma pessoa, a ponto de não pensar duas vezes, se preciso for, em entregar a sua própria vida, ele tem que fazer muito pior. Morrer seria fácil.

O que lhe resta no final, é apenas a procura de uma boa fatia de torta de limão e a lembrança longe, muito longe mesmo... da paz de espírito.

No seu entendimento, sua alma está perdida, ela está sem Deus. Seria muito fácil não acreditar em Deus, difícil é acreditar. E as sombras continuam.

20 de março de 2006

Vida de Menina – Helena Solberg

Segue comentário sobre melhores de 2005.Postarei sobre os 05 (cinco) que mais gostei, este é o quarto.

Vida de Menina – Helena Solberg

Baseado num livro de muito sucesso de Helena Morley, este filme foi a minha grande surpresa do ano de 2005. Adorei o filme, que passou, injustamente, meio que desarpecebido do grande público.

Vida de Menina é um conto puro e simples de cantiga de roda mineira.É comida mineira, daquela bem simples, mais inesquecível, feita à base de muito amor e fogão de lenha, como não se faz hoje em dia, onde não sobram tempo para o tutu de feijão com couve mineira, o prosear, a viola, o passeio a ver o horizonte distante, o barulho da cachoeira, do riacho de água cristalina.

Partindo do pré-suposto de escrever um diário contando sobre a vida na velha Diamantina – MG, uma menina passa a mostrar sua infância, e os acontecimentos marcantes em um lugar que não acontece nada.

Como não acontece nada? Pode até ser, para quem tem os prédios e andaimes já plantados em si, não para quem gosta e, almeja na calma da contemplação, um contato real com a verdadeira natureza física e por que não dizer mental.Acho sim, bem tendenciosamente, que quanto mais o homem se afasta do contato com a natureza, mais sua própria natureza íntima vai se brutalizando.

Helena vive simplesmente a vida, nos mostrando isso de forma poética e emocionante.

A delicadeza com que tudo nos é mostrado, acaba até fazendo com que alguns atores ruins façam com que isso se torne um charme a mais do filme.

Lembranças de uma infância mal vivida entre os arranha-céus desta capital, e uma a qual eu gostaria de viver, fazem com que este filme me traga um imenso bem querer pela vida. Impossível não se emocionar na cena em que a filha diz ao pai falido que já tem tudo o que quer e precisa.

Saí do cinema feliz, com o espírito iluminado de boa vontade, vendo que na simplicidade das coisas é que encontramos as riquezas. Fui para casa correndo a relembrar minhas deliciosas viagens pelo interior de Minas. Doido para escutar Minas e Gerais do Milton Nascimento, e constatar feliz, que sendo brasileiro, eu também sou um pouquinho mineiro.

“Ponta de Areia, ponto final...”

Marcas da Violência

Melhores de 2005

Marcas da Violência

Nunca fui muito fã de Cronnerberg. Sempre assisti a seus filmes, mais como curiosidade de cinéfilo do que propriamente fã da sua arte.
Lembro quando assisti a Gêmeos- Uma Mórbida Semelhança, no extinto Cine Elétrico Augusta. Foi antes de uma festa numa sexta-feira. O filme me perturbou tanto (horror!), que desisti de ir à festa e fui puxar mágoa em casa, incapaz de me alegrar depois daquilo que vi.Talvez, por esse episódio e, também pelo filme Mistérios e Paixões, este que na verdade não entendi nada, fazendo com que eu me sentisse muito burro.Desisti do cineasta.
Mas como uma opinião sempre é passível de mudança...
Ah! Chegou este filme.O que falar de “Marcas da Violência”?
Sobre seu genial plano-sequência logo no inicio do filme?Culminando com o grito da menina filha do casal de protagonistas?
Sobre suas cenas absolutamente geniais e criativas de sexo, seja na escadaria, naquela explosão de amor e fúria? Ou aquele 69 romântico?
Este é um filme que não tem uma cena que pode ser dispensável, é tudo ligado numa direção primorosa, com atuações marcantes e fortes. Maria Bello é a grande injustiçada do Oscar.
Pra mim, já não bastasse tudo isso, tem a cena final, novamente com a menina linda e angelical, trazendo um pai atordoado de volta ao seio da família, com um simples colocar de prato em cima da mesa, onde o jantar está sendo servido.Um dos melhores finais de filme que vi na vida de todos os tempos de cinéfilo.
Para se ver e rever sempre.

18 de março de 2006

Cidade Baixa, de Sérgio Machado

Os melhores de 2005.

Cidade Baixa, de Sérgio Machado

“E aí periguete, quer carona”. Assim começa a ligação de três almas perdidas nas vielas de uma cidade escondida, não turística, aquela habitada apenas pelos desafortunados que tentam se equilibrar no pouco ou quase nada a que estão acostumados; ao pouco ou quase nada que são.Mercenários de uma vida distante do imaginado pelo Brasil, na velha Salvador, distantes da alegria dos axés carnavais felizes. Nesta Bahia , encontramos três personagens perdidos entre si e jogados à beira do cais do porto, e em suas esquinas sujas e fétidas, onde se mistura cheiro de suor ordinário, temperado a trabalho bruto, sexo e porra. Onde se habita “galos e pretas” à procura de um sentido para suas malfadadas vidas.
Sérgio Machado, nos presenteia em sua estréia, com três destes exemplos. Vagner Moura, Lazaro Ramos e Alice Braga, formam um triangulo amoroso, ou melhor, sexual. Os dois rapazes, sócios e amigos de infância, vêem sua aparente estrutura “irmã” ruir quando se apaixonam, melhor dizer, desejam a bela Alice, que por sinal incendeia a tela. A partir daí, o equilíbrio, que na verdade nunca existiu, se perde, ou melhor, eles se perdem, entre eles mesmos. O sexo, o desejo e a violência, servem de válvula de escape à ternura, ao amor, coisas que nenhum teve ensinamento, são sobreviventes.
É visível como eles não sabem lidar com os sentimentos – quem é que sabe? – seja na amizade entre os homens, seja na paixão sentida dos dois pela puta. É como se os três se perguntassem “ O que fazemos com isso?”. Ah! Esse sentimento em ebulição dentro de nós, faca de dois gumes chamada paixão.
Enquanto isso, nós vemos a Cidade Baixa do título. Quase sentimos seus cheiros e fedores, o ar pesado do cabaré, suas bebidas baratas. Deus não existe nesses lugares, apenas o desejo e a violência, mola propulsora dessas almas sem destino. Sim, eles sabem que são sem destinos, espúrias da sociedade hipócrita, que não dá chances a quem nasceu sem nada.
Temos como exemplo, logo no início, as presenças de José Dummont (o maior ator do Brasil), junto aos outros, numa briga de galo, vêem a briga de galo em que ele é um apostador. Logo em seguida uma briga dele com o personagem de Lázaro Ramos, parece uma repetição da rinha entre os galos, pois na verdade homens/galos são a mesma coisa nessa atmosfera, são apenas máquinas de briga e sexo.
Sérgio Machado deixa generosamente seus atores brilharem, especialmente Alice Braga. Sentimos suas respirações e seus odores, de forma natural e ao mesmo tempo pungente como na cena final. Desconcertante.
Pinto, Porra, Porrada e Puta, numa Salvador sem salvação.

O filme de 2005: Um Filme Falado


Pronto, me rendi a Manoel de Oliveira, eu que um dia tive a imbecilidade de chamá-lo de chato.

Parei e pirei com esse alento sobre a civilização humana, que nos leva em viagem, literalmente, de volta às antigas arquiteturas através do mundo.

Vemos e nos deliciamos com locais que outrora foram de glórias. Vemos também ruínas. Este passeio pelas antiguidades é feito na primeira metade do filme por uma mãe (Leonor Silveira) , professora de história, e sua pequenina filha, em uma viagem de navio pelo Mediterrâneo. Não por acaso, as duas são portuguesas, lembrando-nos de imediato sobre as grandes navegações, período em que Portugal era o maior, e o mais rico pais do mundo, tendo papel decisivo na historia, em um dos grandes feitos da humanidade, que foi a descobrimento dos Mares e conseqüentemente terras.

Dentro do navio temos o encontro entre as outras grandes civilizações,- deleite para quem gosta de história- afinal, cada uma à seu tempo, ajudou de forma decisiva a construir o mundo. Os gregos (a filosofia e as artes em geral) Irene Papas; os franceses por Catherine Deneuve (Revolução Francesa); Stefania Sandrelli (Império Romano) e John Malkovich, que personifica o domínio americano atual e, não por acaso, é o comandante do navio.

Este encontro é personificado por um jantar entre eles. Todos (portugueses, franceses, italianos, gregos e americanos) falam seus idiomas e todos se entendem perfeitamente, numa alusão clara ao entendimento que deveríamos ter. O entendimento é feito como uma espécie de ode ao homem, suas lutas, guerra e conquistas. Uma celebração à humanidade, e de fato sentimos isso vendo o filme, numa cena belíssima, como em todas dessa obra-prima.

Especialmente a cena em que o comandante entrega um presente à filha de Leonor Silveira no convés do navio me fez chorar e rir ao mesmo tempo dentro do cinema, me levando a uma espécie de transe ou torpor difícil de descrever, tamanha beleza que senti naquele momento mágico.

Um filme atípico, que nos mostra toda a beleza, que através de lutas, conquistas e guerras, o homem foi adquirindo com o passar dos tempos.

Que podemos sim, ser civilizados e nos confraternizarmos através de nossa evolução...Até que acontece o imprevisível, num final totalmente inesperado, mas que é extremamente plausível e realista com os dias de hoje, até parece que outro filme entrou ali, nos pegando desavisado. Saímos desconcertados e em estado de êxtase do cinema, com as pernas bambas.
Uma Obra-Prima Total! Uma homenagem deste gênio português ao cinema e à civilização.