31 de maio de 2011

Singularidades de Uma Rapariga Loira – Manoel de Oliveira




É preciso limpar bem a mente para acompanhar um filme como este, se limpar do ritmo frenético, das câmeras tremidas e vícios afins do nosso cinema contemporâneo, se não é perigoso não enxergar este verdadeiro tesouro. No meu caso, me dei ao deleite de assistir a duas sessões seguidas, já que o filme tem apenas um pouco mais de uma hora de duração. Mas neste curto espaço de tempo, quanto cinema. Como diriam os patrícios: Ai, Jesus!

A impressão que tenho quanto ao cinema , assim como toda a cultura lusitana, é que vivem eternamente dentro de um museu antigo, a evocar glórias, na eterna espera pelos tempos passados. Mulheres bigodudas vestidas de preto sofrendo, enquanto os homens barbudos decantam as glórias antigas das grandes navegações e seus poetas, que juntos, aguardam a volta triunfal de Dom Sebastião. Apenas clichês, é claro.

Falando assim, parece até que sou contra tudo isso, mas, muito pelo contrário, trago no sangue e no meu nome herdado de meu avô imigrante, certa melancolia, saudade constante do que não vivi, e verdadeiro apreço pelo antigo. Vejo-me sempre indo atrás do passado, atrás das ilusões perdidas, que estes tempos modernos e tecnológicos – junto a minha idade - me tiraram. Navegante, em uma nau perdida no mundo, vasto mundo dentro de mim mesmo, tentando atracar num porto seguro, perdido na maré brava, aturdido tentando atracar em algum cais confortável.

Mas voltando ao filme, penso no que falar deste centenário e ilustre cineasta português. Senhor total da arte que abraçou e o faz com tanto talento. Manoel de Oliveira evoca um cinema antigo, ou melhor, atemporal. Onde cada cena apresentada em seus inúmeros filmes, mais parece um quadro, uma tela espetacularmente pintada, já que em todas as cenas, a câmera sempre se encontra estática, parada, já encontrando o melhor ângulo, aquela coisa toda que seu olhar centenário capta confortavelmente e nos brinda. Neste filme mesmo, a coisa toda parece mais uma aula de cinema, um deleite, para quem sabe não ter pressa. Cada cena, uma pintura.

Meu amigo Alexandre já escreveu tão bem – leitura obrigatória – a respeito dessa historia, que me é difícil comentar outras coisas mais. O que me chama atenção, - além é claro da saga de Macário (Ricardo Treppa, neto de Oliveira) e sua paixão pela loira do título, sua vizinha, da qual se torna noivo e suas conseqüências – é a singular crítica política a Portugal embutida na historia, como o fato dos bancos não terem um lugar para o trabalho de Macário, que é contador brilhante, pois o mercado se mostra saturado, sendo obrigado a fazer viagens para fora, para conseguir ganhar algum dinheiro para conseguir consumar seu casamento, para depois ser passado pra trás por um negocio escuso de um “falso” amigo. De leve, o cineasta nos mostra o caos econômico por que passa Portugal, como vemos noticiado atualmente nos jornais, um pais a beira da falência. A propósito, as singularidades da loira do titulo, não seriam heranças dos tempos idos, quando os portugueses faziam a festa e enchiam os bolsos e baús em nossas ricas terras na época do Brasil Colônia? Reflexo antigo? Herança hereditária?E o que falar da cena do sarau, em que Alberto Caieiras é declamado pelo ator Luis Miguel Cintra ao fundo, enquanto em primeiro plano, se faz um jogo de (fichas roubadas ou perdidas) de cartas. Genial.

Alberto Caieiras, Fernando Pessoa, Conselheiro Acácio, João da Ega, Manoel de Oliveira, Leonor Silveira, Ricardo Treppa, Eça de Queiroz... Personagens reais ou imaginários, lusitanos ilustres de um Portugal de glórias.

Este filme esta em apenas uma sala em Sampa, enquanto as outras salas são tomadas por blockbusters. Delicia como bacalhau, brócolis, batatas coradas, fino azeite e vinho verde. Mas tem gente que prefere McDonalds. Fazer o quê?

23 de maio de 2011

Reencontrando a Felicidade – John Cameron Mitchell


“A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu...” (Pedaço de Mim – C. Buarque)



Vou contar uma história muito minha e de outros que sofreram comigo a perda, só que bem mais, bem sei. Já se passaram alguns anos, mas os revi não faz muito tempo, e daí foi como se fossem apenas alguns dias, a dor estava lá, o corte e a alma ferida, apenas o tempo como alívio para o sangramento da alma. A falta do filho querido, amigo e muito amado, ali, pesando nos ombros daqueles dois velhos simpáticos, mas tristes. Apesar de sofrer a mesma perda que eles, pois amava e também estava perdendo aquele homem lindo de alma, não têm comparação com a perda deles, com a perda do filho para o câncer. Vindos do interior, de um sítio e seus costumes antigos, se ariscavam nessa louca cidade de vez em quando, por amor ao filho. Até que teve a última viagem, a doença terminal, a morte, ou melhor, o desencarne. Mas foi penoso acompanhá-los na dor. A mãe inconsolável, que mesmo viva, morreu também um pouco, tentando ficar em pé. O pai muito certo e ciente das obrigações do momento, uma fortaleza de resignação. Mas teve aquele momento que eu presenciei que foi sintomática daquela situação toda e ficará comigo pra sempre. Foi quando ele pediu apenas uma lembrança pra si do filho: sua caixa de pescaria. Ao pegar aquele objeto, tão bem cuidado, pois era o passatempo preferido do filho, que adorava pescar, ele deu um grande suspiro de dor, que até então estava guardado no peito. Seu suspiro e seus olhos marejados olhando para aquela caixa não me saem da memória, tamanha dor que eu ali presenciava. É desumano perder um filho, uma coisa que não podia acontecer. Duvido que haja dor maior a qualquer ser humano, duvido.

Daí, a dificuldade do tema proposto neste filme de J. C. Mitchell, a perda de um filho. Tema forte e difícil. Afinal, este é um assunto prá lá de tortuoso, até para quem não tem filhos, mas o mínimo de sensibilidade. Conta a história de um casal que vivia uma vida perfeita, mas o sonho acabou a partir do momento em que o filho foi atropelado em frente à própria casa. Como juntar os cacos? Mas não dá pra se fazer uma coisa dessas, já que não se recupera um órgão ou uma parte qualquer do corpo que se perdeu. Assim, vemos como se comporta este casal oito meses após a tragédia. A ajuda dos parentes e amigos próximos.

Tão infeliz quanto a história deles, é o título que deram ao filme aqui no Brasil. Afinal, quem são estes imbecis que conseguem a proeza de dar títulos aos filmes estrangeiros, é uma coisa de louco. Becca (Nicole Kidman) e Howie ( Aaron Eckhart) não estão reencontrando a felicidade, pois na verdade, eles não sabem o que fazer com a dor que ainda sentem. Eles estão perdidos, se perguntando se aquilo vai durar para sempre. Será que nunca vai sarar? Sempre vai sangrar?

Achei válido colocar um lance vivido por mim descrito acima, pois não teve como não lembrá-lo e principalmente porque achei o comportamento dos casais parecidos. Ela externando a dor o tempo todo, achando – talvez – até um pecado sorrir ou simplesmente seguir em frente. Ele tentando segurar as rédeas da situação, mas no fundo sofrendo tanto ou mais que ela. Aliás, Nicole Kidman foi indicada ao Oscar por esta interpretação, mas quem merecia era Eckhart, sempre competente nos seus papéis.

13 de maio de 2011

Não Se Pode Viver Sem Amor – Jorge Durán


Lembro-me de uma entrevista que assisti na TV de Martin Scorsese, ele dizia que nunca poderia ser um crítico, pois gostava demais de cinema, ao ponto de achar bom até o que era ruim. O mestre falou e disse.

A coisa vai além, acho difícil simplesmente criticar um filme, apesar dos chatos que sentem especial prazer nisso. Tenho muita admiração por qualquer cineasta, pois é realmente um trabalho imenso e complexo colocar um filme pronto na tela grande do cinema. Envolve muita coisa e denota tempo, dinheiro e trabalho duro. E também acho geralmente qualquer filme bom, mesmo quanto ruim, é a paixão falando mais alto.

Quando criança juntava os trocados para o cinema do fim de semana. Ultimamente e infelizmente, tenho feito o mesmo, já bem adulto. Devido a complicações de pouca grana e porque o cinema está cada dia mais caro. Vale lembrar que nos anos setenta, o ingresso era o mesmo preço de uma passagem de ônibus. Não é à toa que dia após dia estão acabando os cinemas de rua. O povão mesmo, não vai mais. Mas de todas as paixões que um dia me tomou, esta é a única que – junto com meu tricolor – continua e continuará com certeza. Gosto da tela grande, do ritual de ir ao cinema. Em DVD só quando não tem mais jeito mesmo.

Eis que fui ao cinema esta semana assistir a este filme. Animado até, pois gostei muito do filme anterior de Jorge Durán que foi “É Proibido Proibir”. Quando terminada – finalmente – a sessão, confesso que saí meio receoso do cinema. Temia que ao sair da sala de projeção, fosse encontrar umas “mallandretes” e então iria surgir o Sérgio Mallandro e gritar no meu ouvido: “ Ah!!! Pegadinha do Mallandro!!! Glú, Glú” Salci Fufú!”. Iria ser bom, pois me daria o direito de extravasar e dizer uns bons palavrões.

Deus do céu, que filme é este! Será quer alguém em sã consciência acha este filme bom? O que será que aconteceu para Jorge Durán achar que estava fazendo algo relevante enquanto filmava esta catástrofe? Cadê o bom senso? Para eu odiar é porque se ultrapassa os limites do bom senso.

Uma história sem pé nem cabeça que a cada momento vai ficando pior. Nem culpo os atores, apesar da canastrice de Cauã Reimond e Ângelo Antonio, assim como a apatia de Simone Sparladore. O restante é muito pior, seja o enredo, seja a direção. Aquele menino chato, denominado anjo, faz a gente realmente pensar se vale a pena por uma criança no mundo, tamanha chatice, ele gritando: “Chove, chove, chove, chove”. Deus meu, faz a gente ter vontade de sair correndo do cinema. Botando fogo no mendigo..., putz. E a coisa só piora; assalto em duas etapas, encontros inusitados, ressuscitação, e a cena final em que descobrimos naquele final bisonho que o menino, na verdade não é filho da santa e sim filho da outra, enfim, um filho da p. Hã? Como?

“Este filme, junto com os outros dois últimos nacionais que assisti no cinema, que são:” Amor?”e“ “Natimorto” forma a trilogia do terror. Em plena sexta-feira 13. Sempre fui entusiasta do cinema nacional, mas tá difícil. Vixe!

Deuses e Homens – Xavier Beauvois



Existem homens – e são poucos homens – que conseguem chegar a um estágio que os diferenciam dos demais. Abnegação, fé e determinação os fazem serem dignos de sentarem à direita do pai. No espiritismo são geralmente aqueles que não precisam mais voltar para este mundo de expiações. São aqueles que conseguem amar e entender o mundo e o homem sem as amarras da ilusão e do tempo. Estágio este, difícil de ser alcançado e entendido. A humildade alcançada por estes, os despem das fragilidades, e o que sobra é o amor, independente da religião.

Este belo filme conta uma história real, sobre oito guerreiros da fraternidade. Oito monges católicos que se instalam em um mosteiro na Argélia e lá vivem por um bom período se dedicando à Deus e ajudando aos necessitados locais, que o faziam e conviviam harmoniosamente, mesmo não tendo a mesma religião muçulmana da imensa maioria que os procurava, atrás de curas às doenças físicas ou espirituais. Mas a paz de seu monastério, não os livrou das tormentas do mundo externo e num determinado momento, eles se veem espremidos entre um governo ditador e cruel, e entre facções rebeldes contrárias a este governo. Passam a ser hostilizados tanto pelo prefeito do lugar, quanto os rebeldes. Argélia nos anos noventa, Líbia e outros países hoje em dia. Incrível como a mesma história triste se repete exaltando a imbecilidade humana. Mas o que fazer? Voltar ao seu país de origem – França – ou ficar ali correndo o risco de morte? Como chegar a um consenso? O embate entre eles se faz e após a decisão do líder deles e a adesão de todos os outros, decidem ficar, e na medida do possível, continuar o trabalho junto aos necessitados daquela região, que são os que mais sofrem, na miséria, com aquela e com “esta” guerra sem fim.

Muitos cânticos, muitas rezas e um andamento lento, digno de um mosteiro, fazem deste filme – aparentemente – um prato de difícil degustação para alguns. Mas mesmo, o mais ateu ou agnóstico que se aventurar, vai se emocionar com esta história incrível de bravos homens, pois independente da fé que os move, o que mais salta aos olhos de qualquer um, é a determinação e coragem dos oito guerreiros da paz. Entre cânticos e louvores a Deus, se louva também o cinema, seja pela força de seu elenco veterano e afiado, ou seja, pela esplêndida fotografia do filme, uma verdadeira oração cinematográfica. Uma cena já vale e diz muito sobre o filme, é quando eles se reúnem para uma ceia, quebram o silencio e se emocionam compartilhando a amizade, o vinho e a música. A imagem captada mostra a emoção de cada um, lagrimas nos olhos dos homens de boa fé, na tela e na plateia.

Muito se comemorou recentemente, a morte de um líder terrorista. Não a razão. Quando muito se demora a se retirar um câncer, mesmo extirpado, ele cria metástase e se espalha em pequenos focos pelo corpo afora. Este filme comprova isso, quando vemos aqueles homens caminhando no gelo frio da podridão humana. Mesmo sabendo que logo à frente, eles encontrarão o Sol, é tudo triste, mesmo sendo belo de se ver na tela grande do cinema. Grande filme, grandes homens, servos de Deus.

2 de maio de 2011

Bróder - Jeferson De


“ -Vai na fé, broder

- Não é bróder, é mano. Mano.”

Sou paulistano da gema, quase quarenta anos caminhando por esta cidade. Nem sei se gosto ou não, apenas sou. Já vivi em vários locais: Jardins, Pinheiros, Casa Verde, Penha, zona Central. Vários bairros com diferenças gritantes, assim como a distância entre eles. Mas afirmo com clareza que mesmo assim, não conheço nem um terço dessa imensa cidade. Imensa e assustadora, que por vezes também tem algo confortador, principalmente nos bairros distantes, onde na maioria das vezes, seus moradores nem saem do bairro onde moram, e criam uma espécie de cidade dentro da cidade, com todo seu jeito peculiar e particular de ser. Como na história deste filme, num bairro que não conheço e até então era tido como um dos mais perigosos dessa cidade, feio-linda que só cresce.

Lá longe, Capão Redondo, na zona sul, lugar muito, muito longe até para paulistanos da gema como eu, vive Macu (Caio Blat), num bairro onde é difícil chegar assim como é difícil sair. Existe todo um jeito no linguajar e no andar que o torna intimamente ligado ao seu bairro. Logo no inicio do filme nos deparamos com todo seu vocabulário local, Macú é branco de alma negra. “Mano” da periferia com orgulho e firmeza, não paga pau pra estrangeiro, sente orgulho de ser do mesmo lugar que os Racionais. Ele desce as ruas à vontade para cumprimentar, saldar a todos que encontra nas ruelas do bairro e a câmera o acompanha, tão intima do local como o personagem. Talvez essa seja já de cara a cena mais bonita e enigmática do filme, pois mostra o personagem à vontade, deslizando pelas ruas, assim como ele deslizará para o crime sem a exata noção dos seus passos. Seus passos o levam na direção que dá, dentro das limitações do bairro e das amizades, que podem levar também ao crime. No fio da navalha caminha Macú, suas chinelas gastas não conhecem outro caminho.

Ao contrário de seus dois grandes amigos vividos por Silvio Guindale (Pibe) e Jonhattan Hangersen (Jaiminho), que partiram pelo mundo afora, atrás de outros caminhos, que não as ruas do bairro da infância em que passaram juntos. Eles voltam a se encontrar para celebrar o aniversário de Macú, e este encontro será crucial em suas vidas, em que passaram horas destilando afetos e feridas entre eles. Macú de chinelas, malandragem e simpatia; Pibe de sapato gasto e trem, lutando para sobreviver com a esposa, com a luz cortada num prédio do Minhocão; Jaiminho de tênis e carro importado, jogador de futebol na Espanha. Não menos importante, são os personagens de Airton Graça, como padrasto de Macú e a sempre ótima Cassia Kiss, como a mãe evangélica, que rouba a cena sempre que aparece.

Interessante modo de mostrar o que cada um conseguiu na vida e o afeto que os une. O diretor acerta o alvo, pois fala sem afetação de um assunto e de um lugar – pois o bairro é certamente o quarto personagem - que conhece muito bem. Dá o recado com segurança, e seu tom naturalista nos dá a deixa para percebermos já na metade do filme, o que acontecerá com cada um dos amigos. Este filme merece melhor destino que “Antonia”, outro bom e injustiçado filme sobre a periferia (Brasilândia) de Sampa. Quando se anda no fio da navalha, sempre existirá a ferida, e por vezes fatal, pois a vida é assim mesmo. Quem quiser conto de fadas, vá procurar em outro canto. Ou outro país.