19 de dezembro de 2008

Feliz Natal – Selton Mello


Mais uma vez recorro ao passado para falar sobre determinado assunto, acredito que é na infância que traçamos nossas diretrizes. Tanto é que assistindo a este filme, me lembrei de um natal em família, eu devia ter uns nove anos de idade, talvez menos.

Criança é cheia de vitalidade e esperanças, e naquele natal especificamente, eu estava todo prosa, estava enamorado – namorico de infância - da neta de uma vizinha e ela estaria lá para passarmos juntos a noite de natal. Me agradava ver tantos parentes e amigos juntos, além de poder ficar acordado até tarde, afinal era festa, era natal.
Velhas rugas eram esquecidas, todos
sorriam e se cumprimentavam felizes. Parentes que eu não via há tempos, apareciam com suas roupas novas, copos cheios nas mãos, enquanto o último Roberto Carlos tocava sem parar na vitrola, afinal desde que me conheço por gente, todo natal vem acompanhado de um novo disco do Rei.

Mas eis que minha alegria caiu por terra numa fração de segundos, pois conforme o alcool foi subindo para as cabeças das pessoas, os ressentimentos foram aflorando (mesmo criança eu podia sentir no ar) e em questão de segundos aconteceu uma cena digna de filme ruim. Lembro do perú (que eu ainda adoro) em cima da mesa, das frutas natalinas e uma faca – que era para cortar o perú - na mão de um parente. Muitos gritos, choros por causa de um acerto de contas motivado por ciumes e bebedeira, que quase dá em tragedia. Lembro de assistir a tudo, principalmente do perú em cima da mesa e da música do Roberto: “Por que me arrasto aos seus pés/ Por que dou tanto assim/ E porque não peço em troca/Nada de volta pra mim”. Patético, cena de dramalhão de quinta. Minha mãe me pegou pela mão e fomos embora antes da meia-noite, sem beijinho de namorada (que correu pra sua casa, enquanto eu morria de vergonha) e sem um pedacinho sequer do perú.

Desde então passei as noites de natal sempre receoso, achando até graça de certas cenas falsas, de como todo mundo se ama e se adora. Muita coisa jogada para debaixo do tapete, afinal é natal. Não que eu não ache que deva se trabalhar estes sentimentos de fraternidade, mas tem vezes que chega a ser ridículo, e pior, doído. Muitos dirão: qual é a família que não tem defeitos? Sim, mas umas têm mais defeitos que as outras, isso é certo.

E é sobre uma dessas famílias que Selton Mello resolveu falar no seu primeiro filme. Assunto espinhoso, difícil. Apesar de abusar dos closes, Selton acerta a mão ao mostrar uma família despedaçada, árida e cheia de mágoas. Todos estão falidos emocionalmente, e a chegada de um irmão vivido pelo ótimo Medeiros, literalmente surgido de um ferro velho, faz as ferrugens se mostrarem. Como bom ator que é, consegue extrair de todos seus atores interpretações perfeitas, doídas, pulsantes. Se o abuso de closes às vezes chega a incomodar, dá para se notar com o passar do filme, que eles são propositais, pois o diretor quer pegar os personagens em suas epidermes, seus suores, seus cheiros e incomodar o espectador. Algumas cenas são impressionantes, como a mãe falando sobre o verdadeiro valor do natal enquanto todos se servem de arroz na mesa farta. Ou mesmo o momento em que os dois irmãos ficam a se olhar no bar sem dizer uma palavra sequer e ao mesmo tempo dizendo tanta coisa, tantas mágoas, tantos ressentimentos. Mello foi muito feliz em trazer de volta à cena Paulo Guarnieri como o irmão que (aparentemente) deu certo, e por isso leva a família e os problemas nas costas.

Um filme difícil de degustar, com claras referencias (ao meu ver) de “O Pântano” de Lucrécia Borges. Mas muito corajoso na sua ousadia de se fazer um filme de estréia triste, deprimido, mas verdadeiro. Que venham outros filmes deste novo e ótimo diretor.

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