É preciso limpar bem a mente para acompanhar um filme como este, se limpar do ritmo frenético, das câmeras tremidas e vícios afins do nosso cinema contemporâneo, se não é perigoso não enxergar este verdadeiro tesouro. No meu caso, me dei ao deleite de assistir a duas sessões seguidas, já que o filme tem apenas um pouco mais de uma hora de duração. Mas neste curto espaço de tempo, quanto cinema. Como diriam os patrícios: Ai, Jesus!
A impressão que tenho quanto ao cinema , assim como toda a cultura lusitana, é que vivem eternamente dentro de um museu antigo, a evocar glórias, na eterna espera pelos tempos passados. Mulheres bigodudas vestidas de preto sofrendo, enquanto os homens barbudos decantam as glórias antigas das grandes navegações e seus poetas, que juntos, aguardam a volta triunfal de Dom Sebastião. Apenas clichês, é claro.
Falando assim, parece até que sou contra tudo isso, mas, muito pelo contrário, trago no sangue e no meu nome herdado de meu avô imigrante, certa melancolia, saudade constante do que não vivi, e verdadeiro apreço pelo antigo. Vejo-me sempre indo atrás do passado, atrás das ilusões perdidas, que estes tempos modernos e tecnológicos – junto a minha idade - me tiraram. Navegante, em uma nau perdida no mundo, vasto mundo dentro de mim mesmo, tentando atracar num porto seguro, perdido na maré brava, aturdido tentando atracar em algum cais confortável.
Mas voltando ao filme, penso no que falar deste centenário e ilustre cineasta português. Senhor total da arte que abraçou e o faz com tanto talento. Manoel de Oliveira evoca um cinema antigo, ou melhor, atemporal. Onde cada cena apresentada em seus inúmeros filmes, mais parece um quadro, uma tela espetacularmente pintada, já que em todas as cenas, a câmera sempre se encontra estática, parada, já encontrando o melhor ângulo, aquela coisa toda que seu olhar centenário capta confortavelmente e nos brinda. Neste filme mesmo, a coisa toda parece mais uma aula de cinema, um deleite, para quem sabe não ter pressa. Cada cena, uma pintura.
Meu amigo Alexandre já escreveu tão bem – leitura obrigatória – a respeito dessa historia, que me é difícil comentar outras coisas mais. O que me chama atenção, - além é claro da saga de Macário (Ricardo Treppa, neto de Oliveira) e sua paixão pela loira do título, sua vizinha, da qual se torna noivo e suas conseqüências – é a singular crítica política a Portugal embutida na historia, como o fato dos bancos não terem um lugar para o trabalho de Macário, que é contador brilhante, pois o mercado se mostra saturado, sendo obrigado a fazer viagens para fora, para conseguir ganhar algum dinheiro para conseguir consumar seu casamento, para depois ser passado pra trás por um negocio escuso de um “falso” amigo. De leve, o cineasta nos mostra o caos econômico por que passa Portugal, como vemos noticiado atualmente nos jornais, um pais a beira da falência. A propósito, as singularidades da loira do titulo, não seriam heranças dos tempos idos, quando os portugueses faziam a festa e enchiam os bolsos e baús em nossas ricas terras na época do Brasil Colônia? Reflexo antigo? Herança hereditária?E o que falar da cena do sarau, em que Alberto Caieiras é declamado pelo ator Luis Miguel Cintra ao fundo, enquanto em primeiro plano, se faz um jogo de (fichas roubadas ou perdidas) de cartas. Genial.
Alberto Caieiras, Fernando Pessoa, Conselheiro Acácio, João da Ega, Manoel de Oliveira, Leonor Silveira, Ricardo Treppa, Eça de Queiroz... Personagens reais ou imaginários, lusitanos ilustres de um Portugal de glórias.
Este filme esta em apenas uma sala em Sampa, enquanto as outras salas são tomadas por blockbusters. Delicia como bacalhau, brócolis, batatas coradas, fino azeite e vinho verde. Mas tem gente que prefere McDonalds. Fazer o quê?