“Canções usavam formas simples pra falar de amor”.
Foi num tempo não muito remoto, na década de setenta, que o
próprio Rei evocou sábias palavras para defender suas canções. Quem dera as
coisas continuassem assim. Quem dera fosse assim também no cinema, não por
acaso, Breno Silveira usa e abusa das canções dele, para tentar fazer um cinema
(graças a Deus) simples e que fale diretamente ao coração das pessoas. O filme
é dedicado ao Rei e nas canções dele é que foi inspirado o roteiro. Cinema tem
que emocionar, por vezes fazer chorar, é o que diz o diretor. Assino embaixo.
Difícil tirar da cabeça aquelas músicas, difícil não se emocionar com história
tão humana e pulsante. Quando o filme termina com a canção “O Portão” tocando
para os poucos corações que estavam presentes na sessão, escuto um choro
sentido atrás de mim, me levanto e vejo um baita negão imenso chorando sem
vergonha nenhuma. Que bom!
O que me entristece é ver que o filme não esta tendo a
acolhida que merece e fico me perguntando o porquê disso. Se fosse nos anos
setenta ou oitenta, as salas estariam lotadas. As pessoas ainda sofriam e
acreditavam no amor, na fossa, na dor do amor, na saudade. Afinal, realmente é
uma história de amor, de dor, como nas antigas e boas canções. Será que o
público se desacostumou com o simples, e só quer saber de anabolizados e
enlatados filmes estrangeiros, ou comédias rasas nacionais?
Penso que os
tchú-tchá e os “Aí Se Eu Te Pego” da vida, estão lobotizando as cabeças comuns.
Não se ama, só se curte; não namora, apenas fica; não se faz amor, trepa. Não
há tempo para a mão na mão, a troca de olhares. Vamos logo, meu camarada, a
fila anda, e já tem outra festa pra ir, outro bailão, pancadão, outras bocas
ocas pra beijar. Tudo rápido e sem sentimento. Não fui feito para estes tempos...
“Em toda esta saudade que ficou/ Tanta coisa já mudou/ Só eu
não te esqueci”. Um bom exemplo para saber se vai se gostar do filme ou não, é
só escutar “A Distância” antes do filme, que por sinal é a primeira a tocar no
filme, dentre várias do Rei, pois talvez seja (a meu ver) a música síntese do
João (João Miguel), na sua angustiante vida solitária pelas estradas do Brasil
a carregar cargas no caminhão e cargas maiores ainda no coração cheio de
culpas, mágoas e saudades. Depois de perder sua amada e se sentir culpado por
isso, saí pela estrada da vida, fugindo inutilmente, das boas e más lembranças,
que o cercam. Quanto mais fora, mais
dentro. Só as lembranças, a estrada e as garrafas lhe fazem companhia. Até que
um anjo torto, em forma de guri, entra literalmente em sua caçamba de caminhão.
Um garoto que acaba de perder a mãe, e que quer carona para chegar a São Paulo.
Pensa ir atrás do pai, que nem conhece. Acontece, obviamente, o encontro no
desencontro, entre os dois. E o afeto nasce entre eles, principalmente através
dos silêncios. O garoto chamado Duda, vai aos poucos quebrando a barreira que
João criou dentro de si, e assim ficamos sabendo aos poucos o porquê de tanta
mágoa, até que ele decide ir atrás do que passou anos fugindo.
Talvez, num primeiro momento, o personagem de João Miguel
seja de difícil empatia, e este seja um dos entraves do filme, pois o tempo
todo ele está mal-humorado, fechado em si, se achando um covarde. “Nós somos
tão modernos/ Só não somos sinceros/ Nos escondemos mais e mais...” Já dizia um
outro poeta.
Independente do sucesso (Dois Filhos de Francisco) que o
filme faça, ou não (Era Uma Vez...). É mais uma bola dentro do talentoso Breno
Silveira. E olha que daqui a pouco tem o já aguardado Gonzagão.
Digno de uma música de Roberto. Seja para se escutar, ou
para se ver e rever, com o coração e não com a razão