16 de fevereiro de 2011

Dalva e Herivelto - Uma Canção de Amor - Dênis Carvalho/Maria Adelaide Amaral


“Toda vez que eu faço um espetáculo de teatro, um show de teatro. Eu tenho um repertório que eu obedeço desde a estréia até o fim da temporada. E normalmente quando eu volto para minha casa, nos meus dias de folga, eu sempre me pego com um violão cantando músicas não incluídas no repertório de cena. Normalmente são músicas muito românticas, muito apaixonadas, apenas ligadas ao coração. Essas músicas sempre me são lembradas através das gravações da extraordinária Dalva de Oliveira. A Dalva tinha a coragem, o jeito de cantar no palco, o que até então eu só tinha a coragem e jeito de cantar dentro da minha casa – Maria Bethânia – Pássaro da Manhã”



A vida de Dalva e Herivelto pode ser divida como um velho e bom disco de vinil com lado A e lado B.

No lado A do disco, temos o início, uma história alegre, de samba e carnaval, ambos (Dalva dezenove, Herivelto vinte quatro anos) muito novos, novo sucesso, parceria musical e amorosa, em estado de graça. Parceria mais que perfeita, que se fez com o Trio de Ouro, e as mais belas e inspiradas composições de Herivelto. Veio o casamento de ambos e seus dois filhos. Sucesso retumbante na era de ouro da rádio e os famosos cassinos como o da Urca. Mas naquela época em que tudo o homem podia, e nada a mulher, não existia a possibilidade de separação entre casais. Dalva começou a quebrar estes paradigmas com seu ciúme pelas escapadas de Herivelto, e não se furtava a comentá-las aos amigos ou a quem quisesse saber (“Seu mal é comentar o passado/ Ninguém precisa saber o que houve entre nós dois/ Não deixe que males pequeninos/ Venham transformar nossos destinos”), e a desarmonia começou a ruir a parceria de ouro das rádios cariocas. O fim do casamento era inevitável, até que aconteceu Lurdes na vida dele (“Eu amanheço pensando em ti/ Eu anoiteço pensando em ti/ Eu não te esqueço/ É dia e noite pensando em ti”) e o casamento desmoronou, assim como a parceria de ambos. Um acontecimento sem precedentes para a época (“ Tudo acabado entre nós/ Já não há mais nada/ Nosso apartamento agora fica à meia luz/ Nosso apartamento agora já não me seduz”). Verdadeiro escândalo artístico e social. Mas não ficou só nisso, e daí surgiu o lado B da história, em que ambos começaram a se destratarem publicamente, respondendo um ao outro através de músicas, ou através da imprensa. Pode-se dizer que eles iniciaram com o escândalo de ambos, essa indústria da fofoca através da imprensa escrita, que povoam tanto nossos noticiários atuais.

Este lado B foi de longe o mais dramático, pois Herivelto se viu sem sua musa inspiradora e começou a atacá-la em suas composições – afinal ele podia, mas ela não - pois ela devolvia com a mesma moeda suas traições (“Errei sim, manchei o seu nome/ Mas foste tu o culpado/Deixavas-me em casa/ Me trocando pela orgia/Me faltando sempre com a sua companhia... Mas se existe ainda alguém que queira me condenar/Que venha logo a primeira pedra atirar”). O público não jogou pedra alguma, muito pelo contrário. Dalva despontou para um sucesso maior ainda do que com o Trio de Ouro. Mas seu sucesso acontecia por ela sangrar, se rasgar, se mostrar como até então cantora alguma havia se mostrado em público, suas dores eram expostas sem nenhuma vergonha ou pudor pela perda de Herivelto, seu grande amor. Quanto mais sucesso, mais dor de cotovelo. Nesta época Dalva se tornou a maior cantora brasileira. Seus shows eram declarações públicas de dor e sofrimento por amar demais. Tanto, que virou musa inspiradora para as grandes cantoras que viriam a seguir, como Bethania descreve no texto acima. Mas também viu sua carreira começar a entrar no esquecimento com o advento da televisão e principalmente da Bossa Nova. A música de fossa já não agradava mais ao grande público e Dalva foi amargamente envelhecendo, casando, descasando e se embebedando, fazendo shows em lugares não condizentes com sua estrela antiga.

Tudo isso é retratado com maestria na minissérie que a Rede Globo apresentou ao público no ano passado. Foi de longe, o melhor programa exibido no ano de 2010 na TV aberta, e por que não dizer, da fechada também. Pois apesar da rica vida dos dois personagens centrais, é de ficar de queixo caído o retrato de época feito por Denis Carvalho e sua equipe. Um verdadeiro respeito com o público, mostrando que se pode (ainda) conciliar o belo e o popular. E se os cenários e figurinos ficaram soberbos, o que falar então dos atores, desde os coadjuvantes aos seus dois atores principais. Adriana Esteves está perfeita, e comove principalmente quando interpreta Dalva velha e decadente. Já Fábio Assumpção está em seu melhor desempenho na televisão e convence perfeitamente, em todos os momentos, chega a ser surpreendente. Uma cena que chama a atenção é quando Pery vai chamar o pai para visitar a mãe que está nas últimas no hospital e este se nega. Fábio Assumpção passa num olhar longo e profundo toda a dimensão de um homem que fez suas escolhas de acordo com sua época. Afinal Herivelto Martins não foi nem um mocinho e nem um vilão, e cumpriu com suas escolhas, fossem certas ou erradas, mas viveu conforme sua época.

Recomendo à quem não assistiu na TV, que compre, roube, pirateie, baixe. Mas assista. Eu até gostei mais agora, na segunda vez, quando assisti tudo de uma vez. Sem dúvida, o melhor da TV no ano passado.

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