28 de outubro de 2011

Trabalhar Cansa – Juliana Rojas e Marco Dutra


Terminada a sessão, sinto um gosto amargo na boca. Verdadeiro terror, para quem já passou por uma situação semelhante, aquela última cena não saiu da minha cabeça. Já não basta a humilhante situação de estar no desespero, pedindo emprego, passar por aquela “dinâmica de grupo” é o fim mesmo, bem sei, ô se sei. Impactante, é um grito que quebra os botões da camisa de linho, que rasga a gravata apertada há tempos no pescoço. Um grito de horror, solitário, em meio à multidão, que serve também para tirar o cinema nacional do marasmo em que se encontra. Do lado de fora do Frei Caneca, no termino da sessão vazia, imenso burburinho na espera das novidades da Mostra anual de cinema. Festa a qual novamente me excluí. Falta de grana, falta de tempo, o sol não aquece a todos e eu me sinto pálido, desmotivado, esperando o bonde que já faz tempo, perdi. Há algum tempo atrás, um terapeuta de plantão me aconselhou a sair por aí, em algum descampado, lugar isolado e amplo, onde não seria preso por loucura ou lucidez excessiva, e berrar, berrar! Soltar os bichos de dentro de mim. Ainda não o fiz, os arranha-céus me impedem. Mas rapidamente me imagino assim como o personagem de Marat Descartes, berrando e batendo no peito feito um macaco. Regressão total, de homem discreto e educado, voltando ao homem de Neandertal. Já pensou, que legal, um homem macaco pulando dentro do shopping em meio aos sorrisos dos modernos e das etiquetas  caras  das finas moças. Soltar um jegue no aterro, na hora do rush, só pra variar, como já dizia Rauzito.
Mas o que fazer quando a situação se torna insustentável  e você não consegue sair da areia movediça em que se meteu? Cadê a corda? Ou mesmo a mínima força de vontade de sair de uma situação aparentemente sem solução? É assim que o personagem se sente. Um homem provedor de meia idade, que vê seu mundo desmoronar quando perde o emprego, e consequentemente toda sua forma confortável forma de viver. Um forte sentimento de inadequação, de pequenez o envolve. Parece até, uma continuação do seu personagem do filme “Os Inquilinos” do subestimado Sérgio Bianchi, onde seu personagem também se vê as voltas com situações – seus vizinhos marginais – com as quais se sente impotente, menos homem mesmo.
Em contra partida, estes não são seus únicos problemas, pois tem o negocio de sua esposa e outros bichos, escrotos. Acostumada a doce vida do lar, em uma vida de calmaria e segurança, sua esposa vivida por Helena Albergaria (ótima atriz, que eu não conhecia), se espelha na nova mulher ativa dos tempos novos e resolve abrir um negócio próprio, se aventurar no trabalho, invertendo a situação da família, e abre um minimercado. Acontece que com isso outros problemas surgem. Na sua nova dinâmica, é obrigada a contratar uma empregada doméstica (bicho estranho, mas sem carteira assinada, e mínimo do mínimo que já tá bom demais!) para administrar seu lar, e seu mercado começa a apresentar vários problemas estruturais. Bichos estranhos pululam das suas paredes, do seu chão, líquidos negros e fétidos, ninhos de minhocas, baratas, vísceras e ossos milenares aparecem para desestruturar sua boa vontade e consequentemente sua relação com todos seus funcionários. Realismo fantástico? Terror psicológico? Alucinações? Tudo se mistura numa equação de difícil entendimento ou solução. Alusões, metáforas para a decadência de uma classe social que rapidamente, precisa se adequar a um novo ritmo social e econômico de viver. Dentro daquele mercado, dentro daquela família, o tal do boom econômico e prospero que decantam jornais, juntamente com o governo atual, ainda não deu as caras. É o mostro invisível, que talvez só o cachorro do vizinho – que insiste em latir o tempo todo – enxerga, que vai minando as forças dela física e emocionalmente.
Cientistas já comprovaram, que se uma bomba atômica acontecer neste mundo de homens vis, só as baratas sobreviverão. Seria então, o mundo no fim, habitado apenas pelos bichos peçonhentos. Alusões à parte, saindo do cinema, uma música não para de tocar na minha mente, que casa perfeitamente com este original e ótimo filme: “Bichos Escrotos/Saia do esgoto/ Bichos Escrotos/ Venham enfeitar/ Meu lar, meu jantar/ Meu nobre paladar”.

2 comentários:

  1. To muito afim de ver esse! Seu texto me deixou mais afim ainda. Desde qd soube do lançamento esperava algo bom.

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  2. Já vale só pela nessa final, Celo. Não perca.

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