Alguma coisa está errada, muito errada. Saiu do cinema com
uma sensação esquisita, noite de domingo é um porre, última sessão e apesar do
calor intenso do lado de fora do carro, é frio na minha alma. Faz tempo que não
escrevo no blog, nem mesmo sei ao certo dizer o porquê do recesso, como tantas
outras coisas que sei menos ainda, e essa sensação ruim no peito. Queria
escrever coisas alegres, depois de tanto tempo. Dizer, escrever, gritar que a
vida é boa! Mas é que de fato este filme me causou um desconforto muito grande.
Inadequação, esta deve ser a palavra. Inadequação dos personagens, inadequação
minha para com a vida. Será? É nisso que nos ligamos eu, Brandon (Michael
Fassbender) e Sissy (Carey Mulligan). Cada um a seu modo, desafinando o coral
dos contentes. Mas me desculpem, tenho esta mania de me personificar no drama.
O que acontece com certas pessoas que tem tudo (bom
trabalho, casa, beleza e conforto) para se enquadrar e viver de acordo com os
ditames sociais, mas não consegue? Michael só consegue se perfazer no jorro da
sua porra, seu vício é o sexo, sem carinho, sem afeto, como num filme gonzo
terrível de sexo explicito. Alias, quem conseguiria assistir um filminho desses
e ao mesmo tempo se alimentar de um
delicioso almoço ou jantar, hein? Sua vida consiste em se acabar e se consumir
através do sexo, seja com uma garota abordada na rua , seja na punheta no
banheiro do serviço, ou seja, com a garota de programa a domicilio, tudo é uma
consumação desmedida de si mesmo, através do sexo, que como vemos no decorrer
do filme, nem chega a ser mais um prazer, mas sim uma compulsão, o prazer que
virou dor. A banalização do sexo fácil nestes tempos modernos. O que era para
ser lúdico e inesquecível vira esmola vulgar de um corpo qualquer. Na única vez
que vemos tentar se relacionar - em duas cenas memoráveis- com uma colega de
trabalho, sua libido se esconde. Afeto e sexo não se misturam em sua vida.
Eis que um dia surge sua irmã querendo conviver com Michael,
querendo conquista-lo, e tenta invadir seu espaço. Interessante notar, que
ambos nos são apresentados nus, cada qual a seu tempo, e cada nudez tem sua
forma de se interpretar, a dele é viril e a dela é a fragilidade. Talvez seja o
personagem dela, o que mais me fascina. Ela é o contrário do irmão, pois é
dependente de afeto, de carinho. Ele é só sexo, ela é carência levada às
últimas consequências. É uma daquelas pessoas que necessitam o tempo todo de
atenção e mimo, que não conseguem de maneira nenhuma aguentar a solidão. Seu
personagem – para mim- é mais comum e fácil de se encontrar por aí. Eu mesmo
tenho uma amiga mais velha e que não vejo há tempos que é assim, não consegue
ficar só, e quando fica se apaixona (mesmo!) pela primeira pessoa que ela julga
disponível e vai à luta. Lembro de uma vez que ela tentou se matar depois de um
dos muitos abandonos que sofreu, eu era muito jovem e não conseguia entender
aquilo, aquela história de pílulas, aquelas crises. Mas de certa forma, acho
que até senti um pouco de inveja deste jeito de ser, de se jogar para a vida,
eu mesmo fui pedido (desesperadamente) em namoro por ela, tudo muito louco. É a
solidão destas cidades grandes, que levam as pessoas aos estremos que são
capazes. Parece que esta tudo certo, mas não esta, são apenas sorrisos amarelos
de aparente sucesso.
O embate entre os irmãos é frequente, só em um momento eles
parecem se encontrar que é quando Sissy se apresenta numa boate e canta “New
York, New York” de uma forma tão singular que lágrimas do homem – e de quem
assiste ao filme - sem alma brotam quase sem querer. A cena por si só já vale o
filme e deve ser uma das cenas do ano. Imagine “Aquarela do Brasil” ou mesmo “O
Que é, o Que é” viradas do avesso, aquelas palavras ufanistas, alegres a serviço
da tristeza, da inadequação, da derrota. Um achado poético.
Depois do filme desço a baixo Augusta, pensando nos dois
personagens tão fascinantes e me questionando o porquê de me perturbarem tanto.
Olho a rua e me lembro de que até algum tempo atrás a Rua Augusta era povoada
de prostitutas e me pergunto aonde elas foram parar? Preferia a Augusta de
antigamente, me parecia mais real. Agora a rua está tomada de jovens, bem
jovens, meninos e menininhas moderninhas que não me agradam, assim como sei que
eu não as agradaria. Volta pra casa escandalosamente só, sem o sexo que Brandon
tanto precisa e sem o cafuné que Sissy tanto precisa. Ou será que sou eu que
preciso?
Porra Betão! Tava com saudade de vc. Não some não. Teu texto, como de praxe, sensacional. Shame é um dos melhores filmes dos últimos anos. Fiquei sentido com o filme tb. Acho q vc nem conhece meu novo espaço. Apareça!
ResponderExcluirhttp://espectadorvoraz.blogspot.com.br/
Grande Abraço!
Grande Celo!
ResponderExcluirVocê que pensa, tenho acompanhado sempre seu novo blog, mas prometo dar meus pitacos lá também. Voltei para ficar, hehehe.Valeu pelo elogio. Incentiva outros textos, né.
Cara, que bom que você está de volta!! Onde você esteve? A viagem foi boa? :)
ResponderExcluirÉ bom estar de volta, espero que para ficar. As vezes viajamos muito, mesmo sem sair do lugar, não é verdade, hehehe?
ResponderExcluirSim, sim.. Mas eu já passei dessa fase psicodélica. heheh
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