19 de junho de 2007

Não Por Acaso – Philippe Barcinski


“Quem sabe/O super-homem venha nos restituir a glória/Mudando como um deus o curso da história/ Por causa da mulher”

Numa das cenas mais lindas deste filme, Ênio (Leonardo Medeiros) literalmente pára o trânsito de São Paulo, para se encontrar com sua filha. Lembrei-me na hora desta música, que fala do filme em que o Super-Homem faz o mundo voltar no tempo para salvar sua amada da morte.Guardada as devidas proporções, Ênio faz o mesmo.Vivendo por longos anos fechado em seu mundo controlado e metódico, ele se vê contaminado por emoções inesperadas.
O amor guardado e recluso de anos de solidão, se faz florescer em meio ao caos do trânsito de Sampa (personagem essencial da trama).
Ele é um controlador de trânsito, desses que controlam os faróis da cidade, e leva a vida metodicamente. Mas Bia (Rita Batata), sua filha, que até então ele nem conhecia, lhe traz novas perspectivas, e ele se vê obrigado a sair de sua concha. Ênio vive à flor da pele, seu encontro tardio com sua filha, se faz através de momentos silenciosos e aflitos, que vão dando lugar a um outro tipo de silêncio, aquele silêncio confortável de duas almas gêmeas reconhecidas, apesar das adversidades. E a interpretação contida e fantástica de Leonardo Medeiros é um caso a parte, em meio a um elenco perfeito.

Paralelamente, vemos a história de Pedro (Rodrigo Santoro), rapaz também recluso e extremamente metódico, e muito controlado com sua vida. Ele vive de construir mesas de sinuca. Também é um exímio jogador, que só resolve se mostrar jogador, quando se percebe com a vida controlada e perfeita - inclusive para praticar a jogada perfeita – depois que sua namorada resolve morar com ele. Mas a vida, lhe prega uma peça, e sua namorada morre. Alias, no mesmo acidente, em que morre a ex-mulher de Ênio, mãe de Bia. Se o seu mundo controlado desmorona com a morte de Teresa (Branca Messina), a vida lhe estende uma outra oportunidade, quando ele conhece Lúcia (Letícia Sabatella). Com ela, ele tenta recolher os cacos de sua calada dor, e recomeçar um novo relacionamento, refazendo suas maneiras e manias vividas com seu antigo relacionamento. Ao invés de omelete, café preto. E a vida continua, através de outro prisma. Continua sim, e pode até ser tão boa quanto antes.

A dor e a perda permeiam todos os personagens, como quando Bia declara ao pai, sentir uma tristeza imensa, ou quando Iolanda (Cássia Kiss) se encontra com Pedro, logo após a morte da filha, numa cena tocante em que ambos demonstram uma dor imensa, recolhida.

Barcinski, em sua primeira direção de um longa-metragem, deixa seus atores soltos para brilharem, mas sabiamente não deixa em nenhum momento sequer, espaço para um melodrama. Sua direção é seca, direta e distante, como se fosse mais um espectador, mas com total controle de tudo o que se passa. Não abre espaço para explicações óbvias e dirige como um veterano. Talvez o único defeito do filme, seja o fato de querermos saber mais de tão belos personagens, mas isso talvez nem seja defeito, pois sendo econômico em sua narrativa, Barcinski deixa tudo a mostra nas entrelinhas.E deixa uma vontade de quero mais, nesta pequena obra-prima. Um filme nacional que escapa de costumeiros rótulos, que dialoga tranqüilamente com o mundo, e mostra o pulsar positivo de um cinema nacional com muito talento, sem dever nada em qualidade e por que não dizer quantidade, já que Barcinski já faz parte de uma geração muito talentosa e com realmente algo a mostrar, sem precisar entrar em rótulos. Que venha o próximo.

4 comentários:

  1. Vi o filme na última quarta, que maravilha.. aquela cena do café é das coisas mais lindas q já vi...

    abs,

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  2. Ótima sacada, a da semelhança com o Superman. E o Ênio, com a belíssima interpretação do Leonardo Medeiros, é um dos personagens mais humanos que já vi no cinema brasileiro.

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  3. O Michael!!Quanto tempo hein. Legal vc aparecer.Pra mim (já respondendo para o Alê), tudo se deve ao fato do Leonardo Medeiros arrasar na interpretação.De longe, a melhor do ano.

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  4. Simplesmente um dos melhores filmes nacionais dos últimos tempos. Denso, sensível e poético.

    AlexC

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