“ -Vai na fé, broder
- Não é bróder, é mano. Mano.”
Sou paulistano da gema, quase quarenta anos caminhando por esta cidade. Nem sei se gosto ou não, apenas sou. Já vivi em vários locais: Jardins, Pinheiros, Casa Verde, Penha, zona Central. Vários bairros com diferenças gritantes, assim como a distância entre eles. Mas afirmo com clareza que mesmo assim, não conheço nem um terço dessa imensa cidade. Imensa e assustadora, que por vezes também tem algo confortador, principalmente nos bairros distantes, onde na maioria das vezes, seus moradores nem saem do bairro onde moram, e criam uma espécie de cidade dentro da cidade, com todo seu jeito peculiar e particular de ser. Como na história deste filme, num bairro que não conheço e até então era tido como um dos mais perigosos dessa cidade, feio-linda que só cresce.
Lá longe, Capão Redondo, na zona sul, lugar muito, muito longe até para paulistanos da gema como eu, vive Macu (Caio Blat), num bairro onde é difícil chegar assim como é difícil sair. Existe todo um jeito no linguajar e no andar que o torna intimamente ligado ao seu bairro. Logo no inicio do filme nos deparamos com todo seu vocabulário local, Macú é branco de alma negra. “Mano” da periferia com orgulho e firmeza, não paga pau pra estrangeiro, sente orgulho de ser do mesmo lugar que os Racionais. Ele desce as ruas à vontade para cumprimentar, saldar a todos que encontra nas ruelas do bairro e a câmera o acompanha, tão intima do local como o personagem. Talvez essa seja já de cara a cena mais bonita e enigmática do filme, pois mostra o personagem à vontade, deslizando pelas ruas, assim como ele deslizará para o crime sem a exata noção dos seus passos. Seus passos o levam na direção que dá, dentro das limitações do bairro e das amizades, que podem levar também ao crime. No fio da navalha caminha Macú, suas chinelas gastas não conhecem outro caminho.
Ao contrário de seus dois grandes amigos vividos por Silvio Guindale (Pibe) e Jonhattan Hangersen (Jaiminho), que partiram pelo mundo afora, atrás de outros caminhos, que não as ruas do bairro da infância em que passaram juntos. Eles voltam a se encontrar para celebrar o aniversário de Macú, e este encontro será crucial em suas vidas, em que passaram horas destilando afetos e feridas entre eles. Macú de chinelas, malandragem e simpatia; Pibe de sapato gasto e trem, lutando para sobreviver com a esposa, com a luz cortada num prédio do Minhocão; Jaiminho de tênis e carro importado, jogador de futebol na Espanha. Não menos importante, são os personagens de Airton Graça, como padrasto de Macú e a sempre ótima Cassia Kiss, como a mãe evangélica, que rouba a cena sempre que aparece.
Interessante modo de mostrar o que cada um conseguiu na vida e o afeto que os une. O diretor acerta o alvo, pois fala sem afetação de um assunto e de um lugar – pois o bairro é certamente o quarto personagem - que conhece muito bem. Dá o recado com segurança, e seu tom naturalista nos dá a deixa para percebermos já na metade do filme, o que acontecerá com cada um dos amigos. Este filme merece melhor destino que “Antonia”, outro bom e injustiçado filme sobre a periferia (Brasilândia) de Sampa. Quando se anda no fio da navalha, sempre existirá a ferida, e por vezes fatal, pois a vida é assim mesmo. Quem quiser conto de fadas, vá procurar em outro canto. Ou outro país.
bacana mano.
ResponderExcluirÓtimo texto.
ResponderExcluirTambém gostei muito do filme. É legal que, de certa forma, o diretor inverte o paradigma: entre os três amigos, o único branco é também o único envolvido com a criminalidade. E o Jeferson De consegue, no coração do Capão, fazer um filme que tem a violência como pano de fundo, mas a amizade em primeiro plano.
É isso aí Alê. Até porque este paradigma de que o suburbio só respira criminalidade é mais que batido e gasto, não é mesmo?
ResponderExcluirValeu, Manos, hehehe
uyeuey
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