24 de maio de 2007

Os Maias – Luiz Fernando Carvalho


Logo de cara nos deparamos com algo estranho para os níveis da televisão brasileira, uma câmera lenta e contemplativa, passeia vagarosamente pelas imagens de um casarão. Abrem-se os portões da casa do Ramalhete e a música anuncia um show visual de emocionar logo nos primeiros instantes. Não tenho medo nenhum de comparar estas imagens, com cenas de filmes de Luchino Visconti, tamanho show de direção e apuro técnico. Vemos Carlos Maia (Fábio Assumpção) e seu inseparável amigo irmão João da Ega (ou será Eça), a adentrar naquela casa, que outrora foi palco de muitos saraus e paz familiar, totalmente abandonada pelo tempo e pela tragédia lá vivenciada. Eles passeiam lentamente pela casa empoeirada e acinzentada, como que a nos apresentar o Ramalhete, carregando o peso das lembranças e do tempo.



Para uma pessoa como eu, que já leu o livro e assistiu à minissérie duas vezes, os olhos se enchem d´agua no mesmo instante em que Carlinhos abre uma das portas e revê o passado, onde seu avô amado Dom Afonso (Walmor Chagas) versa mais um de seus ditados filosóficos: “Isso de lendas e agouros...Basta abrir de par em par as janelas. E deixar entrar o sol”. Logo atrás, aparece Ega (Selton Mello, na interpretação de sua vida), dizendo a Carlos para irem embora. Em que Carlos responde que aquele lugar e impressionante, pois vivendo por lá, apenas dois anos, lhe parece que foi a vida inteira, e fica a ver um quadro de seu pai, empoeirado no chão. Carlos e João da Ega carregam o peso da desilusão nas costas. Eles, que outrora sentiam o pulsar de feitos revolucionários, carregam no semblante e no corpo as chagas da renúncia e conformismo.

Com o rosto de Pedro Maia (Leonardo Vieira), pai de Carlos no retrato, dá-se inicio a saga dos Maias e volta-se ao passado.Onde vemos o funeral de sua mãe, que morreu nos horrores de suas penitências e fervor católico. Vemos Dom Afonso conversar com um amigo a respeito de Pedro, seu filho único, e sua educação errada. Pedro é um fraco, que ao invés de sair à imagem do pai, foi criado, como diz o pai: “Embaixo da saia da mãe e debaixo da batina do padre”. Recolhido pela dor da perda da mãe, Pedro não saí de casa, mas Dom Afonso o leva para ver as touradas, e daí toda a tragédia se inicia.

A contra gosto, Pedro se senta na arquibanca, alheio a toda aquela festa em torno daquele balé sangrento.Mas eis que ele enxerga ao longe uma moça linda, seus olhos a seguem e ele parece que renasce a partir daquele momento. Numa cena de beleza descomunal, vemos Maria (Simone Sparlatore) em toda a sua sensualidade. Seu peito arfando de prazer e gozo por cada espetada do toureiro no touro, o sangue a jorrar do animal se mistura a sua excitação, enquanto Pedro a observa como a própria deusa do amor.No mesmo instante do clímax, em que o touro desaba sangrando na arena, os olhos dos dois se cruzam e se fixam.

Contamos com o auxílio luxuoso de Raul Cortez, que tem a honra de se fazer narrador no lugar de Eça de Queiroz: “Pedro estava tomado por uma dessas paixões que assaltam a existência. Assolam como um furacão, rogando as vontades, as razões, os respeitos humanos. Empurando de roldão aos abismos...”.
Pedro da Maia amava”

Pronto, Pedro está amando. A tragédia dos Maias se inicia.

Tudo isso acontece em apenas vinte minutos de uma minissérie de mais de nove horas de duração. Mas que sintetiza bem o espírito de uma obra-prima descomunal e magnificamente dirigida por Luiz Fernando Carvalho (diretor de Lavoura Arcaica, outra obra-prima). Nos extras do DVD, Osmar Prado é o mais enfático dos atores da série, entre tantos depoimentos, a afirmar que “Os Maias” é um marco histórico na televisão brasileira, o produto de maior qualidade jamais feito antes, e por isso não compreendido como deveria ter sido. E que talvez com o lançamento em DVD, a justiça seja feita.

Estou começando a rever pela terceira vez, e estou achando melhor ainda do que as outras vezes.Se não gostaram, se foi um fracasso absoluto de audiência na TV, azar de quem não viu. Obra-prima total!!!


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