17 de dezembro de 2011

As Canções – Eduardo Coutinho



Fim de ano conturbado, cheio de serviço, não tenho tido tempo de ir ao cinema o mínimo possível que gostaria, mas dei uma escapulida e fui conferir este novo e aguardado filme documentário. Sem surpresa nenhuma, saiu do cinema com os olhos encharcados pela emoção e pelas lagrimas.
Muito esperto este Coutinho, pois percebeu que tanto em “Edificio Master” naquela cena em que um senhor destila emoção de uma vida inteira cantando “My Way”, quanto no fantástico “Jogo de Cena” quando uma senhora chora cantando “Se Essa Rua Fosse Minha” relembrando o pai saudoso. Meio que sem querer, fez  ali um gancho para outro filme em que uma simples música traduziria toda uma vida. Procuro em minha memória uma música assim, mas infelizmente ainda não a tenho, ou tenho várias, sei lá...
  Com uma ideia simples e original, o diretor mostra neste documentário, dezoito pessoas “comuns” relembrando e cantando a música de suas vidas. Mas o talento do diretor se mostra quando ele consegue arrancar confissões delicadas, doídas e deliciosas de pessoas aparentemente comuns. Falo pessoas comuns, porque a sensação que tenho depois de ouvir cada confissão é de que cada uma delas é extremamente especial, o cenário tosco de uma cadeira e mais nada nem aparece mais, o que vale é suas feições, seus olhos, ao falarem de suas emoções. Quanta riqueza em cada gesto, em cada olhar! Dá vontade de abraçar um a um, e dizer sim, eu te compreendo, meu amigo, minha amiga. “Se chorei ou se sorri/ O importante é que emoções eu vivi”.  E dá-lhe Roberto Carlos! Fico imaginando o dia em que ele for morar com outros anjos, a comoção que tomará conta deste Brasil. Neste filme podemos perceber o quanto este homem é amado! Mas isso é outra história.

Um amigo costuma tirar sarro de mim, dizendo que gosto de filme de “pessoas”, e é bem verdade, portanto me deliciei com cada uma das músicas-histórias contadas e pude perceber para meu grato espanto que as pessoas continuam românticas e apaixonadas, afinal a maior parte das histórias contadas falam de amores perdidos, e principalmente, de um tempo perdido. É o tal do saudosismo que sempre me aflige, e que sempre procuro mostrar em demasia nas minhas escritas aqui neste mesmo blog. Pois descobri que não sou o único e que isso não tem nada demais, é até bom, mostra que estou vivo, muito vivo.
“Sempre quando eu venho aqui/Só escuto de você/ Frases tão vazias que pretendem dizer/Que já não preciso mais seus carinhos procurar”. Difícil escolher uma história que tenha me tocado mais, mas a mulher que canta esta música, de forma tão sentida, que confessa que tentou matar o amante, saí de cena e começa a chorar atrás da cortina, fez com que eu chorasse junto com ela. É uma teia de sentimentos difícil de escapar.
Pessoas aparentemente comuns, mas riquíssimas de amor, de sentimento. Mostradas a nós por um diretor acima da média, que está se especializando cada vez mais em buscar, em investigar a fundo a complexidade de sentimentos do ser humano. Coutinho mais uma vez celebra a as pessoas, celebra a vida e procura cada vez mais entender o ser humano, e em pouco ao grande grau, usa a tela do cinema como espelho de nós mesmo. É o cinema brasileiro  no seu apogeu. Mil vezes viva!

5 de dezembro de 2011

Uma Professora Muito Maluquinha – André Pinto e Cezar Rodrigues


“Meninos correndo perigo/No brilho do sol coração/Voando cabelos de mel/Pra me ensinar a sonhar/No meio do sono sorrir/As coisas menores que tem/Deixar os abrigos pra trás/Brincar de correr e cair/ Aprender, aprender” (Os Borges).
Sonhei, sonhei sim. Um dia eu era menino, solto pelas ruas de uma cidadezinha histórica mineira. Adoro Minas Gerais! Imensa pro meu tamanho de menino novo. Assombrado, corria pelas ruas de pedras, mirando sempre aquela montanha. Mas nunca ia sozinho, trazia os sonhos e os pés sujos de estrelas, colhendo o que eu tinha de novo, plantando o que eu era de velho. A companhia era de outros como eu , meninos novos, sonhos novos, éramos os Mosqueteiros, éramos heróis de nossas próprias aventuras. Tudo tão gostoso de ser e viver. Alegria de ser livre, de banhar cachoeira, de rodar o pião, de chutar a bola. Num instante, num instantinho só, nem olhava pras meninas, num outro já estava embriagado de paixão pela loirinha sardenta que até chegava a doer no peito. Tudo tão imenso, tudo tão rápido para um infante brilhante. Foi quando apaixonei também pela professora, tão diferente das outras professoras que mais pareciam estar em luto constante, em nome de Cristo. Os meninos queriam crescer logo para pedi-la em casamento, as meninas admiravam e queriam imita-la, tão diferente que era ela, tão alegre e espontânea. Um dia, me deu um beijo na face e do doce sonho – é pena – acordei. Hoje, já menino velho, penso como seria bom ter sido aquele menino novo, assim quem sabe, não teria os sonhos todos meus, pouco a pouco, caídos, perdidos no pó da estrada.
É pena, mas não tive esta infância mineira tão cheia de tesouros, cresci em meio à arranha-céus, num característico cinza paulistano onde o medo da violência e afins, nos obrigava a ficar engaiolados nos prédios. Será que esta infância contribuiu para este meu jeitinho por vezes tímido, acanhado e estranho? É claro que sim. Acredito piamente que quem tem uma infância livre, que é criado feito bicho solto, acaba acumulando pontos felizes para uma vida adulta. Bom é ter lembranças, histórias pra contar, não é à toa, os mineiros são tão bons nisso.
Bom exemplo é o menino velho, cartunista, jornalista e escritor Ziraldo, que há tempos encanta gerações e gerações com seus personagens de seus livros. Quem não leu e se divertiu com o “Menino Maluquinho”? Primeiro livro que ganhei bem novinho. Outro exemplo de bom mineiro a lembrar da infância é Fernando Sabino com o tantas vezes lido por mim “O Menino no Espelho”. É na infância que se encanta ou se desencanta com a vida, lá se faz o homem.
Neste pequeno e delicioso filme, terceiro baseado nos livros de Ziraldo e com roteiro do próprio, o que impera é a sensação de nostalgia. É um filme para crianças, mas não necessariamente, como facilmente se supõe. É, antes de qualquer coisa, para os meninos velhos, para aquelas crianças que ainda habitam e estão guardados no sentimento de muitos adultos. Lembranças daquilo que foi (como no caso de Ziraldo) ou que poderia ter sido (meu caso). Outra época, outro jeito de ser, mais inocente, menos efêmero.
Única exigência de Ziraldo para a produção deste filme: Paola Oliveira como a protagonista. Decisão mais que acertada, pois Paola carrega o filme com seu charme, beleza e- que bom – muito talento. Outro tipo de beleza, que não vemos mais por aí, já que a vulgaridade passa longe deste filme tão singelo e bonito. Um filme modesto, mineirinho, gostoso de ser e ver.  Que tem em Paola Oliveira e na recriação de Minas Gerais dos anos 50/60 seu grande trunfo. Passou quase que despercebido pelos cinemas, mas merece uma chance aos olhos de todos os meninos novos e meninos velhos que guardam (ainda) poesia dentro de si.