21 de abril de 2012

Um Método Perigoso - David Cronenberg



Logo a primeira cena do filme me faz divagar e imaginar outras cenas. Isso acontece porque uma paciente aparentemente maluca chega em uma clinica, ela é Sabina (Keira Knightley) que é prontamente atendida por Jung (Michael Fassbender,  de novo) que procura novos métodos para tratar pessoas com problemas, digamos, mentais. Ela urra , se contorse, grita. Quando começa a falar, se percebe que seu interior, suas dores, são tão disformes quantos aqueles espasmos corporais. Penso que aqueles exagerados movimentos são uma forma de botar a dor mental para fora, se extravasar. Logo imagino se todos fizessem a mesma coisa que ela, e começássemos um  dia a botar pra fora corporalmente nossas angústias, nossas dores. Já pensou se - imagino a cena -  um belo dia as pessoas começassem de uma hora para outra, a se expressar, mesmo que sem querer, pondo suas “coisas” pra fora. Meio-dia na Av. Paulista, homens engravatados, mulheres em seus vestidos, se contorcendo, gritando, urrando e alguns outros felizes e calmos ( muito poucos , é obvio), tentando arrumar aquela situação sem solução. Será que voltaríamos para a época das cavernas?  Ou toda a gritaria e caos seriam precedidos depois de um tempo por uma calma e serenidade que chegaria aos poucos juntamente com uma sensação de paz e leveza interior? Não sei não, mas acho que guardamos muito lixo existencial dentro de nós, isto é obvio, e temos que arrumar um modo de botar toda esta carga negativa pra fora. Daí nasceu a psicanalise, num processo lento e gradual.
 O grande Cronenbeng genialmente tenta com este filme nos mostrar um fragmento do que homens como Freud (Viggo Mortensen) e Jung iniciaram no começo do século vinte. A psicanalise e seus primeiros embates, já que no começo ambos se juntaram para depois discordarem dos métodos um do outro. O grande feito de Cronenberg neste filme é não tentar em nenhum momento decifrar a psicanalise, e sim mostrar habilmente como foi o relacionamento dos dois gênios da matéria, e a influencia de Sabina na carreira de ambos, pois como é sabido, ela surgiu como paciente e depois se tornou uma brilhante psicóloga até morrer absurdamente junto com as duas filhas num campo de concentração nazista.
“Somos judeus, nunca confie em um alemão” diz Freud certa hora para Sabina, que aquela altura era amante do alemão Jung, isto antes até da primeira guerra mundial,  Freud parecia prever o que futuramente iria acontecer a judeus como ele, que pelo menos conseguiu fugir de Viena, feita não conseguido por Sabina.
A caracterização de Viggo Mortensen como Freud é um caso à parte, em sua terceira parceria com Cronenberg, o ator esta soberbo, é até uma pena que entre os três seja o que menos aparece, pois dá vontade de assistir mais cenas com ele.
Dizem que Cronenberg esta mais contido nos seus últimos filmes, afinal não vemos mais homens se transformarem em moscas, crânios estourarem e outras estranhezas tão características na obra ímpar deste diretor, mas discordo totalmente, ele só esta mais sutil. Afinal de contas não é terrivelmente maravilhoso e até mais absurdo ainda quando uma mulher goza em pleno vestido por ver um casaco ser batido para se tirar o pó dele, ou mesmo sentir prazer sexual ao apanhar do pai como acontece com Sabine?
 As pessoas são uns lindos problemas. E Cronenberg explora cada vez melhor as estranhezas humanas na sua obra que cada vez fica melhor. Sorte a nossa, quem gosta de cinema adulto agradece.

20 de abril de 2012

Shame - Steve McQueen



Alguma coisa está errada, muito errada. Saiu do cinema com uma sensação esquisita, noite de domingo é um porre, última sessão e apesar do calor intenso do lado de fora do carro, é frio na minha alma. Faz tempo que não escrevo no blog, nem mesmo sei ao certo dizer o porquê do recesso, como tantas outras coisas que sei menos ainda, e essa sensação ruim no peito. Queria escrever coisas alegres, depois de tanto tempo. Dizer, escrever, gritar que a vida é boa! Mas é que de fato este filme me causou um desconforto muito grande. Inadequação, esta deve ser a palavra. Inadequação dos personagens, inadequação minha para com a vida. Será? É nisso que nos ligamos eu, Brandon (Michael Fassbender) e Sissy (Carey Mulligan). Cada um a seu modo, desafinando o coral dos contentes. Mas me desculpem, tenho esta mania de me personificar no drama.
O que acontece com certas pessoas que tem tudo (bom trabalho, casa, beleza e conforto) para se enquadrar e viver de acordo com os ditames sociais, mas não consegue? Michael só consegue se perfazer no jorro da sua porra, seu vício é o sexo, sem carinho, sem afeto, como num filme gonzo terrível de sexo explicito. Alias, quem conseguiria assistir um filminho desses e ao mesmo tempo se alimentar de  um delicioso almoço ou jantar, hein? Sua vida consiste em se acabar e se consumir através do sexo, seja com uma garota abordada na rua , seja na punheta no banheiro do serviço, ou seja, com a garota de programa a domicilio, tudo é uma consumação desmedida de si mesmo, através do sexo, que como vemos no decorrer do filme, nem chega a ser mais um prazer, mas sim uma compulsão, o prazer que virou dor. A banalização do sexo fácil nestes tempos modernos. O que era para ser lúdico e inesquecível vira esmola vulgar de um corpo qualquer. Na única vez que vemos tentar se relacionar - em duas cenas memoráveis- com uma colega de trabalho, sua libido se esconde. Afeto e sexo não se misturam em sua vida.
Eis que um dia surge sua irmã querendo conviver com Michael, querendo conquista-lo, e tenta invadir seu espaço. Interessante notar, que ambos nos são apresentados nus, cada qual a seu tempo, e cada nudez tem sua forma de se interpretar, a dele é viril e a dela é a fragilidade. Talvez seja o personagem dela, o que mais me fascina. Ela é o contrário do irmão, pois é dependente de afeto, de carinho. Ele é só sexo, ela é carência levada às últimas consequências. É uma daquelas pessoas que necessitam o tempo todo de atenção e mimo, que não conseguem de maneira nenhuma aguentar a solidão. Seu personagem – para mim- é mais comum e fácil de se encontrar por aí. Eu mesmo tenho uma amiga mais velha e que não vejo há tempos que é assim, não consegue ficar só, e quando fica se apaixona (mesmo!) pela primeira pessoa que ela julga disponível e vai à luta. Lembro de uma vez que ela tentou se matar depois de um dos muitos abandonos que sofreu, eu era muito jovem e não conseguia entender aquilo, aquela história de pílulas, aquelas crises. Mas de certa forma, acho que até senti um pouco de inveja deste jeito de ser, de se jogar para a vida, eu mesmo fui pedido (desesperadamente) em namoro por ela, tudo muito louco. É a solidão destas cidades grandes, que levam as pessoas aos estremos que são capazes. Parece que esta tudo certo, mas não esta, são apenas sorrisos amarelos de aparente sucesso.
O embate entre os irmãos é frequente, só em um momento eles parecem se encontrar que é quando Sissy se apresenta numa boate e canta “New York, New York” de uma forma tão singular que lágrimas do homem – e de quem assiste ao filme - sem alma brotam quase sem querer. A cena por si só já vale o filme e deve ser uma das cenas do ano. Imagine “Aquarela do Brasil” ou mesmo “O Que é, o Que é” viradas do avesso, aquelas palavras ufanistas, alegres a serviço da tristeza, da inadequação, da derrota. Um achado poético.
Depois do filme desço a baixo Augusta, pensando nos dois personagens tão fascinantes e me questionando o porquê de me perturbarem tanto. Olho a rua e me lembro de que até algum tempo atrás a Rua Augusta era povoada de prostitutas e me pergunto aonde elas foram parar? Preferia a Augusta de antigamente, me parecia mais real. Agora a rua está tomada de jovens, bem jovens, meninos e menininhas moderninhas que não me agradam, assim como sei que eu não as agradaria. Volta pra casa escandalosamente só, sem o sexo que Brandon tanto precisa e sem o cafuné que Sissy tanto precisa. Ou será que sou eu que preciso?