26 de agosto de 2011

A Árvore da Vida – Terrence Malick


Eu estava tentado a não escrever nada sobre este filme. Muito já foi dito, escrito e lido a respeito. Tenho medo de me ver, mesmo que sem querer, copiando outra opinião, de algum dos muitos artigos lidos. Mas será que alguém consegue ser realmente original, ainda mais hoje em dia, já que nos viciamos e nos misturamos a um bombardeio de notícias na internet. “Quem lê tanta notícia?” , quando Caetano decantou “Sem Lenço, Sem Documento”, naquele festival de 68, nem imaginava o que viria a seguir. A impressão que tenho, é a de que quanto mais facilidade e informação se têm, hoje em dia, mas as pessoas estão ficando burras, mas isso é outro assunto...
O que me faz escrever algumas linhas sobre este filme, tem mais haver com o fato de eu ter assistido há pouco tempo os outros filmes do Malick numa mostra do CCSP. Apenas cinco filmes com este, e uma fama de reclusão que só fez aumentar uma falsa bolha de ar envolvendo seu nome e sua obra. Olhando para todos estes filmes, o que sinto em comum em todos, é a vontade de investigar o conflito eterno entre a natureza, o homem e Deus. Suas belezas, suas maldades e a divindade em meio a tudo isso. O Deus da beleza e do caos.
É neste seu último filme, que Malick tenta dar o seu salto mais ambicioso, parece que os outros eram caminhos que levariam a esta sua obra “profunda e poética”. Se em todos seus filmes, o diretor tenta passar a poesia da natureza para a tela, neste vai mais longe e tenta poetizar a origem de tudo. O Big Band, a origem do universo, do mundo, da vida, de Deus, e do amor dele para com seus filhos. Cita Jó, o filho mais sofredor da bíblia, para mostrar o convívio de um pai austero, controlador, com seus filhos, em especial, o mais velho.
Em nome do pai, do filho e do espírito santo. Aqui representados pelo pai (Brad Pitt) que maltrata para fortalecer. O filho que sofre as angústias da opressão. E o espírito santo é representado pela mãe, o amor incondicional materno, acima de toda opressão, o amor, no sentido mais lindo e puro possível. Vamos combinar que é muita pretensão de botar toda uma gênese da natureza e da natureza humana numa família só, mas Malick é sim, muito pretensioso.
Queria muito, muito mesmo, sair embasbacado, do cinema, como tenho visto e lido por aí. Gritando: Gênio, gênio! Mas nem uma coisa nem outra. Sim, é tudo muito bonito; sim, é tudo bem feito; sim, a fotografia é belíssima. Mas é tudo over demais, não precisa ser linear não, mas chega uma hora que se torna enfadonho, cansativo. Pronto, falei: enfadonho. E como disse (ó eu copiando!) meu amigo Sérgio: ”parece new age, Enya, estas coisas aí”.
Ganhador de Cannes, recluso, todos falam que Malick é um gênio, com todo aquele seu jeito “natureza-poesia áudio visual em película” de filmar. Mas me pergunto: Será que ele faria um filme... Vamos dizer: tradicional? Porque, como já disse, é tudo muito bonito (não me joguem pedras), mas tá ficando cansativo. A gente tem que ficar fazendo força para “captar” o que aquela determinada cena quis falar. Deveria ser tudo mais natural, eu acho. Uma cena me chamou muito a atenção: é quando o pai saiu em viagem de negócios e os filhos se sentem libertos da sua opressão, logo acabam fazendo coisas que não deveriam. Coisas como quebrar vidraças dos vizinhos, e principalmente, magoar a própria mãe (Jessica Chastain, maravilhosa), insultando a quem sempre os defendeu e só deu o mais lindo amor. De oprimido a opressor. Mais tarde o filho pergunta ao pai se ele puxou sua natureza “má”? É claro que sim, ele constata que sim, mas quanto floreio para se chegar nisso, ou a qualquer outro fundamento. Sim. A vida é complexa, e aquele menino, assim como este menino aqui, que escreve, carrega dentro de si toda uma herança maldita e bendita do passado. No filme, apenas no olhar melancólico de Sean Penn, sabemos que as feridas são imensas, ele adulto em meio a edifícios imponentes, concretos e elevadores imensos, em contraste com o menino solto no quintal, na infância doída e saudosa. O homem tá lá no menino. O menino está todinho dentro do homem. Que procura sua divindade através do pai maior, ou da natureza, ou de qualquer outra coisa que o afaste do vazio e da solidão. Mesmo rindo e sendo amigo, em meio há festas imensas. Quem de fato não se sente só?
Mas precisa de tanto floreio, senhor Malick? Talvez, uma revisão melhore minha avaliação, mas nem maravilhoso, nem ruim. Mais para uma bomba de ar, por enquanto.
Cinzas no Paraíso (78) – a praga na natureza e no casamento - ótimo
Terra de Ninguém (73) –  assassinatos,amor e natureza -ótimo
Além da Linha Vermelha (98) –  guerra sem sentido e mergulhos límpidos - bom
A Árvore da Vida (11) –  O big band, a mãe , o pai e o filho - bom
O Novo Mundo (05) -  -Pocahotas e o bom/mal homem branco -bom

17 de agosto de 2011

Não Se Preocupe, Nada Vai Dar Certo – Hugo Carvana


Teve um dia, tempos  e tempos atrás, que assisti “O Homem Nu” com um amigo no cinema. Enquanto eu, e muita gente na platéia ríamos pra valer com o filme (inspirado na obra do genial Fernando Sabino), este amigo permaneceu em silêncio. No final da sessão ele declarou solenemente: ”Filme brasileiro é tudo tosco mesmo, não tem jeito”. Algo parecido já havia acontecido quando assistimos anteriormente juntos “Alma Corsária’ do Carlos Reichenbach. Enquanto eu declamava “Gênio, gênio”, e conclamava umas cervejas para comemorar ao filme, à vida, ele ironicamente disse: “espero que você não queira bebericar estas brejas numa pastelaria chinesa decadente como no filme”. Cadê a sensibilidade, oras? Seguiu uma discussão onde declarei que ele assistia aos filmes brasileiros comparando-os ao cinema de fora, seja europeu ou americano, e enquanto fizesse isso, acharia tudo ruim. Cinema brasileiro tem de ser visto e feito como cinema brasileiro, não tem comparações,ele existe com as qualidades e defeitos que isso acarreta. Há tempos não vejo este amigo que nem em São Paulo mora mais. Tenho curiosidade em saber sua opinião sobre o que ele acha deste cinema certinho e plastificado com a marca Globo Filmes. Certinho, bem feitinho, tudo inho inho, como uma (das piores) novela das oito. Rock de pelúcia e sertanejos “universitários” tomam as rádios, e filmes plim-plim aos cinemas.
Voltando, qualidades e defeitos permeiam a obra paulista e forte de Carlão, assim como a obra carioquíssima e leve de Hugo Carvana. Ambos, cineastas calejados na estrada. Cineastas brasileiros, graças a Deus.
E este último filme do velho malandro ator carioca, assim como toda sua obra, é de resistência, e principalmente independência. Mais uma vez, assim como fez em todos os outros (poucos) filmes que dirigiu ao longo dos anos, Carvana evoca o seu Rio de Janeiro. Aquele Rio da sua juventude, aquele Rio lindo, da boa malandragem(onde malandro bom usava navalha e só queria se dar bem com a mulheres), das lindas mulheres. Alias, faltou mulher pelada (não nua) no filme, essa coisa de politicamente correto tá pior que censura, enfim... É a sua cidade amada, é seu orgulho, é onde sempre viveu cercado dos amigos, da boemia, e daquela paisagem zona sul, cartão postal mais belo do mundo, apesar de tudo, apesar dos anos. Quem teve o privilegio de conhecer, sabe... Aquele cheiro, aquela paisagem que tantas vezes Jobim e outros ilustraram tão bem.
Qual o problema em evocar as boas coisas da vida? A boa malandragem (que infelizmente não existe mais), o chopp gelado com os amigos e com o mar como cenário, a bela moça bronzeada e curvilínea. Afinal, quem é que não vive no saudosismo dos tempos idos, achando-os sempre melhores que os atuais? No caso do Rio de Janeiro, acredito ser realmente um sentimento válido. E Carvana faz isto, às vezes com muito sucesso como no espetacular “Bar Esperança” ou “Vai Trabalhar Vagabundo”. Ou era feio como em “Vai Trabalhar Vagabundo II” ou mesmo seu penúltimo “A Casa da Mãe Joana”. Mas ele continua firme e forte, fazendo seus filmes cariocas. Mil vivas para ele!
Neste último filme, a malandragem novamente dá o tom. Conta a historia de pai e filho que se “viram”, na primeira metade do filme, pelas estradas do Brasil à fora, trabalhando como atores, e se servindo disso para pequenos golpes. O malandro velho (Tarcisio Meira) em parceria com o malandro novo (Gregório Duvivier), entrando em enrascadas mirabolantes para se darem bem, mesmo que nada de certo. Salta aos olhos, a satisfação de Tarcisio em atuar no filme (depois de tanto tempo sem atuar no cinema), como se fosse uma grande e divertida festa (e não é?), assim como o talento de Gregório em suas cenas engraçadas, vivendo um falso “guru indiano” já no Rio, na segunda metade do filme. Tudo leve e despretensioso, sem mensagens filosófico-sociais, apenas o intuito de fazer rir, de fazer humor para o publico se divertir, sem culpa. Pra que mais?
É claro que o filme tem alguns defeitos, como a péssima dublagem na cena final, cópia desnecessária do ótimo final de “Vai Trabalhar...”, já mal utilizada em “Casa da Mãe Joana” e novamente (sem sucesso) feita neste filme. Mas nada que comprometa o todo da obra.
Certamente, não é o melhor filme de Hugo Carvana, grande diretor, grande ator, mas só vão desagradar, aqueles que sempre esperam algo “profundo”, ou seja, os maus humorados. Aqui não tem espaço para a melancolia. Só o riso.

pots: Segue minha avaliação sobre o obra do velho ator/diretor carioca da gema:

Bar Esperança - ótimo
Vai Trabalhar Vagabundo - ótimo
Se Segura Malandro - muito bom
O Homem Nú -  bom
Não Se Preocupe, Nada Vai Dar Certo - bom
Apolonio Brasil - O Campeão da Alegria - bom
A Casa da Mãe Joana - ruim
Vai Trabalhar Vagabundo II - péssimo



12 de agosto de 2011

Melancolia – Lars Von Tier

Melancolia: Psicótico; maníaco depressivo; estado de humor caracterizado por uma tristeza vaga e persistente.
Não sei qual a sensação de ter tudo o que quero, ou o que é dito socialmente, que é o que devemos querer. O que é uma vida de sucesso? Sei de um sonho que já tive algumas vezes, sonho recorrente, recente, e muito vivo na minha memória. Nele, finalmente encontro a tal da cara metade, uma moça morena que não conheço, nunca vi, mas no sonho é incrivelmente íntima, ligada ao ideal de amor, causadora de alivio a uma das minhas mais tristes angustias. Eu a conquisto, eu (finalmente) a tenho, e a sensação de alivio e felicidade que chega com este objetivo alcançado, dura quase nada. No seu sorrido de entrega, quando vejo que a conquistei, não só seu corpo, mas sua alma, seu amor, uma sensação de vazio se apodera de mim, me arrebata de forma imensa. A conquista vira um pesadelo, uma responsabilidade impossível de carregar, sinto meus pés encharcados na lama. Sinto-me perdido por ter e, ao mesmo tempo ver que (talvez) não queira aquilo, que era uma fantasia. Mas é tarde, ela é minha, mas não sou dela e muito menos sou meu mesmo, pois de repente, não me reconheço. Nem lá, nem cá, só os pés na lama. Acordo, triste pelo sonho (ou pesadelo), triste pela vida.
Lembrei-me deste sonho que tive, logo quando assisto ao prólogo deste filme, em que cenas lindas, que por si só já valem o ingresso, descompassadas no seu ritmo, se mostram oníricas, e me apresentam Justine, e seu olhar, seu olhar, seu olhar... Tão angustiado, só por ele, acredito, Kirsten Dunst já mereceu seu prêmio de melhor atriz em Cannes neste ano.
O filme mostra o casamento de Justine, digno dos sonhos de qualquer Cinderela. Tudo lindo e luxuoso, presente do cunhado rico. E tudo parece dar certo e ser certo. Um castelo, um noivo lindo (o vampiro galã da série True Blood), romântico e apaixonado. Uma  promoção no emprego, entre os presentes ganhos. Tudo certo  para uma vida perfeita. Mas seu sorriso é cada vez  mais amarelo, pois a cobrança por sua felicidade, a obrigação de ser feliz, pesam muito, e tudo começa a se modificar dentro dela, aos poucos. Tudo vira um fardo. Tudo que lhe é dado em excesso se torna sem sentido. É a melancolia que a toma, e todo circo social armado para ela desmorona.
A limusine não cabe na esquina e nem faz curva. As terras compradas pelo noivo, onde deveriam cultivar e florescer a nova feliz família fica no sofá, no retrato.
O sintoma de que algo daria errado se mostra, desde o inicio, nas atitudes dos pais de Justine, seja através do deboche do pai bonachão, ou através da negação à todo aquele formalismo pela mãe, que não acredita em nada daquilo, e constantemente é expulsa pelo genro, convencional até a medula.
Não por acaso, este é marido de Claire (Charlotte Gainsbourg), a irmã de Justine e a outra personagem  que protagoniza o filme em sua segunda parte. Interessante que se o desconforto de Justine se faz com o decorrer da festa, o de Claire se mostra desde o inicio. É o medo de que todas as convenções a que se apega, não funcionem. Ela é o outro lado de Justine, o outro lado da moeda. Enquanto uma explode por dentro, a outra explode por fora, com seu medo de que o mundo perfeito que tenta construir e vivenciar, se exploda, como de fato acorre, fatalmente. Não consigo desassociar Claire, do que Inácio Araujo escreveu tão bem em sua coluna na Folha de São Paulo. Claire é o mundo perfeito, constantemente ameaçado pelos perigos em que vivemos hoje, seja através do neonazista norueguês, seja através dos incêndios ingleses, seja a crise econômica europeia e americana. Claire e Justine, cara e coroa; duas fases da mesma moeda, e uma melancolia que assombra o mundo.  Por um lado existe a depressão emocional, e seus comprimidos antidepressivos; por outro, uma crise sem procedentes que assola a segurança e o conforto de quem como Claire, segura no seu mundo perfeito, jamais pensou existir. Interior e exterior, tudo fora da ordem. O marido no pasto, junto aos cavalos, me lembra daqueles homens ricos da crise da bolsa de 39. Mas esta é só uma interpretação que faço sobre Claire. A segunda parte do filme, mais complexa, mais filosófica (e melhor), foge das minhas pobres compreensões à cerca da vida e do mundo.
Mas o que é maior? A melancolia de Justine? Aquela sensação do nada absoluto, com o seu ser, onde nada faz sentido. Nem no mundo, nem em Deus. Eclodindo tudo num vazio existencial absoluto. Ou o vazio de Claire? Aquele que remete a um fim do mundo mesmo, pelo fato do mesmo estar cada vez mais sem sentido, sem controlo, seja pelo terrorismo, ou egoísmo, ou poder do homem que é lobo do homem.
Enquanto Claire se desespera pela eclosão do mundo com a melancolia. Justine (em outra cena linda) se conforma, não sofre mais, e nua e linda, se banha a luz inevitável e cada vez mais presente do fim.
Vale a pena mencionar o personagem que faz o papel do chefe de Justine – capitalismo atroz – que em meio ao seu casamento a “presenteia” com uma promoção (chefe de criação) e com isso exige dela um slogan em meio à festa. Autorretrato, ironia, brincadeira que Lars von Tier faz de si mesmo. Já que é bastante conhecido o fato do diretor exigir o “sangue” de suas atrizes em seus filmes, deixando-as traumatizadas. Que o digam, Nicole Kildman e Bjork, que já declararam preferir o diabo, ao diretor na frente delas. Alias, não sou nem um pouco fã do cinema deste diretor, para mim, um sádico, para não ficar falando mal, digo que gostei muito de “Ondas do Destino” e só. Mas me dobro em reconhecimento a este seu último lamento depressivo. Dizem ser seu filme mais pessoal. Ele não exagera nas tintas, e mistura muito bem, sonho e realidade. Lindo, onírico, no ponto certo. Para ver e rever, já que tão singular em meio a tantas bobagens.
Penso novamente no meu sonho (ou pesadelo), nas minhas melancolias e agonias. A ânsia por encontrar meu lugar, um porto seguro nos meus descaminhos. Minhas esperanças... E lembro-me daquele olhar, daquele olhar, daquele olhar...