29 de novembro de 2006

O Céu de Suely – Karin Ainouz - parte 1

Terminada a sessão, me demoro a sair da sala de projeção, meio que ainda bobo pela forte emoção que o filme me proporcionou. Saiu andando, subo a rua Augusta em direção a Av. Paulista.Uma sensação estranha me toma, olho para o céu nublado, em meio a buzinas e automóveis, e me sinto amortecido. Um choro difícil e tenso está preste a sair, preso dentro de mim, assim como minhas emoções adormecidas, escondidas em um baú invisível. As pernas estão mais pesadas, como se carregassem meus sentimentos. O choro saiu, enfim. De certa forma é um alívio, me sinto à flor da pele, como na canção do Zeca Baleiro. Enquanto espero o sinal abrir, um cara pára do meu lado, me encara e diz: “É, pelo jeito você também se emocionou com o filme. Está tudo bem?”. Porra, está tão na cara assim!A resposta sai meio embaralhada, agradeço, e sigo em frente (deveria ter sido mais simpático), com os olhos molhados. Ligo para uma amiga minha: “Teka, você está em algum barzinho?Com quem? AH! Num jantar. Putz... Acabei de sair do cinema, meio que sem chão, me sentindo meio pozinho, tô precisando de um abraço amigo. Não, não (muito gentil, se ofereceu a sair do lugar) precisa vir não, deixa quieto.” E segui andando, me sentindo só pra cacete.
O duro de não ter um amor, alguém para compartilhar vida e carícias, é que chega uma hora, você se acostuma, acaba rolando ferrugens pelo corpo e na alma. Você se fecha, mesmo quando alguém te chama pra vida novamente, o medo do medo de ter medo. Será que perdi alguns sinais? Essa minha miopia...
O céu carregado de nuvens, parece mais baixo que o normal, tão feio está o céu, quase me sufoca. Vontade de sair pelo mundo, como a Hermina, mais pra onde? “Aonde quer que eu esteja, eu não estou!!!” já dizia o gênio da melancolia, Sérgio Sampaio. Essa cidade nunca me pareceu tão grande, uma sensação de impotência me toma, riu de mim mesmo.”Deixe de bestagem, Beto. Tu és um homem”. Já nem sei quem sou. Mas a verdade é que para quem se sente sozinho, qualquer sentimento serve.
Nos bares, o pessoal bebe cerveja, está uma noite gostosa de calor. Penso em parar e me embriagar também, mais falta vontade de beber, coisa rara. Alias, falta tudo: amor, amigos- alias, me sinto cada vez mais distante de alguns bons e velhos amigos, será culpa minha?-, sexo e principalmente alegria. Sinto-me mal, ou pior, me sinto banal, isso, banal. Porque é tudo tão complicado? A gente lê livros, assiste a alguns filmes, escuta aquelas canções emotivas (o Chico falou que a canção está morrendo, que pena) e tenta ter em volta pessoas bacanas.Enfim, sabe de cor a lição, então porque quase não dá certo.Queria ser mais simples e leve.Mas essa amargura latente!Acho tudo um porre, até bebericar com os amigos, tudo uma grande ressaca sem fim.
O que eu preciso mesmo é encostar minha cabeça por milênios no colo de uma mulher e depois lamber seu sexo despudoradamente afins de remediar as ferrugens da alma e do corpo. Dizer "Eu te Amo" com sinceridade, etâ palavra bonita que eu quero que saia da minha boca, mas tá difícil. Bom seria encontrar uma moça bonita pra mim, nos comunicaríamos pelo olhar, nos abraçaríamos, nos beijaríamos e ficaríamos leves. Sonhos, sonhos, sonhos, que nos meus maus vividos 35 anos, ainda acalento dentro de mim, pois é a minha verdade. Às vezes não acredito que tenho esta idade, vivi tão pouco, queria sim, coisas simples, mais o simples também é tão complicado (viu, Alê).A falta de grana, a falta de cama, a falta de amor. Puxa! Hoje eu estou terrível, e parece que adoro ter pena de mim mesmo, o puro melodrama. Às vezes acho que sou um super-homem, o problema é que tem um pedacinho de criptonita escondida dentro de mim.Como arrancá-la?Aonde está esta verdinha maldita? Em que parte do corpo?

E o pior é que mesmo assim, a vida é linda. Eu é que sou besta mesmo.Alias, creio que quem não me conhece e ler este texto, vai pensar que sou um depressivo, não sou.Apenas complico o que poderia ser simples, minha vida. Mas é só dar um beijo na boca e tudo fica lindo de novo.
"Criei barriga, minha mula empacou.
Mais vou até o fim" - Chico

27 de novembro de 2006

Fica Comigo Esta Noite – João Falcão


Nos idos de 1990 ou 1991, fomos eu e outros amigos (os baianos, saudades...) assistir a peça teatral de Flavio de Souza, que serviu de base para este filme. Era a segunda adaptação, já que a primeira havia sido mais independente, com Marisa Orth e Carlos Moreno. O imenso sucesso da peça fez com que ela fosse novamente produzida, com Débora Bloch e Luiz Fernando Guimarães à frente de seus respectivos personagens: a viúva e o morto. Já na entrada, tivemos uma surpresa, já que era a própria Débora que nos recepcionava chorando, agradecendo pela presença no velório de seu marido. Logo após ela recepcionar a todos e a sala de teatro (funeral) ficar lotada, é que começou a peça, engraçada por demais, diga-se de passagem. Eu e meus amigos demos muitas risadas, com exceção do Roberval, que já era famoso entre os conhecidos, por sua mania de dormir onde quer que fosse, para se ter uma idéia, eu já havia presenciado ele dormindo com a cabeça encostada numa caixa de som em um show de rock, o cara é impressionante. Pois não é que em um determinado momento da peça ele dormiu, e neste mesmo momento veio subindo os degraus, a própria Débora Bloch a falar sobre suas dores da recente perda, e agradecendo mais uma vez nossa ilustre presença em doloroso acontecimento. Pois não é que ela chegou próxima ao Roberval, parou o choro e fechando bem perto, falou: “Escuta aqui, você está pensando que isso aqui é um albergue hein?!Vamos acordar , meu senhor! Respeite a dor de uma pobre viúva!”. Nisso, a platéia caiu na gargalhada. O Val acordou, olhou sério para a Débora, ela saiu andando de volta para o palco e deu mais uma olhadinha para trás e falou: “Não acredito, dormiu de novo, mais onde nos estamos?” O Val abriu os olhos novamente com as gargalhadas e ainda disse: “Me deixa mulher, que chata...” Nisso, obviamente, todos da platéia, (com exceção da própria Débora Bloch e nós, seus amigos) acharam que era combinado, mas não era não.Isso rendeu boas risadas durante um bom tempo entre nós, e uma boa lembrança. Digo isto tudo, pois foi a primeira coisa que me veio a cabeça quando vi que iriam fazer a adaptação da peça para o cinema.

Quanto ao filme, a coisa é mais ou menos como tem acontecido com o advento da Globo Filmes; filminhos bobinhos, estórias chatinhas, com cara de filme feito para a televisão, e não para o cinema, como deveria ser. João Falcão- infelizmente - resolveu largar de lado suas peças teatrais, e dirige seu segundo filme, em menos de um ano, sendo que o outro filme “A Máquina” já não era grande coisa, mas pelo menos tinha uns diálogos bacanas entre Mariana Ximenes e Gustavo Falcão, aproveitados do texto original do próprio diretor. Já neste telefilme, nem isso temos. Quando Wladimir Brichta, logo no inicio do filme, se põe a cantar uma versão rock do clássico “Fica Comigo Essa Noite”, vi que o sofrimento iria ser muito. A sorte é que o filme é pequeno (em todos os sentidos) e termina logo, assim como o filme sumiu da minha memória cinco segundos depois de eu sair da sala de cinema, nem bem tinha saído do Shopping Tatuapé, e me perguntava: “Qual o filme que eu estava assistindo mesmo?” Triste, triste. Nem a gracinha da Aline Morais vale o filme.

E o pior é que o diretor toma liberdades com o texto e modifica totalmente a estória que fez sucesso nos palcos teatrais. Quer dizer, desagrada até quem iria gostar de graça, por ser uma adaptação de uma peça de imenso sucesso, que eu assisti e garanto que era milhões de vezes melhor que este filminho bobinho. João Falcão, volte para o teatro e não me chame!

23 de novembro de 2006

Volver – Pedro Almodóvar


Demorou um pouco para eu comentar a respeito deste filme aqui no blog. Talvez porque eu quisesse dar um tempinho para “assentar” o filme na minha cabeça. Todo filme do Almodóvar, eu espero com muita ansiedade, já que o espanhol é para mim o melhor cineasta da atualidade. Depois de três obras-primas seguidas (Carne Tremula, Tudo Sobre Minha Mãe e Fale Com Ela), o diretor errou na mão com “Má Educação”. Parece achar seu caminho novamente com este novo filme. Mas não é uma obra-prima como os outros. Acho que eu estava mal acostumado.

Adentrando novamente no universo feminino (área onde Almodóvar tirou seus melhores filmes), vemos a estória de algumas mulheres vivendo e revivendo situações extremas, entre estupros e mortes de homens canalhas. O elenco de mulheres é primoroso, a começar por Penélope Cruz que mais “cheia,” compõe um personagem que homenageia atrizes italianas como Anna Magnani e Sophia Loren. Fora o retorno de Carmen Maura, atriz Almodovariana por excelência.

O que mais chama a atenção neste filme - e que é uma característica do diretor em seus outros filmes- é como viramos cúmplices dos crimes praticados na estória. Em “Volver” alguns crimes são praticados, mas imediatamente ficamos do lado do criminoso, como se tudo o que foi feito tivesse uma justificativa, e tem. É como se o diretor quisesse nos mostrar que numa hora de desespero, todos os fins justificam os meios, e nossa (público) cumplicidade prova que ele tem razão. Em nenhum momento achei que o crime de Raimunda iria ser investigado. Ocorreu, passou, segue a vida. Entre fantasmas e culpas do passado e do presente.

Doenças, culpas e fantasmas rondam a vida daquelas maravilhosas mulheres. Almodóvar parece ser o “Chico Buarque” do cinema, tamanha facilidade para adentrar no universo feminino. Vai até a alma de suas mulheres espanholas. E mesmo não fazendo uma outra obra-prima, merece todos os aplausos por mais um filme único.

Abaixo coloco minhas notas, e em ordem de preferência, os filmes do diretor:

1 – Fale com Ela (02) * * * * * Obra-Prima Total!!!!
2 – Tudo Sobre Minha Mãe (99) * * * * *
3 – Carne Trêmula (97) * * * * *
4 – Ata-Me! (90) * * * * *
5 – Matador (86) * * * * *
6 – De Salto Alto (91) * * * * *
7 – Mulheres a Beira de Um Ataque de Nervos (88) * * * *
8 – A Lei do Desejo (87) * * * *
9 – Maus Hábitos (83) * * * *
10- A Flor do Meu Segredo (95) * * * *
11- Labirinto de Paixões (82) * * * *
12- Volver (06) * * * *
13- Que Fiz Para Merecer Isto (84) * * *
14- Má Educação (04) * * *
15- Pepi, Luci e Outras Chicas Del Monton (80) * * *
16- Kika (93) * * *

21 de novembro de 2006

A Última Noite – Robert Altman

Nossa, parece até premonição, fui assistir ao filme do Altman ontem e ele desencarnou hoje. Fica até difícil falar sobre o filme. Parece até que o veterano diretor já sabia que este seria o seu “último filme”. O filme me passou uma sensação imensa de nostalgia e despedida. Parece que Altman, sabia que iria morrer em breve e quis dizer metaforicamente, adeus ao mundo do cinema, do qual ele foi um fiel servo, com um vigor incrível para sua idade, já que ele tinha um transplante de coração. Mas dirigia como um rapaz, cheio de vigor.

Não por acaso, este foi o filme de Altman que mais gostei desde a obra-prima Short Curts, filme que assisti umas quatro vezes só no cinema. Se em Short Curts eu tive a impressão que as pessoas estavam vivendo com um pé na terra e outro no precipício. Neste seu último filme, Altman parece nos mostrar como é o limiar da vida. Aquele momento em que as lembranças falam mais altas, e um alto senso de nostalgia toda conta da mente e dos corações das pessoas. Talvez, o momento mais significativo do filme seja um em que Maryl Streep e Lily Tomlin cantam juntas uma canção evangélica (canção também cantada por um dos personagens do filme Retratos de Uma Família) relembrando a mãe delas, pois no filme são irmãs. Afinal de contas o que é o tempo? Como podemos lidar com o que vivemos, nossas lembranças? E o tempo que resta?

Evocando uma estória baseada em fatos reais, de uma rádio que apresenta (va) música ao vivo e que está (va) sempre para fechar. Altman nos faz viver entre o passado e o presente de seu país. Não por acaso, todos os músicos que se apresentam, têm um forte laço com as tradições do passado. É como se Altman quisesse nos mostrar, ou melhor, fazer sobreviver, costumes e épocas que estão se extinguindo lentamente na América. Em nome de uma tal modernidade, personificada por Tommy Lee Jones no filme. Mas como Altman pode fazer o que quer “no mundo imaginário” do cinema, no seu filme ele morre. Mas na vida real não é assim.

Todos os atores estão soberbos no filme, a começar por Kevin Kline, que parece fazer o papel de alter-ego do diretor. Uma bela despedida de um diretor ímpar, que agora deve estar sendo recepcionado no outro plano por um belo anjo loiro. Alias, fico pensando se aquele anjo personificado por Virginia Madsen no filme, não seria um discreto pedido aos céus do diretor: “Se eu tenho que realmente ir, que seja com um anjo como este do meu filme”. Nada bobo este Altman. Descanse em paz.

17 de novembro de 2006

Os Infiltrados – Martin Scorsese


Difícil falar sobre os filmes de Scorsese. Ele é um daqueles poucos cineastas, que 99% dos cinéfilos amam, ou procuram amar. Ele merece, construiu sua carreira de maneira perfeita, e é realmente um dos grandes artistas contemporâneos. E agora com seu último filme, ele tem sido endeusado mais ainda, pois voltou (dizem) ao seu habitat, que é contar estórias sobre ítalo-americanos, gângster e afins. Não que eu concorde com isso, acho o diretor bom de qualquer jeito, e meus filmes preferidos dele (abaixo do texto, ponho uma lista por ordem de preferência), nem mexem com o tema. Mas de qualquer forma o filme é muito bom, mas não uma obra-prima por enquanto, e principalmente nos brinda com a parceria (finalmente) entre Nicholson e Scorsese. É estranho, está parceria só rolar agora, pois talvez, ambos sejam os dois grandes americanos do cinema, o maior diretor e o maior ator em atividade.Ou alguém dúvida?

Muito já se sabe e foi escrito sobre o filme, procuro aqui lembrar o que mais gostei e o que me incomodou no filme. Antes preciso ressaltar que absolutamente “todos” os filmes deste cineasta precisam ser revistos. Ele é um dos poucos (que eu me lembro) cineastas, que tem uma obra que cresce com o passar do tempo. Mesmo seus filmes mais recentes como “Gangues de Nova York” ou “O Aviador”, cresceram em minha concepção depois de assisti-los novamente.

Bem no começo do filme, Frank Costello (já antológico personagem de Nicholson) comenta: “polícia ou bandido, com uma arma na mão, qual é a diferença?” E é justamente este o ponto mais interessante, uma vez que o bandido infiltrado na polícia ao seu comando (Matt Damon), assim como o policial infiltrado em sua gangue (Leonardo DiCaprio) sofrem, principalmente com a confusão de suas reais e imaginárias identidades. Quem mais sofre neste caso é Billy Costigan (DiCaprio), que vive o tempo todo no limite da pressão, do medo, de ser descoberto.

Alias, este é o grande feito de Scorsese, contra todas as críticas possíveis, acreditou em DiCaprio, que virou uma espécie de De Niro, que outrora fora seu parceiro constante. Nesta terceira parceria, DiCaprio está cada vez melhor. Sentimos a pressão de seu personagem num crescente angustiante.

O que acho que poderia ter sido mais bem trabalhado no filme, é o triangulo amoroso entre DiCaprio, Damon e Vera Farmiga. Não há tesão no ar, e Farmiga constrói uma personagem apática, muito aquém do que poderia se esperar. Entra aí, o outro problema do filme. Se Scorsese é um excelente contador de estórias, neste filme acho que ficou faltando uma densidade, ou melhor, um melhor detalhamento de seus personagens. Eles estão ali, mas quais suas motivações? É como se acompanhássemos tudo de longe, o distanciamento é maior do que deveria. Mas estas impressões podem mudar, numa segunda chance ao filme, é claro.

Nesta sua trilogia com DiCaprio nas telas. Scorsese nos brindou com o nascer violento de uma nação (Gangues), depois com a expansão e o poder do dinheiro/homem (Aviador). Agora nos mostra a derrota de um país sem lei, chafurdado entre ratos e guerras inventadas. Em cada um destes filmes, expõe de forma sutil, porem intensa, suas idéias a respeito de uma América, que está longe do ideal, longe de ser entendida. Mas mesmo mostrando as feridas de seu país e expondo-as para o mundo, seu amor também está lá, como o amor a um filho problemático. Scorsese expõe seu país ao mundo, suas feridas. Através de seu talento, e que talento...

Os filmes que assisti de Martin Scorsese ( por ordem de preferência):

01 – A Última Tentação de Cristo * * * * *
02 – A Época da Inocência * * * * *
03 – Taxi Driver * * * * *
04 – Touro Indomável * * * * *
05 – Contos de Nova York (Lições de Vida) * * * * *
06 – Os Bons Companheiros * * * * *
07 – O Rei da Comédia * * * *
08 – Depois de Horas * * * *
09 – Vivendo no Limite * * * *
10 – Kundun * * * *
11 – Cabo do Medo * * * *
12 – Cassino * * * *
13 – Gangues de Nova York * * * *
14 – O Aviador * * * *
15 – Os Infiltrados * * * *
16 – A Cor do Dinheiro * * *
17 – Caminhos Perigosos * * *
18 – New York, New York * * *
19 – Alice Não Mora Mais Aqui * *

13 de novembro de 2006

O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias – Cao Hambúrguer


Sempre que assisto a um filme que envolve crianças, e principalmente se o filme for bom, acabo sempre fazendo algum tipo de associação com o meu passado de menino, relembrando alguma coisa que ficou para trás, e que foi marcante para o meu crescimento. Não foi diferente desta vez; assim como Mauro (Michael Joelsas), protagonista do filme, também fui um apaixonado por futebol e principalmente futebol de botão. Chegava a organizar campeonatos com os colegas de escola. Mas o que me veio à mente com força, assistindo ao filme, foi um episódio envolvendo eu e meu padrasto, quando eu devia ter a mesma idade de Mauro.

Num domingo remoto, logo após o almoço, meu padrasto me passou uns exercícios para fazer, pois tinha acabado de ir muito mal em uma prova de gramática. A questão era de análise sintética, eu detestava e não queria perder meu domingo com aquela droga. Gritei, berrei, xinguei e disse ao meu padrasto que ele não tinha o direito de me obrigar a fazer aquilo, pois não era meu pai de verdade. Ele nada me disse, apenas entregou os exercícios e com o semblante triste, foi para o quarto tirar seu cochilo dominical pós-almoço. No meu quarto, ainda revoltado, li o exercício, a frase que era para eu fazer a análise sintática era a seguinte: “Quem se atreve a praticar o bem e a caridade, deve ter coragem de enfrentar a ingratidão”. Putz, caiu meu mundo, uma dor forte no peito apertado, e um choro convulsivo de mais de duas horas abafado no travesseiro. Este foi o resultado, pois com a sutileza de meu pai, aquilo foi muito pior que uma surra. Seu olhar, seu silencio cheio de amor e mágoa, ficaram guardados na minha mente.A associação que faço deste filme com minha infãncia, se deve pela sutileza com que pontos centrais e sentimentais são tocados na alma de um menino.

Cao Hambúrguer dá um show na reconstituição do ano de 1970 no bairro de Bom Retiro. Futebol e Repressão foram os dois pilares daquele ano no Brasil, e é principalmente retratado pela vida de Mauro. Seu afastamento dos pais devido a repressão, seu sonho de se tornar goleiro, sendo esta opção a mais solitária dentro do futebol coletivo. Sua solidão no apartamento do avô já morto. A ajuda resignada de outros judeus, que o “adotam” de uma certa forma. Estes também tinham acabado de fugir de uma repressão terrível na segunda guerra. Sabiam o que era estar só, mesmo menino, e que mesmo assim a vida tinha que continuar, mesmo sem os familiares.

Vários pontos são abordados neste belo filme, que mesmo sendo popular, não se deixa levar pela onda de telefilmes medíocres que assolam os cinemas ultimamente. Um dos mais belos filmes do ano. O cinema nacional finalmente respira graças a este filme. Salve!

10 de novembro de 2006

Lost 2º Temporada Completa – J.J. Abrams


Primeiro veio o homem, que solto na terra, se viu junto a outros homens igualmente desesperados e perdidos. Todos juntos lutando pela sobrevivência, e contra os contratempos antigos e novos que foram se mostrando ao longo do percurso. Logo em seguida veio uma “pretensa” calmaria, melhor dizer, um “habituar-se” com a situação, que de tão louca e inusitada, passou a ser o cotidiano vivido. Sendo assim, logo se formaram os líderes, os cabeças do grupo, os políticos. Tomaram o poder para si, e as decisões quanto aquela comunidade. Então começaram a brigar pelo poder, pelas decisões perante os mesmos líderes, até ignorando o povo ao qual diziam estar protegendo.

Isso me lembra uma obra-prima que li há algum tempo que se chama “Revolução dos Bichos” de George Orwell. Conta a história de uns bichos que tomam a fazenda dos seus donos por conta dos maus tratos dados a eles pelos mesmos, e em pouco tempo alguns bichos (porcos) tomam o poder e passam a praticar o mesmo tipo de poder praticado anteriormente. Enquanto os porcos engordam, os cavalos trabalham de sol a sol.Assim é o homem... Lobo do homem.

Passada a primeira temporada de Lost, onde os sobreviventes se viam naquela situação mais que inusitada, veio a segunda temporada, onde os mesmos personagens,já “praticamente” acostumados à situação, se viram obrigados a disputar seu espaço nas decisões sobre os fatos ocorridos na ilha. Fora o fato de surgirem novos sobreviventes, e também os “outros”.Basicamente, esta segunda temporada não esclareceu quase. Mas e daí? O fato é que a série continuou e continua fantástica. Pode-se dizer que está série divide o mundo da TV entre antes e depois de Lost. O mais incrível é que são tantos enigmas, que dá tranqüilamente para assistir qualquer episódio aleatoriamente mais que uma vez, que fica um sabor de novidade.

O episódio que mais me chamou a atenção nessa segunda e tão maravilhosa temporada quanto a primeira foi (alem do episódio que mostra a queda dos outros sobreviventes) o episódio S O S que mostra o reencontro entre Rose e Bernard. O mais interessante é que Bernard tenta organizar um mutirão, para se fazer um pedido de socorro com pedras, pois se sente perdido, querendo fazer algo, enquanto os outros estão perdidos nos mistérios da escotilha e seus códigos secretos, seus 108 minutos para digitar os números malditos 04, 08, 15, 16, 23 e 42 (Até já decorei), e toda uma onda de mistérios novos com novos personagens. Fez eu me lembrar dos poderosos engravatados, guardados nos seus gabinetes a decidir nossos destinos, enquanto alguns (poucos) esperançosos gritam por justiça do lado de fora em suas pequenas manifestações.

Outros mistérios apareceram, já não bastasse os outros deixados em aberto na primeira temporada. A terceira já está rolando com a participação de Rodrigo Santoro. Aguardo , por mais esta temporada de sucesso e que está longe de terminar.

Acredito que Lost está para a televisão – guardada as devidas proporções -, assim como “O Poderoso Chefão” está para o cinema. Emocionante e imperdível.

7 de novembro de 2006

A Pequena Miss Sunshine – Jonathan Dayton

Tenho feito poucos textos ultimamente. Uma baita falta de tempo, o serviço me consumindo, aliado ao fato de estar sem computador, tem me afastado do blog , e (engraçado) uma certa estranheza, de minha parte acontece, quando resolvo escrever algo. Alguns dias já bastam para enferrujar a cuca, e a falta de tempo... Mas vamos lá, sendo este espaço muito do meu, posso fazer o que quiser com ele, até escrever sobre outras coisas que não sejam cinema.

Hoje apenas quero saborear o fato de ter assistido o filme acima e dizer que fazia (muito) tempo que não dava tanta risada com um filme, como este. Muita risada mesmo, e não era só eu. Todo o cinema lotado (Kinoplex Itaim) não parava de rir, numa comunhão maravilhosa de bobos alegres. Quando não estava rindo, estava com um sorriso de orelha a orelha. E olha que eu não estava num bom dia, na verdade estava estressado, cansado e carente.

Alguma coisa de errado acontece com os grandes estúdios na metrópole mundial do cinema. Suas grandes produções não atingem o público, seja em afeição, empatia ou mesmo grana. Existe uma falta de criatividade generalizada, e é nas produções independentes que vemos algum tipo de novidade, ou então nos seriados americanos, que antes rejeitados pelas estrelas, virou febre mundial.
Particularmente, dos filmes americanos que assisti neste ano, os únicos que realmente me agradaram, foram filmes baratos, que por vezes, atores participaram sem ao menos ganhar por isso, um exemplo é Ritmo do Sonho em que Terence Howard não recebeu dinheiro, mas faturou uma justa indicação ao Oscar. Ou mesmo filmes como Fora do Mapa, Heróis Imaginários ou Retratos de Família, que mostram que existe vida inteligente fora do circuito de Holywood.

Este “Pequena Miss Sunshine” também serve como exemplo de filme barato, (custou apenas US$ 8 milhões e demorou cinco anos para ficar pronto devido a falta de dinheiro). Atores apaixonados pelo projeto, que abrem mão do cachê, por acreditar no roteiro. Mesmo estando em franca ascensão, como é o caso de Steve Carrell, que neste filme faz o papel do tio/irmão da família em depressão, depois de uma tentativa frustrada de suicídio.

O filme conta a estória de uma família que parte em uma perua velha, para um concurso onde a filha mais nova da família, a lindinha e ótima Abigail Breslin vai disputar o título que dá nome ao filme. Acompanhamos a trajetória deles na estrada, e conhecemos cada um deles, e suas particularidades. O avô doidão, cheirador de heroína; o filho mais velho, leitor de Nitzche; o pai falido, que trabalha com palestras (vazias) de auto-ajuda. Todos os atores estão ótimos, numa rara comunhão de talentos. E o que vemos é uma verdadeira comédia, que nos faz rir muito.São noventa minutos de gargalhadas soltas, num texto simples e prazeroso. Só a cena do concurso, onde o apresentador canta, totalmente desafinada, uma canção ufanista americana, já vale o filme. Fora o fato de ter ficado praticamente a primeira meia hora do filme sem parar de rir.

Miss Sunshine consegue seu intento que é fazer rir, ser sem bobo. Uma deliciosa comédia que te faz sair do cinema de bem com a vida, pois rir sem culpa faz muito bem para a alma. Saí leve e feliz do cinema. O que há de melhor para uma comédia? Este é um daqueles filmes que sei que irei assistir muito mais que esta única vez.

2 de novembro de 2006

Pintar ou Fazer Amor – Arnaud Larrieu e Jean Marie Larrieu


Eis um filme que me surpreendeu. Não pensei que iria gostar tanto deste filme, que altamente recomendo. Pouco sei sobre cinema, não assisti nem 10% do que gostaria. Mas acho que este filme bebe na fonte de seus próprios conterrâneos como Rohmer.

Eu, como por vezes sou muito ranzinza, achei que se tratava daqueles filmes europeus em que todo mundo se sente entediado na vida, talvez pelo simples fato de realmente não ter problemas de sobrevivência, então ficam inventando férulas à respeito do “complexo eu interior” de cada um. Todos sofrem, mesmo morando numa linda casa, numa cidade linda (Paris, por exemplo) e procuram achar uma forma de preencher seus vazios interiores.

Sim, o filme também é por aí, mas dizer que é exatamente assim, é pecado, pois este filme é de uma beleza incrível, realmente me surpreendeu.

Conta a estória de uma casal que se muda para uma casa de campo, e constroem uma amizade intensa com outro casal morador do local. Está convivência trará grandes descobertas a cada um deles, principalmente no campo sexual. Dizer mais seria estragar o filme para quem ainda não assistiu.

Mas realmente o que mais me impressionou foi a forma sensível como é mostrado este convívio destes dois casais, e suas descobertas interiores. O filme passa, e a cada momento se torna mais elegante em sua levada. Prova de que, às vezes, pode-se fazer grandes coisas com um enredo simples.Fotografia linda, e direção inventiva e elegante fazem deste filme um dos meus preferidos do ano.

Engraçado é que enquanto assistia ao filme, não parava de “tocar” na minha cabeça, uma das músicas do último cd do Chico. E depois que saí do cinema ela continuava a tocar na minha mente. Mesmo agora escrevendo a respeito, foi a primeira coisa que passou na minha cabeça. Talvez o filme, assim como está música do mestre Chico, sejam meio que subestimados pelo público. De qualquer forma, na minha louca cabeça, acho que se encaixam perfeitamente música e filme. Não à toa, Paris é onde Chico tem a sua segunda casa, ele pode.

Enfim, um filme altamente elegante e sensorial. Um bom exemplo é a cena em que todos caminham pelo escuro de uma mata, e a tela fica totalmente escura, e nós espectadores ficamos no escuro também junto com os personagens. Belas imagens, para um filme que não procura respostas, apenas abrir frestas da mente de seus personagens, com elegância e inteligência. Exatamente como as músicas do Chico Buarque, que abaixo cito a letra da canção que grudou na minha memória:

Leve – Carlinhos Vergueiro/ Chico Buarque

Não me leve a mal,
Me leve à toa pela última vez
A um quiosque, ao planetário
Ao cais do porto, ao paço

O meu coração, meu coração
Meu coração parece que
Perde um pedaço, mas não
Me leve a sério
Passou este verão
Outros passarão
Eu Passo

Não se atire do terraço,
Não arranque minha cabeça
Da sua cortiça
Não beba muita cachaça,
Não se esqueça depressa de mim, sim?
Pense que eu cheguei de leve
Machuquei você de leve
E me retirei com pés de lã
Sei que seu caminho amanhã
Será um caminho bom
Mas não me leve

O meu coração parece que
Perde um pedaço, mas não
Me leve a sério
Passou este verão
Outros passarão
Eu passo

1 de novembro de 2006

Relação de filmes - Outubro de 2006

Filmes assistidos no mês de Outubro de 2006 por ordem de preferência.



1 – LOST (2º temporada completa - DVD) - J. J. Abrams * * * *

2 – Pintar ou Fazer Amor - Arnaud Larrien * * * *

3 – Estamira - Marcos Prado * * * *

4 – Fora do Mapa – Campbell Scott (DVD) * * * *

5 – Guerra Conjugal - Joaquim Pedro de Andrade * * * *

6 - O Padre e a Moça - Joaquim Pedro de Andrade * * * *

7 – Crônica de Uma Fuga – Adrian Caetano * * *

8 – Buena Vida Delivery - Leonardo de Cesare * * *

9 – O Que Você Faria ? - Marcelo Pineyro * * *

10 – Herói - Zhang Yimou (DVD) * * *

11 – Obrigado por Fumar – Jason Reitman * * *

12 – Em Minha Terra – John Boorman (DVD) * * *

13 – Wood e Stock – Otto Guerra * * *

14 – Dália Negra – Brian de Palma * * *

15 – Vem Dançar – Liz Friedlander (DVD) * *

16 – Gatão de Meia Idade - A. C. Fontoura (DVD) * *

17 – As Torres Gêmeas – Oliver Stone * *

18 – Um Cara Quase Perfeito – Mike Binder * *

19 – A Vida Está em Outro Lugar – Frederic Choffat * *

20 – O Cara – Les Mayfield (DVD) *

21 – Muito Gelo e Dois Dedos D´agua - Daniel Filho *

22 – O Albergue – Eli Roth (DVD) *