17 de dezembro de 2011

As Canções – Eduardo Coutinho



Fim de ano conturbado, cheio de serviço, não tenho tido tempo de ir ao cinema o mínimo possível que gostaria, mas dei uma escapulida e fui conferir este novo e aguardado filme documentário. Sem surpresa nenhuma, saiu do cinema com os olhos encharcados pela emoção e pelas lagrimas.
Muito esperto este Coutinho, pois percebeu que tanto em “Edificio Master” naquela cena em que um senhor destila emoção de uma vida inteira cantando “My Way”, quanto no fantástico “Jogo de Cena” quando uma senhora chora cantando “Se Essa Rua Fosse Minha” relembrando o pai saudoso. Meio que sem querer, fez  ali um gancho para outro filme em que uma simples música traduziria toda uma vida. Procuro em minha memória uma música assim, mas infelizmente ainda não a tenho, ou tenho várias, sei lá...
  Com uma ideia simples e original, o diretor mostra neste documentário, dezoito pessoas “comuns” relembrando e cantando a música de suas vidas. Mas o talento do diretor se mostra quando ele consegue arrancar confissões delicadas, doídas e deliciosas de pessoas aparentemente comuns. Falo pessoas comuns, porque a sensação que tenho depois de ouvir cada confissão é de que cada uma delas é extremamente especial, o cenário tosco de uma cadeira e mais nada nem aparece mais, o que vale é suas feições, seus olhos, ao falarem de suas emoções. Quanta riqueza em cada gesto, em cada olhar! Dá vontade de abraçar um a um, e dizer sim, eu te compreendo, meu amigo, minha amiga. “Se chorei ou se sorri/ O importante é que emoções eu vivi”.  E dá-lhe Roberto Carlos! Fico imaginando o dia em que ele for morar com outros anjos, a comoção que tomará conta deste Brasil. Neste filme podemos perceber o quanto este homem é amado! Mas isso é outra história.

Um amigo costuma tirar sarro de mim, dizendo que gosto de filme de “pessoas”, e é bem verdade, portanto me deliciei com cada uma das músicas-histórias contadas e pude perceber para meu grato espanto que as pessoas continuam românticas e apaixonadas, afinal a maior parte das histórias contadas falam de amores perdidos, e principalmente, de um tempo perdido. É o tal do saudosismo que sempre me aflige, e que sempre procuro mostrar em demasia nas minhas escritas aqui neste mesmo blog. Pois descobri que não sou o único e que isso não tem nada demais, é até bom, mostra que estou vivo, muito vivo.
“Sempre quando eu venho aqui/Só escuto de você/ Frases tão vazias que pretendem dizer/Que já não preciso mais seus carinhos procurar”. Difícil escolher uma história que tenha me tocado mais, mas a mulher que canta esta música, de forma tão sentida, que confessa que tentou matar o amante, saí de cena e começa a chorar atrás da cortina, fez com que eu chorasse junto com ela. É uma teia de sentimentos difícil de escapar.
Pessoas aparentemente comuns, mas riquíssimas de amor, de sentimento. Mostradas a nós por um diretor acima da média, que está se especializando cada vez mais em buscar, em investigar a fundo a complexidade de sentimentos do ser humano. Coutinho mais uma vez celebra a as pessoas, celebra a vida e procura cada vez mais entender o ser humano, e em pouco ao grande grau, usa a tela do cinema como espelho de nós mesmo. É o cinema brasileiro  no seu apogeu. Mil vezes viva!

5 de dezembro de 2011

Uma Professora Muito Maluquinha – André Pinto e Cezar Rodrigues


“Meninos correndo perigo/No brilho do sol coração/Voando cabelos de mel/Pra me ensinar a sonhar/No meio do sono sorrir/As coisas menores que tem/Deixar os abrigos pra trás/Brincar de correr e cair/ Aprender, aprender” (Os Borges).
Sonhei, sonhei sim. Um dia eu era menino, solto pelas ruas de uma cidadezinha histórica mineira. Adoro Minas Gerais! Imensa pro meu tamanho de menino novo. Assombrado, corria pelas ruas de pedras, mirando sempre aquela montanha. Mas nunca ia sozinho, trazia os sonhos e os pés sujos de estrelas, colhendo o que eu tinha de novo, plantando o que eu era de velho. A companhia era de outros como eu , meninos novos, sonhos novos, éramos os Mosqueteiros, éramos heróis de nossas próprias aventuras. Tudo tão gostoso de ser e viver. Alegria de ser livre, de banhar cachoeira, de rodar o pião, de chutar a bola. Num instante, num instantinho só, nem olhava pras meninas, num outro já estava embriagado de paixão pela loirinha sardenta que até chegava a doer no peito. Tudo tão imenso, tudo tão rápido para um infante brilhante. Foi quando apaixonei também pela professora, tão diferente das outras professoras que mais pareciam estar em luto constante, em nome de Cristo. Os meninos queriam crescer logo para pedi-la em casamento, as meninas admiravam e queriam imita-la, tão diferente que era ela, tão alegre e espontânea. Um dia, me deu um beijo na face e do doce sonho – é pena – acordei. Hoje, já menino velho, penso como seria bom ter sido aquele menino novo, assim quem sabe, não teria os sonhos todos meus, pouco a pouco, caídos, perdidos no pó da estrada.
É pena, mas não tive esta infância mineira tão cheia de tesouros, cresci em meio à arranha-céus, num característico cinza paulistano onde o medo da violência e afins, nos obrigava a ficar engaiolados nos prédios. Será que esta infância contribuiu para este meu jeitinho por vezes tímido, acanhado e estranho? É claro que sim. Acredito piamente que quem tem uma infância livre, que é criado feito bicho solto, acaba acumulando pontos felizes para uma vida adulta. Bom é ter lembranças, histórias pra contar, não é à toa, os mineiros são tão bons nisso.
Bom exemplo é o menino velho, cartunista, jornalista e escritor Ziraldo, que há tempos encanta gerações e gerações com seus personagens de seus livros. Quem não leu e se divertiu com o “Menino Maluquinho”? Primeiro livro que ganhei bem novinho. Outro exemplo de bom mineiro a lembrar da infância é Fernando Sabino com o tantas vezes lido por mim “O Menino no Espelho”. É na infância que se encanta ou se desencanta com a vida, lá se faz o homem.
Neste pequeno e delicioso filme, terceiro baseado nos livros de Ziraldo e com roteiro do próprio, o que impera é a sensação de nostalgia. É um filme para crianças, mas não necessariamente, como facilmente se supõe. É, antes de qualquer coisa, para os meninos velhos, para aquelas crianças que ainda habitam e estão guardados no sentimento de muitos adultos. Lembranças daquilo que foi (como no caso de Ziraldo) ou que poderia ter sido (meu caso). Outra época, outro jeito de ser, mais inocente, menos efêmero.
Única exigência de Ziraldo para a produção deste filme: Paola Oliveira como a protagonista. Decisão mais que acertada, pois Paola carrega o filme com seu charme, beleza e- que bom – muito talento. Outro tipo de beleza, que não vemos mais por aí, já que a vulgaridade passa longe deste filme tão singelo e bonito. Um filme modesto, mineirinho, gostoso de ser e ver.  Que tem em Paola Oliveira e na recriação de Minas Gerais dos anos 50/60 seu grande trunfo. Passou quase que despercebido pelos cinemas, mas merece uma chance aos olhos de todos os meninos novos e meninos velhos que guardam (ainda) poesia dentro de si.


23 de novembro de 2011

A Pele Que Habito – Pedro Almodóvar


Assim que a última cena termina, fico indignado, pois logo em seguida as luzes são acessas. Em casos como este, o cinema deveria dar mais um tempo, para que a gente possa se recompor. Não, não pode ser, deve haver algum engano, eu quero mais, eu quero muito mais, não é possível que tenha acabado. Como assim? A coisa continua, tenho certeza, quero saber mais de Vera (Elena Anayla)... Mas não tem jeito, o filme acabou mesmo, na sessão assistida ontem à tarde. Ou melhor, não acabou não, continua passando dentro de mim, continua crescendo, crescendo  e me estimulando, e cada cena assistida é lembrada por minha memória, de forma disforme, mas presente em mim desde ontem, me estimulando, me impelindo a pensar cada vez mais nesta obra-prima de Almodóvar . É, o gênio espanhol voltou com tudo neste drama - terror, e os cinéfilos de plantão podem soltar os fogos, pois esta é sua melhor obra desde “Fale Com Ela”, o que convenhamos, não é pouco.
Mas me sinto incomodado em escrever sobre este filme, pois é uma daquelas obras tão imensas e complexas, que realmente não me sinto com capacidade e talento para tal. Fora isto, seria um absurdo ficar detalhando minhas primeiras impressões a respeito do filme, pois qualquer coisa mal escrita, traria a quem ainda não o viu, revelações que só devem ser saboreadas na grande sala escura. É um filme de mistério, de surpresas, que só um cineasta genial conseguiria fazer. Posso até falar uma besteira, mas este filme me remeteu a “Um Corpo Que Cai” do velho mestre do suspense Hitchcock, onde o que vemos na verdade nunca é realmente o que parece, e a tragédia espreita as relações de amor, ódio e dor dos personagens. E sim, cometo a (talvez) heresia de comparar os dois diretores, pois na verdade, acho que com esta obra imensa, Almodovar já merece estar e ficar ao lado do mestre do suspense, honra para pouquíssimos, bem eu sei.
Esta história é contada com idas e vindas ao tempo, forma necessária assim como em “Abraços Partidos”, mas é com “Matador” que vejo maior semelhança dentre as obras do cineasta. A morte e o sexo, - assim como em praticamente todos os filmes do cineasta - se faz mais que presente neste seu último trabalho,que esta mais para um terror. Aqui não cabe a tão usual comédia de seus filmes, mas todas as outras formas usuais (cores, transformistas, machões imbecis) estão presentes.
 Antonio Bandeiras encarna com perfeição seu personagem (Robert Ledgard), um cirurgião plástico, extremamente comprometido com seu trabalho, principalmente depois de ter perdido sua esposa num incêndio e logo em seguida sua única filha. Não é à toa, ele lembra o médico e o mostro, no afã de construir a pele perfeita, a prova de mosquitos e queimaduras. Para isso passa por cima de tudo e quebra todas as regras. Ele sempre é auxiliado por Marilia (Marisa Paredes), sua empregada, que guarda grandes segredos a respeito de ambos. Neste cenário, vemos Vera presa numa espécie de cativeiro, na clinica do médico e ficamos a imaginar o porquê daquilo. O diretor presenteia o público masculino (e feminino também, por que não?) com generosas cenas tesudas de nudez da exuberante Vera, para depois cobrar o preço... Obviamente, o buraco é muito mais profundo do que nossa imaginação consegue chegar. A identidade, ou mesmo a falta dela, permeiam todos os personagens, e com o roteiro, a edição de idas e vindas, e a primorosa direção de Almodóvar, os nós são desatados, e nada era realmente o que parecia.
Ponto para o cinema muxoxo deste, que precisava desse respiro, pois isto é cinema. Ponto para Almodóvar, que nos presenteia com mais um cinco estrelas, um de seus melhores trabalhos, entre os já melhores, demonstrando seu total domínio em sua arte. Quem ainda não viu, corra ao cinema (em DVD é heresia), para ter uma aula de cinema. Amanhã irei de novo, é claro, pois é muita coisa para uma sessão só.

17 de novembro de 2011

O Indomado – Martin Ritt


“Você é um homem sem princípios, Hud”. Diz o pai para o filho, em mais uma das diversas discussões, fato que também desenha um embate entre um país com seu passado, sua história e seu futuro, até então incerto. A América empreendedora, que conquistou o oeste, a democracia e uma moderna constituição se mostra velha, a cargo de uma nova geração que quer se livrar do antigo e construir uma nova forma de viver, mais egoísta, onde as leis são para serem interpretadas livremente, de acordo com o gosto e a necessidade de cada um. Hud é o desenho menos sombrio do que se tornaria o americano típico, engolidor de mercados e economias globais. E entre pai e filho, entre uma América antiga e a nova por vir, fica Lonnie, o neto, que se vê no meio disso tudo. Como diz o avô: “Uma hora você vai ter que escolher entre o certo e o errado, e o caminho a seguir”.
Homer (Melvyn Douglas) é um homem à moda antiga, empreendedor, como aqueles heróis americanos tantas vezes mostrados nos filmes de John Ford, por exemplo, daqueles homens que sabe a constituição praticamente de cor, acredita no trabalho, nos seus princípios e em sua ética. Não aceita perfurar suas terras atrás de petróleo enquanto viver, pois o ganho do homem, segundo ele, tem de vir do esforço da lida, do trabalho braçal. Mas não é um romântico, um bobo qualquer, apenas um homem integro. Um velhinho bom, que qualquer um adoraria como avô, como na cena em que canta junto com o neto no cinema. Cena que faz com que temos vontade de abraça-lo carinhosamente. Mesmo assim, guarda muita magoa dentro de si, depois de perder seu filho mais velho, pai de Lonnie, num acidente de carro em que o filho mais novo Hud conduzia o veiculo.
Hud (Paul Newman), o indomável do título, o oposto do pai, traz em si uma força enorme, uma beleza hipnotizante, mas sua força é movida a egoísmo e egocentrismo. É um beberão sem limites, mulherengo e bonitão por demais. Não há limites para suas vontades, maltrata as pessoas, principalmente aquelas as quais ama e finge não amar.  Sedutor e perigoso, ele parece ter consciência de seu egoísmo destruidor, mas se mostra cada vez mais o avesso do seu avesso, só de birra. Mesmo errado, esta certo, seja qual for o preço a ser pago.
Entre Homer e Hud vive o jovem Lonnie, que entre os embates do sedutor tio e o amoroso e correto avô, se vê dividido, tentando descobrir o certo para si, o seu caminho, na solidão da sua juventude e descoberta de sua libido, de seu desejo de homem em formação. Bem demonstrado no seu relacionamento com Alma, a empregada da casa, pois o que era apenas carinho maternal, aos poucos se transforma em outro tipo de atração, a sexual.
Alias, se Lonnie tem um desejo tímido e inexperiente por Alma, isto não se aplica ao seu tio Hud. Há entre ele e Alma uma atração sexual imensa em todos os momentos em que estão juntos, sendo um show à parte naquele já difícil convívio familiar. Em cada palavra, na maioria de duplo sentido, em cada olhar, em cada gesto de um para o outro. Mas Alma é uma mulher calejada e maltratada pela estrada da vida. Ela sabe que ele é bonito demais, mas perigoso demais. A experiência com outros homens, parecidos ou iguais à Hud, a seguram de se entregar, mesmo que tudo nela diga exatamente ao contrario, pois seu corpo arde em fogo, em desejo, num trabalho sutil e maravilhoso de Patricia Neal (a “decoradora” de Bonequinha de Luxo), que não por acaso ganhou um Oscar mais que merecido, assim como Melvyn Douglas por suas respectivas atuações neste filme.
Uma obra-prima, que tranquilamente você assiste por diversas vezes – eu já vi três vezes – e não se cansa. Emoldurado sobre um preto e branco esplêndido e também ganhador de um Oscar pela fotografia. Sobre homens e mulheres, sobre um país em constante mutação, para o bem ou o mal. Uma obra-prima sobre a América e seus caminhos e descaminhos. Obrigatório para quem diz gostar de cinema.

9 de novembro de 2011

O Palhaço – Selton Mello


Segunda-feira, dia 07/11, cinema lotado às 14h00hs num dos shoppings de Sampa. Não, não é a Mostra, é a promoção do cine nacional à R$ 2,00 a sessão. Quatro filmes assistidos e notadamente um público presente não acostumado à cinefilia, atraídos pelos valores não extorsivos, que lembram os preços praticados nos anos setenta e oitenta, quando – segundo minha mãe – o preço do ingresso era o mesmo da passagem de ônibus. Não é à toa que as pornôs chanchadas faziam tanto sucesso na época. Tá cada dia mais difícil ser um cinéfilo. Como pode uma sessão de cinema custar R$ 20,00? Quem é cinéfilo não vai uma vez por mês ao cinema, muitas vezes vão duas ou mais vezes no mesmo dia. Outro dia estava eu juntando os últimos trocados para uma sessão no Unibanco da Rua Augusta, quando para em frente ao cinema, uma Chrysler preta ainda sem placa de tão nova, e de dentro sai uma linda moça às pressas e encontra com a amiga já na fila na minha frente. Ela se põe a reclamar da lerdeza do motorista e saca sua carteirinha da USP para sua meia-entrada, e eu ainda juntando os trocados para uma inteira, sem sobra nem para o pastel chinês. Tadinha, ela deve ter ficado sem ir ao cinema por estes dias, ocupada nos campus da USP, a pedir junto com os coleguinhas, seus “direitos” e privilégios, como temos acompanhado pelos jornais. É, palhaçada, ou melhor, palhaço, sou eu...
Por falar em palhaço, a julgar pelos quatro filmes que assisti (Uma Professora Maluquinha, OS 3, Família Vende Tudo), sem dúvida o sucesso abraçou este segundo filme de Selton Mello. Sala lotada e público barulhento que no inicio me incomodou, mas com o passar do tempo, fui ficando indiferente, afinal estávamos numa espécie de circo no cinema e o show não pode parar.
O filme começa e não consigo tirar o sorriso do rosto – e olha que sorrir não tem sido ultimamente o meu forte - durante toda a projeção. Meu Deus, que filme lindo, lindo, lindo!Cheio de lirismo, de poesia e (talvez) de uma beleza que quase não existe mais, de um tempo e jeito antigo. Contraponto para aquele circo mambembe, feito na raça, no amor, à procura das últimas crianças ainda inocentes com aquele brilho no olhar. O alimento do palhaço é o riso solto das crianças. Não é à toa que em um certo momento do filme, simbolicamente, a linda e ambiciosa  engolidora de fogo é derrotada pela lindinha garota das asas de anjo. É a pureza vencendo a traição, pois naquele ambiente só deve sobrar espaço para a confiança e fidelidade para com a trupe, que com isso ganha sua sobrevida. Coisa muito difícil já em meio a aquela vida sem dinheiro, sem destino certo, pelas estradas, pelos sertões brasileiros à procura do povo, muito longe das capitais. Faz lembrar com saudade “A Viagem do Capitão Tornado”, obra-prima de Ettore Scola. Salve, salve os últimos guerreiros artistas de circo. Mesmo coma a falta de grana, mesmo coma lona gasta e remendada, mesmo com toda a tecnologia, games e afins trabalhando contra... “o circo chegou/ vamos todos até lá.../ palhaço que é o ladrão de mulher”.
Em  Feliz Natal,seu primeiro filme, inspirado em John Casavettes, Mello foi mais autoral e mordaz, contando a história de uma família em frangalhos num (des)encontro, numa irônica noite de natal. Filme depressivo e triste, não obteve, obviamente, o público e o reconhecimento que merecia. Vale uma revisão.
Em recente entrevista ao programa Vitrine, Selton Mello declarou que se inspirou em dois diretores com os quais já trabalhou e muito admira para este seu segundo filme. Sua ambição seria transitar (ficar no meio termo) entre o cinema popular de Guel Arraes (“Lisbela” e “ O Alto da Compadecida”) e o autoral Luiz Fernando Carvalho da obra-prima “Lavoura Arcaica”. A julgar pelo resultado nas telas, ele consegue mais que isso, pois encontra seu próprio caminho.
“O gato toma leite, o rato come queijo e eu nasci palhaço”. Será um caminho duro para Benjamin (Selton Mello), até entender as palavras do pai também palhaço (Paulo José). Benjamin se sente cansado e - mais até do que o próprio pai com sua velhice –  deprimido, com a vida de circo. Seu desanimo é nítido, principalmente com a parte burocrática de ter que administrar um circo praticamente falido, tendo de “beijar-mão” de cada prefeito em cada cidade em que o circo é montado. Sua ambição é conseguir tirar sua identidade e principalmente comprar um ventilador, coisas simples, mas que são cada vez mais difíceis de conseguir, alimentando cada vez mais sua angustia. “Estou cansado do que sou, e cansado do que não sou”, diz ele, e perdido em si mesmo, em certo momento abandona o circo e sai pelo mundão, a fim de se encontrar, ou melhor, encontrar (talvez) a carteira de identidade e o tão sonhado ventilador. Logo, percebe que é preciso se perder para se encontrar e entende as palavras do pai. O reencontro de pai e filho no picadeiro, a troca de olhares de ambos sem uma palavra sequer já valem o filme. Alias, é nos longos silêncios de Benjamin que mais o entendemos, as coisas não precisam ser ditas, para serem entendidas.
Bom diretor, excelente ator. Selton Mello encarna (tem o João da Ega em Os Maias, mas é minissérie) seu melhor personagem, antes oferecido e recusado por Wagner Moura e Rodrigo Santoro. Sorte a nossa, fica difícil imaginar Benjamin com outra cara, outro jeito. Selton está perfeito, assim como toda a trupe de coadjuvantes que aparecem no filme, em especial Moacir Franco, que rouba a única cena em que aparece nos deixando com gosto de quero mais. Alias, todos da trupe mereceriam um pouco mais, o que me leva a crer que a muito a ser explorado a partir do mesmo roteiro. Não duvido nada que deste filme, surja no próximo ano, uma série na TV Globo. Valeria mil vezes mais do que “ A Mulher Invisível” que acontece no momento na TV e também é uma espécie de continuação de outro sucesso protagonizado pelo próprio Selton Mello.
Um ator em estado de graça, e um baita diretor em formação, cada vez melhor. Onde será que Selton Mello irá chegar... Seja onde for, esta no caminho certo.

28 de outubro de 2011

Trabalhar Cansa – Juliana Rojas e Marco Dutra


Terminada a sessão, sinto um gosto amargo na boca. Verdadeiro terror, para quem já passou por uma situação semelhante, aquela última cena não saiu da minha cabeça. Já não basta a humilhante situação de estar no desespero, pedindo emprego, passar por aquela “dinâmica de grupo” é o fim mesmo, bem sei, ô se sei. Impactante, é um grito que quebra os botões da camisa de linho, que rasga a gravata apertada há tempos no pescoço. Um grito de horror, solitário, em meio à multidão, que serve também para tirar o cinema nacional do marasmo em que se encontra. Do lado de fora do Frei Caneca, no termino da sessão vazia, imenso burburinho na espera das novidades da Mostra anual de cinema. Festa a qual novamente me excluí. Falta de grana, falta de tempo, o sol não aquece a todos e eu me sinto pálido, desmotivado, esperando o bonde que já faz tempo, perdi. Há algum tempo atrás, um terapeuta de plantão me aconselhou a sair por aí, em algum descampado, lugar isolado e amplo, onde não seria preso por loucura ou lucidez excessiva, e berrar, berrar! Soltar os bichos de dentro de mim. Ainda não o fiz, os arranha-céus me impedem. Mas rapidamente me imagino assim como o personagem de Marat Descartes, berrando e batendo no peito feito um macaco. Regressão total, de homem discreto e educado, voltando ao homem de Neandertal. Já pensou, que legal, um homem macaco pulando dentro do shopping em meio aos sorrisos dos modernos e das etiquetas  caras  das finas moças. Soltar um jegue no aterro, na hora do rush, só pra variar, como já dizia Rauzito.
Mas o que fazer quando a situação se torna insustentável  e você não consegue sair da areia movediça em que se meteu? Cadê a corda? Ou mesmo a mínima força de vontade de sair de uma situação aparentemente sem solução? É assim que o personagem se sente. Um homem provedor de meia idade, que vê seu mundo desmoronar quando perde o emprego, e consequentemente toda sua forma confortável forma de viver. Um forte sentimento de inadequação, de pequenez o envolve. Parece até, uma continuação do seu personagem do filme “Os Inquilinos” do subestimado Sérgio Bianchi, onde seu personagem também se vê as voltas com situações – seus vizinhos marginais – com as quais se sente impotente, menos homem mesmo.
Em contra partida, estes não são seus únicos problemas, pois tem o negocio de sua esposa e outros bichos, escrotos. Acostumada a doce vida do lar, em uma vida de calmaria e segurança, sua esposa vivida por Helena Albergaria (ótima atriz, que eu não conhecia), se espelha na nova mulher ativa dos tempos novos e resolve abrir um negócio próprio, se aventurar no trabalho, invertendo a situação da família, e abre um minimercado. Acontece que com isso outros problemas surgem. Na sua nova dinâmica, é obrigada a contratar uma empregada doméstica (bicho estranho, mas sem carteira assinada, e mínimo do mínimo que já tá bom demais!) para administrar seu lar, e seu mercado começa a apresentar vários problemas estruturais. Bichos estranhos pululam das suas paredes, do seu chão, líquidos negros e fétidos, ninhos de minhocas, baratas, vísceras e ossos milenares aparecem para desestruturar sua boa vontade e consequentemente sua relação com todos seus funcionários. Realismo fantástico? Terror psicológico? Alucinações? Tudo se mistura numa equação de difícil entendimento ou solução. Alusões, metáforas para a decadência de uma classe social que rapidamente, precisa se adequar a um novo ritmo social e econômico de viver. Dentro daquele mercado, dentro daquela família, o tal do boom econômico e prospero que decantam jornais, juntamente com o governo atual, ainda não deu as caras. É o mostro invisível, que talvez só o cachorro do vizinho – que insiste em latir o tempo todo – enxerga, que vai minando as forças dela física e emocionalmente.
Cientistas já comprovaram, que se uma bomba atômica acontecer neste mundo de homens vis, só as baratas sobreviverão. Seria então, o mundo no fim, habitado apenas pelos bichos peçonhentos. Alusões à parte, saindo do cinema, uma música não para de tocar na minha mente, que casa perfeitamente com este original e ótimo filme: “Bichos Escrotos/Saia do esgoto/ Bichos Escrotos/ Venham enfeitar/ Meu lar, meu jantar/ Meu nobre paladar”.

10 de outubro de 2011

Atraídos Pelo Crime – Anthony Fuqua


Não vai haver amor neste mundo nunca mais. Pelo menos no Brooklyn, em Nova York, segundo Anthony Fuqua. Neste filme, não há respiro ou alívio para qualquer um dos três policiais que conduzem a trama. É uma descida sem escala até o inferno, sem chance de redenção. Qualquer bairro violento aqui no Brasil parece a Disney, comparado ao que vemos neste filme. Bandido e mocinho se confundem em cores cinza, difíceis de digerir.
A começar pelo policial vivido por Ethan Hawke que – muito parecido com Di Caprio em Os Infiltrados – destila em cada segundo na tela uma urgência desesperada, como se estivesse sendo tragado por um tonel de areia movediça. De família italiana e extremamente católica, depois de realizar uma “justiça alternativa”, tenta se confessar e não se conforma apenas com o perdão de Deus, ele quer também sua ajuda. Mas suas atitudes o colocam cada vez mais distante das cruzes que o perseguem. Para tentar ajudar a família numerosa a melhorar de vida, se vê cada vez mais distante de Deus e próximo ao inferno. É um caminho sem volta.
Já o policial vivido por Don Cheadle se vê a tanto tempo infiltrado no crime organizado, que começa a questionar de que lado realmente esta. Conhecedor da burocracia e corrupção que toma de assalto à instituição para a qual trabalha e até então acreditava, se vê entre a cruz e a espada quando tem que entregar um amigo do crime vivido por Wesley Snipes. Sabe que mesmo não estando do lado certo – qual é o lado certo num mundo cheio de erros? – uma amizade sincera é um tesouro difícil de abrir mão. Mas acima de tudo, o que ele quer desesperadamente é sua vida de volta, talvez até tentar reconquistar seu casamento fracassado. Mas o tempo sem sua identidade verdadeira lhe cobrará um preço alto, talvez até seja tarde demais.
Já o terceiro policial vivido por Richard Gere, é tão ou mais complicado que os outros. Faltando apenas uma semana para a sua aposentadoria, ele mais parece uma pessoa sem emoção, sem alma. Os vinte e tantos anos dedicados a sua profissão, lhe foram tirando ano a ano, seu sangue, sua cor. E principalmente a crença na vida e nos outros seres humanos. É tido como covarde pelos outros policiais. É notório que os anos na corporação lhe tiraram a esperança de que algo ao alguém possa melhorar. Tanto faz estar vivo ou morto, pois já se sente morto em vida, e demonstra isso fazendo roleta-russa pelas manhãs junto a um copo de uísque. Mesmo que (sem querer) aos quarenta e cinco do segundo tempo, a vida lhe conduza a um ato heroico, que até pudesse lhe trazer algum alento, ele olha logo após diretamente para a câmera, dizendo com os olhos pesados: “E daí?” Como se o que acabará de fazer  é muito pouco diante do irreversível horror da vida. Sua alma perdida se confunde com o que presencia diariamente.
No seu filme anterior “Dia de Treinamento”, Fuqua conseguiu sucesso e reconhecimento, assim como Denzel Washington conquistou seu merecido Oscar por viver (também) um policial corrupto. Mais uma vez ele acerta a mão, se mostrando um grande diretor de atores, extraindo de seus protagonistas, grandes interpretações que por si só já valem o filme, com destaque para Ethan Hawke. Mas talvez o que explique o fato deste filme, superior ao anterior, não ter feito o sucesso merecido é o clima de desesperança e desalento que o permeiam. Corajosamente, não há concessões, nem esperanças de dias melhores. Um pouco demais para uma América em frangalhos economicamente. Uma América que aos poucos descobre que já não carrega mais o bastão da vitória, do primeiro lugar do pódio. Onde estão os velhos e bons heróis americanos? Certamente não estão no Brooklyn, nem na policia americana, segundo este talentoso diretor que consegue a proeza de fazer mais um filme policial, com seus clichês contumazes, mas com talento consegue fugir do lugar comum, com uma obra triste, mas acima da média.

4 de outubro de 2011

Bonequinha de Luxo – Blake Edwards


Aquela sensação maravilhosa de se assistir a um filme imenso, delicioso e emocionante, aconteceu com este filme, que estava guardado, esquecido na prateleira lá de casa há tempos. Este é um daqueles filmes que por puro preconceito, fui deixando de lado, para assistir um dia qualquer, quando não tivesse algo melhor. Quanto engano. Achava que pelo título original, ou pelo que eu ouvia falar, seria um filme ligado à moda, ou de uma maneira geral ligado a futilidades. De novo, que engano. Devo dizer que não sei, não compreendo, meu tico e teco não conseguem entender esta coisa, este glamour ligado à moda, aquelas moças esqueléticas passando na passarela e pessoas sentadas aplaudindo aquilo, aquelas roupas esquisitas que ninguém em sã consciência usaria. Que graça tem tudo aquilo? Não entendo. No meu inconsciente ligava este filme a este mundo. Um erro, grande erro.
Na verdade, este é um filme para ser visto e revisto com verdadeiro deleite. A futilidade passa longe. Da lugar a uma sutil elegância  e a beleza mágica do encontro. Da descoberta do outro e de si próprio. O encontro entre dois vizinhos e são eles Holly (Audrey Hepburn, esplêndida) e Paul (George Peppard), dois perdidos, dois solitários, que apesar do contato intenso com outras pessoas, pouco a pouco, só se acham junto a alguém quando ficam juntos. São dois (elegantes) sobreviventes, erroneamente classificados como garotos de programa. Seria perfeito chama-los de “malandros” como naquela velha maneira carioca de viver, tempos atrás. Ela conseguindo enrolar seus acompanhantes com os cinquenta dólares para ir ao toalete. Ele, sendo patrocinado por uma “decoradora” enquanto procura inspiração para seu segundo romance. Eles apenas se viram- com muita elegância, é claro - como podem. Que mal a nisso? As pessoas têm dentro de si tantos matizes de cores, que fica muito difícil defini-las. Quanto de amor e dor cada um carrega dentro de si? Holly se intercala entre a futilidade, a ingenuidade e a pureza, entre outras coisas, como numa corda bamba. Quem não faz isso?
Só indo atrás de um antigo clássico, para se assistir com clareza a um filme com um enredo tão bem construído e diálogos tão deliciosos. São muitas as cenas antológicas, como quando Holly e Paul se conhecem e em poucas palavras ela se descreve a ele, como uma pessoa sem posses ou vínculos, até o dia em que encontrar o “seu lugar”, que não sabe ainda qual é, sendo assim, nem seu gato tem um nome, pois como ela, esta ali ao acaso e por isso nem sequer tem um nome.
“Ela é uma impostora, mas uma impostora autentica”. Assim Holly é definida por um advogado vivido por Martin Balsan, para Paul, na cena da festa, e que festa. Parece que Edwards se especializou nestas cenas de festas e junto com Peter Sellers, seu parceiro em outras aventuras, como no hilário “Um Convidado Trapalhão” fez outras cenas de festas tão hilárias quanto esta. É de morrer de rir a cena em que uma moça em meio à bagunça, fica se olhando no espelho e ri pra valer, para em seguida começar a chorar ao espelho sem parar, já vale o filme. Assim como na compra do presente por dez dólares na tal da conceituada Tiffanys.
O drama também tem seu lugar no emocionante encontro entre Lulla Mae e o Doutor. Mas acontece que já não existe mais Lulla Mae, apenas em alguns momentos, como quando Holly canta “Moon River” na janela de seu apartamento e Paul se vê definitivamente apaixonada. Quem não ficaria? Interessante saber nos extras que os produtores queriam tirar esta cena da canção do filme, e com isso compraram uma briga imensa com a miúda Hepburn, que virou uma leoa defendendo sua cria. Ela venceu, e esta se tornou uma das cenas mais celebres do cinema em todos os tempos.
Por fim tem a cena final, com o gato na chuva, que eu sem vergonha nenhuma assumo que chorei e ri ao mesmo tempo. Deliciosamente chorei e lavei a alma de cinéfilo que pedia um filme assim tão fabuloso. Tão romântico.
Penso se assisti algo semelhante recentemente, e não acho nada similar, mas também os tempos são outros. A velocidade do mundo, da comunicação, da internet, nos tomando, talvez não permita algo assim. Mas sou um nostálgico. Sendo assim, talvez por penitencia, por só agora descobrir este tesouro da sétima arte, assisto novamente. Quem não viu veja, urgentemente, mesmo achando ser um filme de “mulherzinha”.
Ah! Lulla Mae, a tantas coisas pra se ver. E eu também estou procurando o arco-iris, logo depois da chuva.

23 de setembro de 2011

180° - Eduardo Vaisman

Certamente, produzir um filme requer muita força de vontade, de trabalho. Aglutinando muitas pessoas, a começar pelo diretor, todos imbuídos num propósito em comum, o de se fazer um filme único. E, claro, se possível, um filme bom e aceitável. Vale dizer que meu espírito romântico, leva-me a crer que todo cineasta que se presta a esta epopeia,  por vezes heroica, que consome meses e até anos para ser concluída, tenha em seu diretor, um comandante que antes de tudo, ame, venere a sétima arte. Antes de dirigir/gerar seu próprio filme/filho, este diretor deve (acredito ingenuamente) conhecer e se basear em filmes formidáveis, e do convívio e bagagem com estas obras, estabelecer uma ponte para com suas crias. Daí surge minha angustiante pergunta: O cara não percebe que esta trabalhando arduamente num filme ruim? Que esta criando um monstro?
Detesto falar mal de filmes - pois cinéfilo, os amo-, e de maneira geral, falar mal de qualquer outra coisa. Tenho uma amiga que diz que preciso deixar de ser “bonzinho”, botar os bichos pra fora. Mas acontece que o cinema nacional este ano, está impossível. Novamente, saí do cinema me sentindo lesado pelo preço do ingresso e pelo tempo perdido. Mais um filme brazuca na lista dos piores do ano, que por sinal está concorridíssima só com nacionais. Muita quantidade, pouca qualidade.
Entendo, e em alguns casos até simpatizo com filmes feitos para o “povão”, como “De Pernas Pro Ar” ou “Muita Calma Nesta Hora”, filmes estes rechaçados pela crítica, mas sucesso garantido. São filmes que apenas querem divertir, não se pretendem maiores do que isso, então respeito. O que não suporto são estes filmes pseudo-intelectuais que se vendem como “puro-scotch”, mas são na verdade uns “paraguaios” de segunda linha. Melhor seria uma cachacinha não? Tem uns cineastas que parecem que só conhecem o circuito Vila Madalena/Pinheiros, com aquelas historinhas chatas a respeito do próprio umbigo. Mas está é outra historia.
Outro dia, um amigo crítico (mas) querido, comentou no Facebook que o argentino “Medianeiras” (Ah! Mariana, ou melhor, Pylar, espanhola  Pylar Ayala! Para de procurar Wally, eu estou aqui, minha linda!) é um filme publicitário da pior espécie. O que ele falaria então sobre este 180°? Titulo sugestivo para um filme que roda, roda e não chega a lugar nenhum, só nos meus nervos. Alias, visto a camisa argentina e uruguaia, comparando o que tenho visto dos hermanos em comparação ao cine Brasil. Viva Los Hermanos.
Este filme conta uma história inverosímel sobre um triangulo amoroso entre três jornalistas – quer coisa mais Vila Madalena do que isso -, sendo que um deles (Felipe Abib, péssimo) encontra uma agenda com listas de compras (!?) e a partir dela escreve um super best-seller. Repito, escreve um campeão de vendas a partir de uma lista de compras, e no Brasil, sendo que vale lembrar, só para se ter uma pequena comparação, que na Argentina, país do tamanho (mais ou menos) do estado de São Paulo, tem em torno de 80% a mais de livrarias que nós, leitores- pelo jeito – não tão ativos. Com este sucesso, o rapaz acaba roubando a namorada (Malú Galli) do outro jornalista (Dú Moscovis), para depois descobrir que não havia roubado apenas a namorada dele. Mas não dá para entender direito todo o “conceito”, pois as idas e vindas ao tempo, tão bem utilizado em filmes recentes como o maravilhoso “Namorados Para Sempre”, aqui funciona sempre negativamente, pois as cenas são pessimamente editadas, deixando tudo meio que em aberto. A questão aqui é saber se as coisas funcionam assim por “razões artísticas”, sabe como é, para deixar no ar aquele ar de difícil, intelectual, ou se é apenas desleixo mesmo. Acredito na segunda hipótese. Afinal, como classificar a última cena do filme? O que é aquilo?Final em aberto? Pegadinha do Malandro? O quê, como assim? Tá difícil viu.

Ultimamente, o que era um dos meus maiores prazeres, que é ir até o cinema, tem se tornado um aborrecimento, graças a esta safra tão ruim de filmes, e não estou falando apenas do cinema nacional, não. Vou ter que começar a ver aqueles filmes antigos, em DVD, guardados, que fico deixando pra depois, é o jeito.

20 de setembro de 2011

Lembranças – Allen Coulter


Para mim, a tragédia de 11 de setembro, continua acontecendo. Ali, os Estados Unidos deixaram de ser a primeira potência mundial. Com isso, seus filhos americanos, ou não se deram conta da transformação, ou apenas continuam se vendo como vítimas. Mas não só as Torres Gêmeas ruíram, a confiança também. Se junta a isso, um mercado econômico patético, pelas mãos de banqueiros e economistas que não querem  largar o osso e o resultado hoje é muito pior do que o que previa o mais pessimista democrata ou republicano. A economia está um caos e o desemprego bate recorde. Nem a morte de Osama Bin Laden harmonizou a coisa. E o primeiro presidente negro parece perdido.
No domingo retrasado se “comemorou” os dez anos do acontecimento, e entre tantas notícias e imagens na TV, que são mais fortes (ainda) do que qualquer cena de cinema, me peguei lembrando  de Caroline, uma menininha linda, personagem coadjuvante deste filme e acabei revendo em DVD.
Caroline faz parte de uma família desestruturada, desde o suicídio do irmão mais velho. Com o acontecimento, seus pais se separaram, seu irmão do meio saiu de casa, pois passou a culpar o pai empresário pelo suicídio, e ela se viu tendo problemas com falta de atenção nas aulas, e bulling das colegas. Mas coisas piores viram. A tragédia das Torres Gêmeas lhe trás outras perdas e marcará sua vida. Se antes ela já era um poço de delicadeza e tristeza, e depois do acontecido? Como uma menina como ela estaria/estará vivendo hoje, passados dez anos e ela já com seus vinte e poucos anos. Como estará sua cabeça, seu interior. Daí penso em quantas Carolines traumatizadas existem hoje nos EUA, e como trabalham seus traumas e dores. 
Outra personagem tão interessante quanto Caroline é Ally, vivido por Emilie de Ravin (a loirinha da super série LOST), que também vive com o trauma de ter visto o assassinato de sua mãe dez anos antes, numa estação de trem. Ela se apaixona por Tyler (Robert Petinsson, o vampirinho camarada) que é o tal irmão de Caroline. Alias, é aí que está o problema do filme. Cheio de coadjuvantes de peso, entre eles Pierce Brosnan, Lena Olin e Cris Cooper, o filme meio que se perde nas indagações de Tyler. A produção, ávida pelo publico da saga “Crepúsculo”, concentra suas fichas no personagem menos interessante, e com isso o filme meio que se perde, até o desfecho traumático, o atentado. Que trará mais uma morte trágica na vida de Ally e Caroline. Jovens e com tanto peso trágico nos ombros, na bela cena final que por si só já vale uma conferida no filme, Ally olha diretamente para a câmera, e sem dizer nada, parece perguntar ao público: “O que será de nós?”. Boa pergunta, pois passada uma década inteira, seu país, sua nação, ainda não sabe responder esta simples pergunta e o medo atingiu em cheio, a (ex) maior nação do mundo.

10 de setembro de 2011

O Homem do Futuro – Claudio Torres


“E você ia tirar isso dele?!” Na cena mais impactante do filme, um dos três personagens de Wagner Moura, fala isto para seu outro eu, o outro “Zero”. Quando ambos assistem ao longe, o terceiro “Zero” no palco cantando em êxtase “Tempo Perdido” da Legião Urbana. E eu na platéia do cinema, olhos marejados, não pude deixar de lembrar o quando escutei a dita canção pela primeira vez. Pois a canção havia tocado fundo na minha alma, novamente, como naquela primeira vez, vinte e tantos anos antes. De outra forma, é claro. Não sou mais tão jovem, pelo menos na idade.
Vale lembrar (acho eu) esta historinha. Estávamos na oitava série, e não era fácil escutar uma música nova como é hoje em dia. Era só rádio, e olha lá.Só os mais antigos, sabem a delícia de pegar um vinil novo nas mãos e senti-lo, namorá-lo. Tínhamos que realmente esperar sair o vinil. Lembro que eu e mais uns dois ou três malucos espinhudos, cabulamos aula naquele dia, e fomos para a porta da “Hi-Fi” da Rua Augusta. Fomos os primeiros a entrar na loja atrás do segundo e tão aguardado novo disco da Legião Urbana. Cada um comprou o seu exemplar, e fomos imediatamente para uma casa vazia (pais trabalhando) escutar aquela jóia tão aguardada. Uma, duas, cinco vezes o vinil rodou e obviamente “Tempo Perdido” causou impacto profundo em todos, principalmente em mim. Lembro como se fosse ontem. Nada seria como antes. A inocência se perdia de vez, ali com aquele monte de canções doídas de um louco chamado Renato Russo. Impacto parecido como quando escutei, anos depois, contra a vontade, devido a insistência de um  amigo em um  disc-man em frente a uma cachoeira em Visconde de Mauá, o “Clube da Esquina 2” do até então “Coração (chato) de Estudante”, mas depois disso (abre-se a caixa de Pandora, ou melhor, da MPB), genial Milton Nascimento. Ou então quando descobri maravilhado que “Twist and Shout” era de longe, muito longe, a pior música do Please, Please Me (63), dos quatro gênios de Liverpool. Tempo passado, tempo vivido, tempo perdido, reminiscências, lembranças, momentos que não tem preço... O que você estava fazendo quando escutou pela primeira vez uma música marcante como essa?
Esta música da Legião tem papel fundamental neste filme delicioso de Claudio Torres. Permeia a historia de Zero, um cientista maluco que inventa - meio que sem querer -, uma maquina do tempo para voltar vinte anos antes, na hora e no momento mais feliz e mais triste de sua vida, ele volta ao momento exato em que a paixão de sua vida, Helena, entra e saí de sua vida em uma festa da faculdade. Momento xis para seus caminhos e descaminhos futuros. Penso que se tivesse nas mãos este poder de voltar no tempo, e pudesse mudar algumas coisas, algumas atitudes, todas elas estariam relacionadas a paixões antigas. Eu que sempre fui tão desengonçado para estas coisas do coração, avançando quando é necessário recuar. Recuando quando necessário avançar...
Mas será que se eu conseguisse modificar certos momentos, as coisas seriam melhores do que de fato foram? Meus conceitos espiritualistas me dizem que não, assim como eu entendo que também é mostrado, por outro meio no filme. Mas meus conceitos não cabem aqui. Este é um filme deliciosamente pop, e Claudio Torres o conduz muito bem, mesmo que acabe derrapando um pouco, acho eu, nas cenas finais, mas vale muito à pena. Afinal, o que vale é o percurso e não a chegada.
Confesso que estava desanimado para assistir este filme (assim como os outros em cartaz) e o trailer não havia me animado pelo fato de eu ver Wagner Moura novamente num trailer cantando música da Legião. Ele fez a mesma coisa com “Será” em seu penúltimo filme: “Vips”. Que por sinal, me causou péssima impressão quando assisti. Naquele filme em que ele também interpretava vários “eus”, estava bem exagerado na atuação, e logo pensei que cairia no mesmo erro. Engano meu, ele esta perfeito desta vez, e empresta credibilidade para seus três personagens “iguais e diferentes”. Melhor ainda é sua química com Aline Moraes, que para minha surpresa, esta muito bem como Helena, assim como Fernando Saylão e Maria Luisa Mendonça como os bons amigos de Zero. Ponto para o diretor, que mostrou que sabe dirigir seus atores, neste que é seu melhor filme, apesar do grande sucesso anterior de “A Mulher Invisível”.
O cinema nacional esta vivendo um “boom” de produção e público. Mas quantidade não está ligada a qualidade. Entre ciladas e vira-latas, Torre faz um filme pop, mas não popularesco. Não é “cabeça” ou profundo, mas o mais importante é que não é raso. Cópia do cinema americano? Neste caso... Que bom!

26 de agosto de 2011

A Árvore da Vida – Terrence Malick


Eu estava tentado a não escrever nada sobre este filme. Muito já foi dito, escrito e lido a respeito. Tenho medo de me ver, mesmo que sem querer, copiando outra opinião, de algum dos muitos artigos lidos. Mas será que alguém consegue ser realmente original, ainda mais hoje em dia, já que nos viciamos e nos misturamos a um bombardeio de notícias na internet. “Quem lê tanta notícia?” , quando Caetano decantou “Sem Lenço, Sem Documento”, naquele festival de 68, nem imaginava o que viria a seguir. A impressão que tenho, é a de que quanto mais facilidade e informação se têm, hoje em dia, mas as pessoas estão ficando burras, mas isso é outro assunto...
O que me faz escrever algumas linhas sobre este filme, tem mais haver com o fato de eu ter assistido há pouco tempo os outros filmes do Malick numa mostra do CCSP. Apenas cinco filmes com este, e uma fama de reclusão que só fez aumentar uma falsa bolha de ar envolvendo seu nome e sua obra. Olhando para todos estes filmes, o que sinto em comum em todos, é a vontade de investigar o conflito eterno entre a natureza, o homem e Deus. Suas belezas, suas maldades e a divindade em meio a tudo isso. O Deus da beleza e do caos.
É neste seu último filme, que Malick tenta dar o seu salto mais ambicioso, parece que os outros eram caminhos que levariam a esta sua obra “profunda e poética”. Se em todos seus filmes, o diretor tenta passar a poesia da natureza para a tela, neste vai mais longe e tenta poetizar a origem de tudo. O Big Band, a origem do universo, do mundo, da vida, de Deus, e do amor dele para com seus filhos. Cita Jó, o filho mais sofredor da bíblia, para mostrar o convívio de um pai austero, controlador, com seus filhos, em especial, o mais velho.
Em nome do pai, do filho e do espírito santo. Aqui representados pelo pai (Brad Pitt) que maltrata para fortalecer. O filho que sofre as angústias da opressão. E o espírito santo é representado pela mãe, o amor incondicional materno, acima de toda opressão, o amor, no sentido mais lindo e puro possível. Vamos combinar que é muita pretensão de botar toda uma gênese da natureza e da natureza humana numa família só, mas Malick é sim, muito pretensioso.
Queria muito, muito mesmo, sair embasbacado, do cinema, como tenho visto e lido por aí. Gritando: Gênio, gênio! Mas nem uma coisa nem outra. Sim, é tudo muito bonito; sim, é tudo bem feito; sim, a fotografia é belíssima. Mas é tudo over demais, não precisa ser linear não, mas chega uma hora que se torna enfadonho, cansativo. Pronto, falei: enfadonho. E como disse (ó eu copiando!) meu amigo Sérgio: ”parece new age, Enya, estas coisas aí”.
Ganhador de Cannes, recluso, todos falam que Malick é um gênio, com todo aquele seu jeito “natureza-poesia áudio visual em película” de filmar. Mas me pergunto: Será que ele faria um filme... Vamos dizer: tradicional? Porque, como já disse, é tudo muito bonito (não me joguem pedras), mas tá ficando cansativo. A gente tem que ficar fazendo força para “captar” o que aquela determinada cena quis falar. Deveria ser tudo mais natural, eu acho. Uma cena me chamou muito a atenção: é quando o pai saiu em viagem de negócios e os filhos se sentem libertos da sua opressão, logo acabam fazendo coisas que não deveriam. Coisas como quebrar vidraças dos vizinhos, e principalmente, magoar a própria mãe (Jessica Chastain, maravilhosa), insultando a quem sempre os defendeu e só deu o mais lindo amor. De oprimido a opressor. Mais tarde o filho pergunta ao pai se ele puxou sua natureza “má”? É claro que sim, ele constata que sim, mas quanto floreio para se chegar nisso, ou a qualquer outro fundamento. Sim. A vida é complexa, e aquele menino, assim como este menino aqui, que escreve, carrega dentro de si toda uma herança maldita e bendita do passado. No filme, apenas no olhar melancólico de Sean Penn, sabemos que as feridas são imensas, ele adulto em meio a edifícios imponentes, concretos e elevadores imensos, em contraste com o menino solto no quintal, na infância doída e saudosa. O homem tá lá no menino. O menino está todinho dentro do homem. Que procura sua divindade através do pai maior, ou da natureza, ou de qualquer outra coisa que o afaste do vazio e da solidão. Mesmo rindo e sendo amigo, em meio há festas imensas. Quem de fato não se sente só?
Mas precisa de tanto floreio, senhor Malick? Talvez, uma revisão melhore minha avaliação, mas nem maravilhoso, nem ruim. Mais para uma bomba de ar, por enquanto.
Cinzas no Paraíso (78) – a praga na natureza e no casamento - ótimo
Terra de Ninguém (73) –  assassinatos,amor e natureza -ótimo
Além da Linha Vermelha (98) –  guerra sem sentido e mergulhos límpidos - bom
A Árvore da Vida (11) –  O big band, a mãe , o pai e o filho - bom
O Novo Mundo (05) -  -Pocahotas e o bom/mal homem branco -bom

17 de agosto de 2011

Não Se Preocupe, Nada Vai Dar Certo – Hugo Carvana


Teve um dia, tempos  e tempos atrás, que assisti “O Homem Nu” com um amigo no cinema. Enquanto eu, e muita gente na platéia ríamos pra valer com o filme (inspirado na obra do genial Fernando Sabino), este amigo permaneceu em silêncio. No final da sessão ele declarou solenemente: ”Filme brasileiro é tudo tosco mesmo, não tem jeito”. Algo parecido já havia acontecido quando assistimos anteriormente juntos “Alma Corsária’ do Carlos Reichenbach. Enquanto eu declamava “Gênio, gênio”, e conclamava umas cervejas para comemorar ao filme, à vida, ele ironicamente disse: “espero que você não queira bebericar estas brejas numa pastelaria chinesa decadente como no filme”. Cadê a sensibilidade, oras? Seguiu uma discussão onde declarei que ele assistia aos filmes brasileiros comparando-os ao cinema de fora, seja europeu ou americano, e enquanto fizesse isso, acharia tudo ruim. Cinema brasileiro tem de ser visto e feito como cinema brasileiro, não tem comparações,ele existe com as qualidades e defeitos que isso acarreta. Há tempos não vejo este amigo que nem em São Paulo mora mais. Tenho curiosidade em saber sua opinião sobre o que ele acha deste cinema certinho e plastificado com a marca Globo Filmes. Certinho, bem feitinho, tudo inho inho, como uma (das piores) novela das oito. Rock de pelúcia e sertanejos “universitários” tomam as rádios, e filmes plim-plim aos cinemas.
Voltando, qualidades e defeitos permeiam a obra paulista e forte de Carlão, assim como a obra carioquíssima e leve de Hugo Carvana. Ambos, cineastas calejados na estrada. Cineastas brasileiros, graças a Deus.
E este último filme do velho malandro ator carioca, assim como toda sua obra, é de resistência, e principalmente independência. Mais uma vez, assim como fez em todos os outros (poucos) filmes que dirigiu ao longo dos anos, Carvana evoca o seu Rio de Janeiro. Aquele Rio da sua juventude, aquele Rio lindo, da boa malandragem(onde malandro bom usava navalha e só queria se dar bem com a mulheres), das lindas mulheres. Alias, faltou mulher pelada (não nua) no filme, essa coisa de politicamente correto tá pior que censura, enfim... É a sua cidade amada, é seu orgulho, é onde sempre viveu cercado dos amigos, da boemia, e daquela paisagem zona sul, cartão postal mais belo do mundo, apesar de tudo, apesar dos anos. Quem teve o privilegio de conhecer, sabe... Aquele cheiro, aquela paisagem que tantas vezes Jobim e outros ilustraram tão bem.
Qual o problema em evocar as boas coisas da vida? A boa malandragem (que infelizmente não existe mais), o chopp gelado com os amigos e com o mar como cenário, a bela moça bronzeada e curvilínea. Afinal, quem é que não vive no saudosismo dos tempos idos, achando-os sempre melhores que os atuais? No caso do Rio de Janeiro, acredito ser realmente um sentimento válido. E Carvana faz isto, às vezes com muito sucesso como no espetacular “Bar Esperança” ou “Vai Trabalhar Vagabundo”. Ou era feio como em “Vai Trabalhar Vagabundo II” ou mesmo seu penúltimo “A Casa da Mãe Joana”. Mas ele continua firme e forte, fazendo seus filmes cariocas. Mil vivas para ele!
Neste último filme, a malandragem novamente dá o tom. Conta a historia de pai e filho que se “viram”, na primeira metade do filme, pelas estradas do Brasil à fora, trabalhando como atores, e se servindo disso para pequenos golpes. O malandro velho (Tarcisio Meira) em parceria com o malandro novo (Gregório Duvivier), entrando em enrascadas mirabolantes para se darem bem, mesmo que nada de certo. Salta aos olhos, a satisfação de Tarcisio em atuar no filme (depois de tanto tempo sem atuar no cinema), como se fosse uma grande e divertida festa (e não é?), assim como o talento de Gregório em suas cenas engraçadas, vivendo um falso “guru indiano” já no Rio, na segunda metade do filme. Tudo leve e despretensioso, sem mensagens filosófico-sociais, apenas o intuito de fazer rir, de fazer humor para o publico se divertir, sem culpa. Pra que mais?
É claro que o filme tem alguns defeitos, como a péssima dublagem na cena final, cópia desnecessária do ótimo final de “Vai Trabalhar...”, já mal utilizada em “Casa da Mãe Joana” e novamente (sem sucesso) feita neste filme. Mas nada que comprometa o todo da obra.
Certamente, não é o melhor filme de Hugo Carvana, grande diretor, grande ator, mas só vão desagradar, aqueles que sempre esperam algo “profundo”, ou seja, os maus humorados. Aqui não tem espaço para a melancolia. Só o riso.

pots: Segue minha avaliação sobre o obra do velho ator/diretor carioca da gema:

Bar Esperança - ótimo
Vai Trabalhar Vagabundo - ótimo
Se Segura Malandro - muito bom
O Homem Nú -  bom
Não Se Preocupe, Nada Vai Dar Certo - bom
Apolonio Brasil - O Campeão da Alegria - bom
A Casa da Mãe Joana - ruim
Vai Trabalhar Vagabundo II - péssimo



12 de agosto de 2011

Melancolia – Lars Von Tier

Melancolia: Psicótico; maníaco depressivo; estado de humor caracterizado por uma tristeza vaga e persistente.
Não sei qual a sensação de ter tudo o que quero, ou o que é dito socialmente, que é o que devemos querer. O que é uma vida de sucesso? Sei de um sonho que já tive algumas vezes, sonho recorrente, recente, e muito vivo na minha memória. Nele, finalmente encontro a tal da cara metade, uma moça morena que não conheço, nunca vi, mas no sonho é incrivelmente íntima, ligada ao ideal de amor, causadora de alivio a uma das minhas mais tristes angustias. Eu a conquisto, eu (finalmente) a tenho, e a sensação de alivio e felicidade que chega com este objetivo alcançado, dura quase nada. No seu sorrido de entrega, quando vejo que a conquistei, não só seu corpo, mas sua alma, seu amor, uma sensação de vazio se apodera de mim, me arrebata de forma imensa. A conquista vira um pesadelo, uma responsabilidade impossível de carregar, sinto meus pés encharcados na lama. Sinto-me perdido por ter e, ao mesmo tempo ver que (talvez) não queira aquilo, que era uma fantasia. Mas é tarde, ela é minha, mas não sou dela e muito menos sou meu mesmo, pois de repente, não me reconheço. Nem lá, nem cá, só os pés na lama. Acordo, triste pelo sonho (ou pesadelo), triste pela vida.
Lembrei-me deste sonho que tive, logo quando assisto ao prólogo deste filme, em que cenas lindas, que por si só já valem o ingresso, descompassadas no seu ritmo, se mostram oníricas, e me apresentam Justine, e seu olhar, seu olhar, seu olhar... Tão angustiado, só por ele, acredito, Kirsten Dunst já mereceu seu prêmio de melhor atriz em Cannes neste ano.
O filme mostra o casamento de Justine, digno dos sonhos de qualquer Cinderela. Tudo lindo e luxuoso, presente do cunhado rico. E tudo parece dar certo e ser certo. Um castelo, um noivo lindo (o vampiro galã da série True Blood), romântico e apaixonado. Uma  promoção no emprego, entre os presentes ganhos. Tudo certo  para uma vida perfeita. Mas seu sorriso é cada vez  mais amarelo, pois a cobrança por sua felicidade, a obrigação de ser feliz, pesam muito, e tudo começa a se modificar dentro dela, aos poucos. Tudo vira um fardo. Tudo que lhe é dado em excesso se torna sem sentido. É a melancolia que a toma, e todo circo social armado para ela desmorona.
A limusine não cabe na esquina e nem faz curva. As terras compradas pelo noivo, onde deveriam cultivar e florescer a nova feliz família fica no sofá, no retrato.
O sintoma de que algo daria errado se mostra, desde o inicio, nas atitudes dos pais de Justine, seja através do deboche do pai bonachão, ou através da negação à todo aquele formalismo pela mãe, que não acredita em nada daquilo, e constantemente é expulsa pelo genro, convencional até a medula.
Não por acaso, este é marido de Claire (Charlotte Gainsbourg), a irmã de Justine e a outra personagem  que protagoniza o filme em sua segunda parte. Interessante que se o desconforto de Justine se faz com o decorrer da festa, o de Claire se mostra desde o inicio. É o medo de que todas as convenções a que se apega, não funcionem. Ela é o outro lado de Justine, o outro lado da moeda. Enquanto uma explode por dentro, a outra explode por fora, com seu medo de que o mundo perfeito que tenta construir e vivenciar, se exploda, como de fato acorre, fatalmente. Não consigo desassociar Claire, do que Inácio Araujo escreveu tão bem em sua coluna na Folha de São Paulo. Claire é o mundo perfeito, constantemente ameaçado pelos perigos em que vivemos hoje, seja através do neonazista norueguês, seja através dos incêndios ingleses, seja a crise econômica europeia e americana. Claire e Justine, cara e coroa; duas fases da mesma moeda, e uma melancolia que assombra o mundo.  Por um lado existe a depressão emocional, e seus comprimidos antidepressivos; por outro, uma crise sem procedentes que assola a segurança e o conforto de quem como Claire, segura no seu mundo perfeito, jamais pensou existir. Interior e exterior, tudo fora da ordem. O marido no pasto, junto aos cavalos, me lembra daqueles homens ricos da crise da bolsa de 39. Mas esta é só uma interpretação que faço sobre Claire. A segunda parte do filme, mais complexa, mais filosófica (e melhor), foge das minhas pobres compreensões à cerca da vida e do mundo.
Mas o que é maior? A melancolia de Justine? Aquela sensação do nada absoluto, com o seu ser, onde nada faz sentido. Nem no mundo, nem em Deus. Eclodindo tudo num vazio existencial absoluto. Ou o vazio de Claire? Aquele que remete a um fim do mundo mesmo, pelo fato do mesmo estar cada vez mais sem sentido, sem controlo, seja pelo terrorismo, ou egoísmo, ou poder do homem que é lobo do homem.
Enquanto Claire se desespera pela eclosão do mundo com a melancolia. Justine (em outra cena linda) se conforma, não sofre mais, e nua e linda, se banha a luz inevitável e cada vez mais presente do fim.
Vale a pena mencionar o personagem que faz o papel do chefe de Justine – capitalismo atroz – que em meio ao seu casamento a “presenteia” com uma promoção (chefe de criação) e com isso exige dela um slogan em meio à festa. Autorretrato, ironia, brincadeira que Lars von Tier faz de si mesmo. Já que é bastante conhecido o fato do diretor exigir o “sangue” de suas atrizes em seus filmes, deixando-as traumatizadas. Que o digam, Nicole Kildman e Bjork, que já declararam preferir o diabo, ao diretor na frente delas. Alias, não sou nem um pouco fã do cinema deste diretor, para mim, um sádico, para não ficar falando mal, digo que gostei muito de “Ondas do Destino” e só. Mas me dobro em reconhecimento a este seu último lamento depressivo. Dizem ser seu filme mais pessoal. Ele não exagera nas tintas, e mistura muito bem, sonho e realidade. Lindo, onírico, no ponto certo. Para ver e rever, já que tão singular em meio a tantas bobagens.
Penso novamente no meu sonho (ou pesadelo), nas minhas melancolias e agonias. A ânsia por encontrar meu lugar, um porto seguro nos meus descaminhos. Minhas esperanças... E lembro-me daquele olhar, daquele olhar, daquele olhar...

31 de julho de 2011

Filhos de João, Admirável Mundo Novo Baiano – Henrique Dantas


“Eu sou, eu sou. Eu sou amor da cabeça aos pés”.

A primeira vista, este é mais um documentário musical, como tantos, e por si só, já vale por fazer justiça a uma das maiores bandas – junto com Os Mutantes, para mim – do Brasil, deleite para velhos fãs como eu, veiculo mais que necessário para que a nova geração conheça estes velhos Novos Baianos. Mas é mais que isso, pois foge do lugar comum, mostrando com sucesso, o que outro baiano fez ao som deles, através de uma única visita. “Mais um, mais um Bahia, mais um, mais um buchixa”.

Eis que numa madrugada surge no apartamento deles um “deus musical” para dividir o que estava “explodindo dentro dele”. Palavras de Tom Zé, que apesar de precisarmos por vezes apertar a tecla SAP para entendê-lo, sintetizou bem o que João Gilberto, com sua visita, fez na vida daquele bando de malucos, loucos de todo tipo de alucinógenos possíveis da época. Dadi afirma que quando olhou pelo olho mágico e viu um senhor de terno alinhado às três da manhã, pensou até que fosse a policia. Filho de Juazeiro assim como Galvão, o mestre da Bossa Nova chegou e hipnotizou todo mundo com sua voz baixa e macia, juntamente com seus acordes: “É só isso meu baião, é não tem mais nada não”. Moraes Moreira entrou em transe, ficou uma semana sem tocar e quase desiste de ser músico. Mas João Gilberto, com seu ouvido apurado, percebeu que em meio a toda aquela loucura hippie, havia músicos de qualidade, logo eles que se achavam melhores jogadores de futebol do que músicos. O mestre chamou o menino Pepeu Gomes de lado e falou para ele tocar cavaquinho e – por que não? – e para Paulinho Boca tocar um pandeiro e um tamborim. Perguntou se conheciam Assis Valente e outros sambistas das antigas. Como assim? Quem era o maluco ali mesmo? Pepeu, discípulo de Hendrix, tocando cavaquinho? Assis Valente? Quem? O mundo musical deles jamais seria o mesmo. Tudo se expandiu, explodiu, cresceu. Se junta a isso, as longas conversas via telefone de Galvão (letrista da banda) com João a respeito de abelhas, choros de Bebel, zum-zuns e mel. Pronto. Pouco tempo depois é lançado “Acabou Chorare”, considerado em qualquer lista de críticos, ou amantes da boa musica nacional, como um dos cinco maiores discos brasileiro de todos os tempos. Quem não conhece “Brasil Pandeiro” do tal de Assis Valente na versão dos Novos Baianos? A partir de então, inaugurou-se a fusão de samba, baião e rock com total harmonia, e uma nova história começou a ser escrita e tocada.

“Por isso ando e penso com mais de um /por isso ninguém vê minha sacola”. O sucesso era imenso e o apartamento pequeno para aquele bando. Foram para um sítio, onde jogavam bola pelas manhãs, e tocavam à tarde. Com a extensão de Baby e Pepeu fazerem uma penca de filhos com nomes esquisitos. Parece que a tal da “Sociedade Alternativa” que outro baiano fã de Elvis proclamava, foi fundada por eles. O dinheiro ficava guardado numa sacola, onde cada um pegava o que era necessário. Sem donos, sem poderes, totalmente desapegados ao ganho financeiro. Harmonia que chegou há durar alguns anos, já que a única preocupação deles era ter dinheiro para uniformes, chuteiras e imensas quantidades de fumo. Não por acaso, a outra obra-prima deles se chama “Novos Baianos Futebol Clube”.

O depoimento de todos é importante e contundente, não há barrigas, como quando Moraes Moreira fala sobre sua saída do grupo, que culminou com o declínio da banda. Alma musical do grupo. Seria como Os Mutantes sem o Arnaldo; os Stones sem o Richards; The Beatles sem Paul. Eles continuaram durante um tempo, mas... Galvão é o mais engraçado, já que parece que ele é o único que continua na mesma época, no mesmo sítio, ou estava tendo uma volta “flash ácido”, tamanha calma baiana, falando sobre as abelhinhas, os bem-te-vis, no meio do depoimento, uma figura.

“... É sofrer e chorar como Maria, sorrir e cantar como Bahia... Mãe pode ser e ter bebê, e até pode ser Baby também”. Ausência sentida nos depoimentos é o de Baby Consuelo. Ops! Agora é Baby do Brasil, que não autorizou que suas declarações (que ela chegou a fazer) entrassem no filme por questões financeiras. Vai ver seu pastor, convenceu que era necessário pedir grana (olha o dizimo) para homenagea-la e ficou assim, já que numa recente entrevista que eu assisti dela, cada frase proferida vinha um monte de “Aleluia” junto, então melhor assim. Ficou melhor mostrá-la como Baby Consuelo novinha. Cantando, dançando e revirando os olhinhos. Uma imagem que vale por mil palavras.

“A vizinha tem vidraça, tem sim, senhor”. A bola, a vidraça, o sítio ficaram lá atrás. Sobrou a música eterna, as lembranças boas e a certeza de que tudo valeu a pena, como diz Pepeu em certo momento do filme.

“Água mole em pedra dura. Pedra, pedra até que Pedro”. Besta é tu, Maria, Besta é tu, meu guri, meu gurizinho. Besta é tu, preta, pretinha. Besta é tu Ò Pai, Ò Mãe. Que não vai logo escutar estes loucos lindos geniais baianos, que foram muito além do tempo deles na música.

“Só se não for brasileiro nesta hora, só se não for brasileiro nesta hora”.

19 de julho de 2011

Houve Uma Vez Dois Verões – Jorge Furtado


Sabe aquele filme que você assiste diversas vezes, e se por acaso ele esta passando em algum canal e te pega, lá vai você assistir novamente e quando termina você faz: Ah! Que pena que acabou! Pois é, este filme é um desses, que ontem me pegou novamente no Canal Brasil. E de novo... Adorei!

Primeiro longa-metragem de Jorge Furtado, que veio logo após o fantástico curta-metragem “Ilha das Flores”, também pode ser seu (por enquanto) melhor filme, apesar de que eu também ache todos os outros quatro filmes dele – “Saneamento Básico”, “Meu Tio Matou Um Cara” e “O Homem Que Copiava” - sensacionais. Alias, revendo este filme, pude perceber porque ando tão desanimado com o cinema nacional ultimamente. O que acontece é que todos os cineastas que aprendi a gostar e admirar parecem estar naquele período de entre safra, já faz um tempo que não produzem algo inédito. Como exemplo, o próprio Furtado, Beto Brant, Carlão, Karim Ainouz, Salles, Ugo Giorgetti, e outros que não lembro agora. Uns com um tempo a mais (Giorgetti), outros que estão no começo (Ainouz), mas com uma obra mais que respeitável. Pois, sem o carimbo da imperiosa Globo Filmes, e sem a mediocridade que ciladas e vira-latas podem proporcionar a novos espectadores do novo cinema nacional, estes são os caras que ainda conseguem produzir filmes bons sem a necessidade de vender à alma ao plin-plin.

Já que não há nada de bom e novo, vale ver ou rever filmes não inéditos, como este que trata do universo de adolescentes, sem tratá-los como imbecis, como a maioria dos filmes americanos destinados a esta faixa etária. É realmente uma pena que o filme não tenha obtido o sucesso de público que merecia e deveria ter. Os diretores americanos poderiam aprender com o Furtado a tratar o jovem com o respeito que merece. Lembro que na época em que o filme foi lançado, Furtado declarou que se inspirou nos filhos para escrever o roteiro. Bela homenagem de um pai, para seus filhos, que alias aparecem no filme, seja sua filha, em uma “ponta”, ou mesmo seu filho (Pedro Furtado) que co-protagoniza o filme fazendo o papel de Juca, junto com André Arteche que vive o Chico.

De cara, o que me agrada no filme é saber que existe uma praia (peço desculpas aos gaúchos pela ignorância) que é a maior – fato - e pior do Brasil, segundo os personagens. Nesta praia é que todo o verão, os garotos Chico e Juca vão passar as férias escolares. Com a chegada da adolescência e os hormônios à milhão, tudo que eles querem é perder a virgindade e farão de tudo para conseguir seu intento. Quem acaba conseguindo primeiro é o Chico, que conhece a Roza com z (Ana Maria Mainieri) e passa uma noite dos sonhos com ela. Só que ela desaparece, e ele apaixonado, saí à procura dela pela imensidão da praia, sem encontrá-la. Na verdade, ela que o procura depois das férias, com a surpresa para ele de que está grávida. Mas será que está mesmo? Como assim? A foto acima da uma bela dimensão da situação de Chico "pato" e Roza.Como diria André no filme seguinte de Furtado: “As gurias são muito espertas”. E é isso que Chico descobre no verão seguinte, na mesma praia, quando encontra novamente Roza, para viverem outras descobertas, outras mentiras verdadeiras e outras verdades mentirosas. Enquanto isso, Juca, continua em sua luta árdua pelo fim da virgindade, sendo por vezes, e vezes, enganado por outras gurias espertas. Tudo isso embalado por uma trilha sonora fantástica, que espertamente é usada pelo diretor para acentuar várias cenas marcantes. E de quebra, mostrar ao resto do país, belas músicas de caras como Frank Jorge, ou mesmo uma versão matadora de “Nasci Para Chorar” com a inesquecível Cassia Eller, de encomenda para o filme. Pequena e admirável obra-prima.

Um filmaço, apesar de simples e curto. Que mesmo falando sobre o universo dos jovens de quinze ou dezesseis anos, fala ao coração de todos aqueles que não envelhecem na alma. Que como eu, continuam um menino ou menina, prontos para as surpresas apaixonantes da vida. Que como eu, adoram rock e música de boa qualidade, e que como eu que, por vezes ingênuo, na maioria das vezes, não sabe lidar com as gurias mais que espertas, mas as ama demais e clama pelo próximo beijo na boca, como se fosse o primeiro.



12 de julho de 2011

Control – Anton Corbijn



Aconteceu na semana passada; dia mais frio do ano em Sampa, depois da terceira tentativa frustrada de assistir algum filme da mostra do Hitchcock (sempre lotada) e sem qualquer alternativa nos outros cinemas, me vejo adentrando no Cine Olido para assistir a este filme-biografia, que deixei escapar quando passou por aqui. Com ingressos a um Real, vejo algumas pessoas entrarem no cinema (me parece) mais para se protegerem do frio, ou mesmo para uma soneca, fato que se comprova, devido à sinfonia de roncos, assim que o filme começa. Mas nada que de fato atrapalhe a minha imersão numa Manchester fria, feia e sombria, que o preto e branco da película só faz acentuar.

São as cores de Ian Curtis, líder do Joy Division, banda do pós-punk inglês, cultuada até hoje, graças ao talento e carisma de seu líder, mas foi uma banda de vida curta, assim como ele, que se enforcou aos vinte e três anos. Em meio às tempestades constantes, precoce nos sentimentos, na dor e no casamento; em duas horas de filme, vemos a meteórica estrela de Ian Curtis brilhar e se apagar.

Não sou conhecedor da obra de Curtis, algumas vezes ouvi – assim como qualquer um que gosta de boa música e é curioso – seu disco mais famoso “Closer”, que sempre me passou uma sensação de angústia muito forte. Que habilmente é radiografado neste filme. Certamente, Ian Curtis não era adepto de uma vida a lá “comercial de margarina”, muito longe disso. Sua alma sangrava em dor e isso ficava claro em suas canções, em sua dança nervosa, alias, desconfio que em suas danças que Renato Russo se inspirou. Mesmo que não tivesse se matado, talvez não tivesse continuado na música. O sucesso, a fama, não lhe fazia a cabeça, ao contrário, lhe causavam ainda mais dor. Em uma das cenas, ele diz que não pode mais continuar, pois ninguém entendia a dor e o desgaste que lhe ia à alma, cada vez que subia ao palco para uma apresentação. Enquanto todos dançavam e se divertiam ao som da banda, ele sangrava internamente em cada interpretação. Quanto maior o sucesso, maior era seu abismo. Sua música não era para agradar, na maioria das vezes era para incomodar, como revelou em uma das entrevistas.

Nem todo mundo nasceu para ser feliz. Há pessoas que carregam em si um lado sombrio e triste, que se sobrepõe às tardes festivas de verão. Ian Curtis viveu intensamente seu inverno d alma. A falta de grana, a depressão, a epilepsia e a não adequação ao mundo, lhe tiraram precocemente a força da vida. Tudo isso aliado, ao não entendimento ao sentimento de amor/desamor/dependência que nutria por sua esposa. Quando se apaixonou por uma repórter e se viu obrigado a escolher entre as duas, foi seu ponto final. Não entendia como era escolher entre seus sentimentos e o que achava certo e, ao mesmo tempo, ter que amar e viver conforme o que as pessoas esperavam dele. Tudo se transformou num fardo muito duro de carregar.

Ele foi mais um exemplo de talento inato para sua obra, em contra ponto à falta de talento para lidar com a vida, com o cotidiano, o banal. É preciso ter coragem para viver, ou melhor, sobreviver, mas –talvez- mais coragem ainda para se matar.

Uma biografia bela e triste, onde o diretor Anton Corbijn não usa seu filme para fazer julgamentos, apenas mostra – e muito bem – como foi a vida de um ídolo seu, através da interpretação “mediúnica” de Sam Riley. Um filme para se ver e rever, mesmo sabendo que não haverá controle e muito menos encontrará um pote de ouro, ou um arco-iris no final.