9 de novembro de 2011

O Palhaço – Selton Mello


Segunda-feira, dia 07/11, cinema lotado às 14h00hs num dos shoppings de Sampa. Não, não é a Mostra, é a promoção do cine nacional à R$ 2,00 a sessão. Quatro filmes assistidos e notadamente um público presente não acostumado à cinefilia, atraídos pelos valores não extorsivos, que lembram os preços praticados nos anos setenta e oitenta, quando – segundo minha mãe – o preço do ingresso era o mesmo da passagem de ônibus. Não é à toa que as pornôs chanchadas faziam tanto sucesso na época. Tá cada dia mais difícil ser um cinéfilo. Como pode uma sessão de cinema custar R$ 20,00? Quem é cinéfilo não vai uma vez por mês ao cinema, muitas vezes vão duas ou mais vezes no mesmo dia. Outro dia estava eu juntando os últimos trocados para uma sessão no Unibanco da Rua Augusta, quando para em frente ao cinema, uma Chrysler preta ainda sem placa de tão nova, e de dentro sai uma linda moça às pressas e encontra com a amiga já na fila na minha frente. Ela se põe a reclamar da lerdeza do motorista e saca sua carteirinha da USP para sua meia-entrada, e eu ainda juntando os trocados para uma inteira, sem sobra nem para o pastel chinês. Tadinha, ela deve ter ficado sem ir ao cinema por estes dias, ocupada nos campus da USP, a pedir junto com os coleguinhas, seus “direitos” e privilégios, como temos acompanhado pelos jornais. É, palhaçada, ou melhor, palhaço, sou eu...
Por falar em palhaço, a julgar pelos quatro filmes que assisti (Uma Professora Maluquinha, OS 3, Família Vende Tudo), sem dúvida o sucesso abraçou este segundo filme de Selton Mello. Sala lotada e público barulhento que no inicio me incomodou, mas com o passar do tempo, fui ficando indiferente, afinal estávamos numa espécie de circo no cinema e o show não pode parar.
O filme começa e não consigo tirar o sorriso do rosto – e olha que sorrir não tem sido ultimamente o meu forte - durante toda a projeção. Meu Deus, que filme lindo, lindo, lindo!Cheio de lirismo, de poesia e (talvez) de uma beleza que quase não existe mais, de um tempo e jeito antigo. Contraponto para aquele circo mambembe, feito na raça, no amor, à procura das últimas crianças ainda inocentes com aquele brilho no olhar. O alimento do palhaço é o riso solto das crianças. Não é à toa que em um certo momento do filme, simbolicamente, a linda e ambiciosa  engolidora de fogo é derrotada pela lindinha garota das asas de anjo. É a pureza vencendo a traição, pois naquele ambiente só deve sobrar espaço para a confiança e fidelidade para com a trupe, que com isso ganha sua sobrevida. Coisa muito difícil já em meio a aquela vida sem dinheiro, sem destino certo, pelas estradas, pelos sertões brasileiros à procura do povo, muito longe das capitais. Faz lembrar com saudade “A Viagem do Capitão Tornado”, obra-prima de Ettore Scola. Salve, salve os últimos guerreiros artistas de circo. Mesmo coma a falta de grana, mesmo coma lona gasta e remendada, mesmo com toda a tecnologia, games e afins trabalhando contra... “o circo chegou/ vamos todos até lá.../ palhaço que é o ladrão de mulher”.
Em  Feliz Natal,seu primeiro filme, inspirado em John Casavettes, Mello foi mais autoral e mordaz, contando a história de uma família em frangalhos num (des)encontro, numa irônica noite de natal. Filme depressivo e triste, não obteve, obviamente, o público e o reconhecimento que merecia. Vale uma revisão.
Em recente entrevista ao programa Vitrine, Selton Mello declarou que se inspirou em dois diretores com os quais já trabalhou e muito admira para este seu segundo filme. Sua ambição seria transitar (ficar no meio termo) entre o cinema popular de Guel Arraes (“Lisbela” e “ O Alto da Compadecida”) e o autoral Luiz Fernando Carvalho da obra-prima “Lavoura Arcaica”. A julgar pelo resultado nas telas, ele consegue mais que isso, pois encontra seu próprio caminho.
“O gato toma leite, o rato come queijo e eu nasci palhaço”. Será um caminho duro para Benjamin (Selton Mello), até entender as palavras do pai também palhaço (Paulo José). Benjamin se sente cansado e - mais até do que o próprio pai com sua velhice –  deprimido, com a vida de circo. Seu desanimo é nítido, principalmente com a parte burocrática de ter que administrar um circo praticamente falido, tendo de “beijar-mão” de cada prefeito em cada cidade em que o circo é montado. Sua ambição é conseguir tirar sua identidade e principalmente comprar um ventilador, coisas simples, mas que são cada vez mais difíceis de conseguir, alimentando cada vez mais sua angustia. “Estou cansado do que sou, e cansado do que não sou”, diz ele, e perdido em si mesmo, em certo momento abandona o circo e sai pelo mundão, a fim de se encontrar, ou melhor, encontrar (talvez) a carteira de identidade e o tão sonhado ventilador. Logo, percebe que é preciso se perder para se encontrar e entende as palavras do pai. O reencontro de pai e filho no picadeiro, a troca de olhares de ambos sem uma palavra sequer já valem o filme. Alias, é nos longos silêncios de Benjamin que mais o entendemos, as coisas não precisam ser ditas, para serem entendidas.
Bom diretor, excelente ator. Selton Mello encarna (tem o João da Ega em Os Maias, mas é minissérie) seu melhor personagem, antes oferecido e recusado por Wagner Moura e Rodrigo Santoro. Sorte a nossa, fica difícil imaginar Benjamin com outra cara, outro jeito. Selton está perfeito, assim como toda a trupe de coadjuvantes que aparecem no filme, em especial Moacir Franco, que rouba a única cena em que aparece nos deixando com gosto de quero mais. Alias, todos da trupe mereceriam um pouco mais, o que me leva a crer que a muito a ser explorado a partir do mesmo roteiro. Não duvido nada que deste filme, surja no próximo ano, uma série na TV Globo. Valeria mil vezes mais do que “ A Mulher Invisível” que acontece no momento na TV e também é uma espécie de continuação de outro sucesso protagonizado pelo próprio Selton Mello.
Um ator em estado de graça, e um baita diretor em formação, cada vez melhor. Onde será que Selton Mello irá chegar... Seja onde for, esta no caminho certo.

2 comentários:

  1. O Moacyr Franco arrasa no pequeno trecho em que aparece. Como você disse, fica um gostinho de "quero mais".

    Desses filmes que você viu, gostei do "Família Vende Tudo", que foi uma surpresa para mim, mas achei "Os 3" uma porcaria, daquelas que dão vontade de sair no meio. Sensação semelhante à que tive ao ver "País do Desejo" na Mostra.

    Abração, Beto. Tudo de bom.

    Alê.

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  2. Alê! Saudades! Grande Alê! Desculpe se ando meio introspectivo (e sem nenhum pro pastel chin~es também), mas saiba que não esqueço dos amigos, NUNCA.
    Você não tem a impressão de que "Familia Vende Tudo" é um filme derrotado? A impressão que tenho é que Cacco Ciocler esta perfeito e horroroso em seu personagem. Um filme difícil de classificar, preciso até reler seu post. "Os 3" não fede nem cheira, tentava ficar lembrando qual era mesmo o filme que tinha acabado de ver, cinco minutos depois. Não vi nada na mostra, infelizmente, queria ter visto a retrospectiva do Kazan, uma pena. Um abração e vê se volta a blogar

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