14 de março de 2007

Os Doze Trabalhos – Ricardo Elias


Lembro de como gostei e fiquei até mesmo surpreso com “De Passagem”, primeiro filme de Ricardo Elias. Sem muito alarde, de forma singela e amorosa, o diretor nos proporcionou um filme único, com o olhar virado para a periferia, mais especificamente, para os jovens sem perspectivas. Mas sem comiserações ou revoltas. Contava a estória de Jéferson ( Silvio Guindale ), um estudante de escola militar, que volta ao local onde nasceu e cresceu, depois de muito tempo, para acompanhar o enterro do irmão, que havia sido assassinado. Lembro de uma cena muito bela, de quando ele está chegando ao bairro, com seu sapato limpo e brilhante, e descer do ônibus e pisar numa poça de lama. É o sinal de que seu passado pede acerto de contas. Assim ele segue entre trens e metros, numa viagem interminável, para achar e buscar o corpo de seu irmão, acompanhado do melhor amigo de infância.

Seu segundo filme, também lida com a mesma juventude sem grana e perspectiva. O trânsito mais uma vez se faz necessário (agora não são os trens, mas uma moto) para narrar um dia na vida de Heracles (Sidney Santiago), recém saído da Febem. Ele ganha uma oportunidade de trabalhar como moto-boy, indicado pelo primo e melhor amigo (Flávio Bauraqui) na mesma empresa que este trabalha. Só que para conseguir a vaga, ele tem que fazer os tais doze trabalhos do título.

O nome do filme, assim como o nome do personagem principal, tem livre inspiração na mitologia grega, na estória de Hércules e seus doze trabalhos. Uma idéia feliz no roteiro, que associa o heroísmo de Hercules com um simples moto-boy (quem dirige um carro na cidade de SP, não guarda bons pensamentos para estes rapazes) , e sua luta para conseguir realizar sua tarefa árdua, e conseqüentemente um emprego.Assim acompanhamos Heracles na sua jornada, tendo que se esquivar de várias provocações, assim como corrupção, preconceitos e burocracias inerentes a sua recente profissão, e por que não dizer, à vida de qualquer um. Mas sua maior luta é não se deixar levar novamente para a marginalidade, sobreviver sem se envolver com uma coisa tão próxima ao seu dia-a-dia.

Como no primeiro filme, Elias não se preocupa em dar um desfecho para seu personagem, pois a vida é assim mesmo, o que vale é a batalha enfrentada.Seus rapazes são seres embrutecidos por uma vida sem perspectivas, que são obrigados a levar da melhor maneira possível, sempre ao lado da marginalidade. Uma dura jornada dia após dia. Não se tem espaço para sonhos.

Em umas das entregas que Heracles faz, conversa com Francisca, que pretende viajar para a França. Ele comenta: “Deve ser bom viajar”, totalmente resignado, uma oportunidade como aquela nunca surgirá para ele. Mas ele acaba viajando sim, vai até a praia, lugar que o primo sonhava viver, numa cena que lembra muito a cena final de “Os Incompreendidos”. Parece que ele pergunta para a câmera, ou melhor, para nós: “Vocês querem que eu faça o quê?”

Um filme duro, intenso. E mais um grande passo de Ricardo Elias, que deve ser observado com olhos atentos. Ele não procura fazer alarde com seus filmes, que por vezes parecem singelos até, mas revelam a qualquer olhar mais atento, um enorme carinho com seus personagens. Mais que um promissor cineasta, é um daqueles homens que fazem cinema com o coração, com a alma. Enfim, que faz cinema de verdade. O mesmo tipo de cinema que faz eu amar tanto a sétima arte e principalmente (apesar da Globo Filmes) o cinema nacional. Um filme tocante e imperdível.



2 comentários:

  1. O ator é fantástica. Quem dera todo cineasta do cinema brasileiro pudesse ter a felicidade de encontrar alguém com o talento desse rapaz.

    (http://claque-te.blogspot.com): Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood.

    Texto novo no Reação, para acessar:
    http://reacaocultural.blogspot.com (na coluna claque-te).

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  2. É um filme muito intenso. De um mundo, que muito provalvemente, ninguém que frequenta cinema conhece. Até dá para não ficar com tanta raiva dos moto boys depois do filme. A dupla de atores é realmente excelente.

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