15 de janeiro de 2013

Cara ou Coroa – Ugo Giorgetti



São Paulo, terra da garoa. Inverno de 1971, direita e esquerda (cara ou coroa) se duelando pelos corações comuns, pedindo e exigindo posicionamentos políticos. Tempo perdido, de  quando se acreditava em ideologias, quando se acreditava que tudo iria mudar, quando se acreditava...Tempo distante,  nostalgia para alguns,  para mim também que me perco no tempo e nas minhas românticas incertezas. Lembranças do que não vivi, como a garoa característica da época, que não existe mais. Será que ainda existem ideologias? Só o do consumismo e olhe lá, mas esta é outra história.

 Giorgetti se debruça nas lembranças da juventude,  como no seu filme anterior, a obra-prima - quem não viu , veja - “ O Príncipe”, outro filme encantador que retrata a mesma época, só que com mais ironia, do que este último. Propõem-se mostrar o reencontro de antigos amigos, e o que o tempo fez com as ideologias e as ferrugens de cada um, quando um exilado (voluntário) retorna a São Paulo depois de mais de trinta anos morando em Paris. Lembro-me de quando assisti a este filme na primeira vez, comparando os seus personagens com os jornalistas e políticos de hoje em dia, tão próximos nos anos de chumbo, tão distantes anos depois, haja vista os partidos PSDB e PT e afins. Fora o professor maluco e suicida, querendo recontar a história tão mal contada. Se no filme anterior, Giorgetti se propõe a analisar o que aconteceu com a paixão dos esquerdistas, a falência de suas utopias e a mudança que o tempo impôs a muito deles. Neste novo filme, mostra o que de fato acontecia em sua juventude, com delicada reconstituição de época, mesmo toda a ação se passando em ambientes fechados, percebe-se nos detalhes a reconstrução de uma época de extremos, onde se andava na corda bamba, entre um lado ou outro.

O que mais me chama a atenção neste filme são seus meios tons, Giorgetti não procura tomar nenhum lado, ao contrário de praticamente todos os cineastas que fazem filmes retratando tal época. Chama a atenção para aqueles personagens, que apenas queriam viver do seu jeito, sem tomar partido. Mas que não conseguem, pois a engrenagem da época acabava direta ou indiretamente envolvendo as pessoas, como o personagem de Emilio de Mello, um diretor de teatro, viciado em jogo, que para conseguir financiar sua peça teatral se compromete com os comunistas que querem que sua peça tenha uma “mensagem”, comprometendo a liberdade que ele sonhou pra si. Mas o tiro certo do diretor foi os dois personagens de direita do filme. Alias, porque será que nunca existem filmes retratando o outro lado da moeda? Ou será que todo militar, ou pessoa de direita apoiava os desvarios dos militares que estavam no poder? Ponto para Padilha com seu  Tropa de Elite, que na verdade nem é de “direita”, mas pelo menos tem a coragem de adentrar no BOPE.

Otavio Augusto como o tio taxista fã de certo político (Maluf) em começo de carreira e principalmente Walmor Chagas como  militar aposentado, que supostamente fecha os olhos para as aventuras esquerdistas da neta, são um caso a parte,  roubam a cena. Se o personagem de Otávio traz certo alivio cômico ao filme. O coronel reformado de Walmor é o mais rico personagem, que até poderia render um filme a parte, com seu personagem conclamando as honrarias e glórias de sua época de militar, se esquivando de voltar à ativa, pois enxerga longe e sabe que seus companheiros de uniforme estão abusando do poder. Não vê (será) as aventuras da neta no próprio quintal de casa, não vê (será) os abusos dos companheiros de farda, quer apenas manter sua honra e dignidade em meio a balbúrdia do país.

É pena que tão poucos vejam os filmes de Giorgetti, que junto com o genial e também pouco visto Carlos Reichenbach, sempre retratou São Paulo com muita paixão e honestidade. Fazendo do cinema, um veículo poderoso de história, para melhor compreendermos nosso país, nossa cidade e nós mesmos.   

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