22 de setembro de 2008

Ensaio sobre a Cegueira – Fernando Meirelles

Acho que está correta a atitude de Meirelles em não ler as críticas a respeito do seu último filme. Afinal, deve ser duro adaptar um livro ganhador de Nobel e classificado por muitos – inclusive o próprio Zaramago - como uma adaptação impossível. Eu mesmo já li tantas críticas bestas, que deveria não ter lido, ao mesmo tempo em que é legal ver opiniões tão divergentes. Uns dizem que ele deveria ter sido mais fiel ao livro, outros que deveria ter tido mais liberdade. As opiniões se divergem entre quem gostou ou não do livro, e até entre aqueles que nem chegaram a ler a obra do português.


Achei o filme ótimo, mas com algumas ressalvas. Eu sou da turma que acha
que ele deveria ter sido fiel o máximo possível ao livro, pois considero o mesmo uma obra-prima, talvez o melhor livro que li na última década, juntamente com “Ratos e Homens” que também tem uma adaptação para o cinema, feita por Gary Sinise bem meia boca.


Tenho guardado na memória cada detalhe importante do livro, e a impressão que tenho é de que Meirelles preferiu “pegar leve” em algumas partes, afins de não machucar a sensibilidade do gosto médio americano, pois é de lá que depende a maior parte da bilheteria e conseqüentemente o sucesso do filme. Aqueles curtidores de “Senhor dos Anéis” certamente se chocariam com a sujeita fétida que o livro exala em suas paginas, assim como a cena do estupro grupal em meio a fezes e urinas. A fotografia branca e leitosa tratou de esconder a sujeira, o que para mim é uma pena. Mas esteticamente ficou muito bonito, isso é inegável. Também, Meirelles preferiu não mexer no vespeiro da religião, ponto forte e freqüente da obra do ateu Zaramago. No livro, uma das coisas mais fortes, é quando a mulher que enxerga entra numa igreja e vê todos os santos com os olhos encobertos e comenta o que vê, os fiéis que estão na igreja escutam, e ela é quase linchada por isso. Uma clara crítica à crença religiosa do autor do livro, que Meirelles preferiu ocultar no filme. O diretor também decidiu retirar do roteiro a “velha que comia carne crua”, personagem interessante, que deve ter ficado de fora por falta de espaço.


Mas o engraçado numa adaptação de um livro que eu já li, a leitura que o diretor faz de algumas passagens, diferente da minha percepção, como na cena em que o médico faz amor com a moça dos óculos escuros. Na minha percepção de leitor, aquilo tinha sido muito amoroso e carinhoso, inclusive com os olhares desejosos e cúmplices da mulher que enxergava, que se sentia excluída justamente por ter o poder de enxergar. Era a carência dos iguais na cegueira branca, contra a carência daquela solitária mulher que tinha que enxergar aquela sujeita toda. Já no filme ficou mais carnal e rápido. No mais, o filme me passou uma sensação de frieza incrível, é como se todas aquelas cenas se passassem num lugar em que houvesse neve e muito frio.


É pena que o “cão das lágrimas” não teve uma adaptação à altura de sua importância no livro, pois ele é tão importante quando a “Baleia” de “Vidas Secas”. Mas no final o resultado ficou ótimo, com atores muito bem dirigidos, como já é de praxe nos filmes de Meirelles e a certeza que o mesmo definitivamente entrou para a galeria dos grandes diretores mundiais da atualidade, o que não é pouca coisa.

2 comentários:

  1. Vou defender um pouco a adaptação do romance com maior grau de liberdade. Livro não é filme, assim como filme não é livro. São dois canais de comunicação independentes com necessidades, técnicas, custos, objetivos e características próprias. A fidelidade ou não da adaptação cinematográfica em relação à obra original de Saramago precisa, antes de tudo, resultar numa produção viável sob diversos aspectos, caso contrário não teremos o que assistir. Temos o desejo de visualizar, à cada cena, os mesmos acontecimentos relatados no romance - afinal é o nosso referencial - mas devemos ter em mente que a produção não pode ser reduzida simplesmente a filmar o que está escrito.
    Para completar, ainda temos a simples questão da forma como cada obra (literária ou cinematográfica) afeta nossa interpretação, sendo altamente pessoal cada sensação que temos em relação à cada trecho de uma obra.
    Curiosidade: em entrevista ao Vitrine (TV Cultura), Saramago afirmou que deixou Meirelles livre para adaptar sua obra, e que esta foi adaptada de forma fiel.

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  2. Zaramago Beto ? uhaeuhaehuaehuea

    Saramago infelizzzzzzzzzzzzzzzzzzzz

    eauhaehuuheuhaehuaeuha

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