17 de dezembro de 2011

As Canções – Eduardo Coutinho



Fim de ano conturbado, cheio de serviço, não tenho tido tempo de ir ao cinema o mínimo possível que gostaria, mas dei uma escapulida e fui conferir este novo e aguardado filme documentário. Sem surpresa nenhuma, saiu do cinema com os olhos encharcados pela emoção e pelas lagrimas.
Muito esperto este Coutinho, pois percebeu que tanto em “Edificio Master” naquela cena em que um senhor destila emoção de uma vida inteira cantando “My Way”, quanto no fantástico “Jogo de Cena” quando uma senhora chora cantando “Se Essa Rua Fosse Minha” relembrando o pai saudoso. Meio que sem querer, fez  ali um gancho para outro filme em que uma simples música traduziria toda uma vida. Procuro em minha memória uma música assim, mas infelizmente ainda não a tenho, ou tenho várias, sei lá...
  Com uma ideia simples e original, o diretor mostra neste documentário, dezoito pessoas “comuns” relembrando e cantando a música de suas vidas. Mas o talento do diretor se mostra quando ele consegue arrancar confissões delicadas, doídas e deliciosas de pessoas aparentemente comuns. Falo pessoas comuns, porque a sensação que tenho depois de ouvir cada confissão é de que cada uma delas é extremamente especial, o cenário tosco de uma cadeira e mais nada nem aparece mais, o que vale é suas feições, seus olhos, ao falarem de suas emoções. Quanta riqueza em cada gesto, em cada olhar! Dá vontade de abraçar um a um, e dizer sim, eu te compreendo, meu amigo, minha amiga. “Se chorei ou se sorri/ O importante é que emoções eu vivi”.  E dá-lhe Roberto Carlos! Fico imaginando o dia em que ele for morar com outros anjos, a comoção que tomará conta deste Brasil. Neste filme podemos perceber o quanto este homem é amado! Mas isso é outra história.

Um amigo costuma tirar sarro de mim, dizendo que gosto de filme de “pessoas”, e é bem verdade, portanto me deliciei com cada uma das músicas-histórias contadas e pude perceber para meu grato espanto que as pessoas continuam românticas e apaixonadas, afinal a maior parte das histórias contadas falam de amores perdidos, e principalmente, de um tempo perdido. É o tal do saudosismo que sempre me aflige, e que sempre procuro mostrar em demasia nas minhas escritas aqui neste mesmo blog. Pois descobri que não sou o único e que isso não tem nada demais, é até bom, mostra que estou vivo, muito vivo.
“Sempre quando eu venho aqui/Só escuto de você/ Frases tão vazias que pretendem dizer/Que já não preciso mais seus carinhos procurar”. Difícil escolher uma história que tenha me tocado mais, mas a mulher que canta esta música, de forma tão sentida, que confessa que tentou matar o amante, saí de cena e começa a chorar atrás da cortina, fez com que eu chorasse junto com ela. É uma teia de sentimentos difícil de escapar.
Pessoas aparentemente comuns, mas riquíssimas de amor, de sentimento. Mostradas a nós por um diretor acima da média, que está se especializando cada vez mais em buscar, em investigar a fundo a complexidade de sentimentos do ser humano. Coutinho mais uma vez celebra a as pessoas, celebra a vida e procura cada vez mais entender o ser humano, e em pouco ao grande grau, usa a tela do cinema como espelho de nós mesmo. É o cinema brasileiro  no seu apogeu. Mil vezes viva!

5 de dezembro de 2011

Uma Professora Muito Maluquinha – André Pinto e Cezar Rodrigues


“Meninos correndo perigo/No brilho do sol coração/Voando cabelos de mel/Pra me ensinar a sonhar/No meio do sono sorrir/As coisas menores que tem/Deixar os abrigos pra trás/Brincar de correr e cair/ Aprender, aprender” (Os Borges).
Sonhei, sonhei sim. Um dia eu era menino, solto pelas ruas de uma cidadezinha histórica mineira. Adoro Minas Gerais! Imensa pro meu tamanho de menino novo. Assombrado, corria pelas ruas de pedras, mirando sempre aquela montanha. Mas nunca ia sozinho, trazia os sonhos e os pés sujos de estrelas, colhendo o que eu tinha de novo, plantando o que eu era de velho. A companhia era de outros como eu , meninos novos, sonhos novos, éramos os Mosqueteiros, éramos heróis de nossas próprias aventuras. Tudo tão gostoso de ser e viver. Alegria de ser livre, de banhar cachoeira, de rodar o pião, de chutar a bola. Num instante, num instantinho só, nem olhava pras meninas, num outro já estava embriagado de paixão pela loirinha sardenta que até chegava a doer no peito. Tudo tão imenso, tudo tão rápido para um infante brilhante. Foi quando apaixonei também pela professora, tão diferente das outras professoras que mais pareciam estar em luto constante, em nome de Cristo. Os meninos queriam crescer logo para pedi-la em casamento, as meninas admiravam e queriam imita-la, tão diferente que era ela, tão alegre e espontânea. Um dia, me deu um beijo na face e do doce sonho – é pena – acordei. Hoje, já menino velho, penso como seria bom ter sido aquele menino novo, assim quem sabe, não teria os sonhos todos meus, pouco a pouco, caídos, perdidos no pó da estrada.
É pena, mas não tive esta infância mineira tão cheia de tesouros, cresci em meio à arranha-céus, num característico cinza paulistano onde o medo da violência e afins, nos obrigava a ficar engaiolados nos prédios. Será que esta infância contribuiu para este meu jeitinho por vezes tímido, acanhado e estranho? É claro que sim. Acredito piamente que quem tem uma infância livre, que é criado feito bicho solto, acaba acumulando pontos felizes para uma vida adulta. Bom é ter lembranças, histórias pra contar, não é à toa, os mineiros são tão bons nisso.
Bom exemplo é o menino velho, cartunista, jornalista e escritor Ziraldo, que há tempos encanta gerações e gerações com seus personagens de seus livros. Quem não leu e se divertiu com o “Menino Maluquinho”? Primeiro livro que ganhei bem novinho. Outro exemplo de bom mineiro a lembrar da infância é Fernando Sabino com o tantas vezes lido por mim “O Menino no Espelho”. É na infância que se encanta ou se desencanta com a vida, lá se faz o homem.
Neste pequeno e delicioso filme, terceiro baseado nos livros de Ziraldo e com roteiro do próprio, o que impera é a sensação de nostalgia. É um filme para crianças, mas não necessariamente, como facilmente se supõe. É, antes de qualquer coisa, para os meninos velhos, para aquelas crianças que ainda habitam e estão guardados no sentimento de muitos adultos. Lembranças daquilo que foi (como no caso de Ziraldo) ou que poderia ter sido (meu caso). Outra época, outro jeito de ser, mais inocente, menos efêmero.
Única exigência de Ziraldo para a produção deste filme: Paola Oliveira como a protagonista. Decisão mais que acertada, pois Paola carrega o filme com seu charme, beleza e- que bom – muito talento. Outro tipo de beleza, que não vemos mais por aí, já que a vulgaridade passa longe deste filme tão singelo e bonito. Um filme modesto, mineirinho, gostoso de ser e ver.  Que tem em Paola Oliveira e na recriação de Minas Gerais dos anos 50/60 seu grande trunfo. Passou quase que despercebido pelos cinemas, mas merece uma chance aos olhos de todos os meninos novos e meninos velhos que guardam (ainda) poesia dentro de si.


23 de novembro de 2011

A Pele Que Habito – Pedro Almodóvar


Assim que a última cena termina, fico indignado, pois logo em seguida as luzes são acessas. Em casos como este, o cinema deveria dar mais um tempo, para que a gente possa se recompor. Não, não pode ser, deve haver algum engano, eu quero mais, eu quero muito mais, não é possível que tenha acabado. Como assim? A coisa continua, tenho certeza, quero saber mais de Vera (Elena Anayla)... Mas não tem jeito, o filme acabou mesmo, na sessão assistida ontem à tarde. Ou melhor, não acabou não, continua passando dentro de mim, continua crescendo, crescendo  e me estimulando, e cada cena assistida é lembrada por minha memória, de forma disforme, mas presente em mim desde ontem, me estimulando, me impelindo a pensar cada vez mais nesta obra-prima de Almodóvar . É, o gênio espanhol voltou com tudo neste drama - terror, e os cinéfilos de plantão podem soltar os fogos, pois esta é sua melhor obra desde “Fale Com Ela”, o que convenhamos, não é pouco.
Mas me sinto incomodado em escrever sobre este filme, pois é uma daquelas obras tão imensas e complexas, que realmente não me sinto com capacidade e talento para tal. Fora isto, seria um absurdo ficar detalhando minhas primeiras impressões a respeito do filme, pois qualquer coisa mal escrita, traria a quem ainda não o viu, revelações que só devem ser saboreadas na grande sala escura. É um filme de mistério, de surpresas, que só um cineasta genial conseguiria fazer. Posso até falar uma besteira, mas este filme me remeteu a “Um Corpo Que Cai” do velho mestre do suspense Hitchcock, onde o que vemos na verdade nunca é realmente o que parece, e a tragédia espreita as relações de amor, ódio e dor dos personagens. E sim, cometo a (talvez) heresia de comparar os dois diretores, pois na verdade, acho que com esta obra imensa, Almodovar já merece estar e ficar ao lado do mestre do suspense, honra para pouquíssimos, bem eu sei.
Esta história é contada com idas e vindas ao tempo, forma necessária assim como em “Abraços Partidos”, mas é com “Matador” que vejo maior semelhança dentre as obras do cineasta. A morte e o sexo, - assim como em praticamente todos os filmes do cineasta - se faz mais que presente neste seu último trabalho,que esta mais para um terror. Aqui não cabe a tão usual comédia de seus filmes, mas todas as outras formas usuais (cores, transformistas, machões imbecis) estão presentes.
 Antonio Bandeiras encarna com perfeição seu personagem (Robert Ledgard), um cirurgião plástico, extremamente comprometido com seu trabalho, principalmente depois de ter perdido sua esposa num incêndio e logo em seguida sua única filha. Não é à toa, ele lembra o médico e o mostro, no afã de construir a pele perfeita, a prova de mosquitos e queimaduras. Para isso passa por cima de tudo e quebra todas as regras. Ele sempre é auxiliado por Marilia (Marisa Paredes), sua empregada, que guarda grandes segredos a respeito de ambos. Neste cenário, vemos Vera presa numa espécie de cativeiro, na clinica do médico e ficamos a imaginar o porquê daquilo. O diretor presenteia o público masculino (e feminino também, por que não?) com generosas cenas tesudas de nudez da exuberante Vera, para depois cobrar o preço... Obviamente, o buraco é muito mais profundo do que nossa imaginação consegue chegar. A identidade, ou mesmo a falta dela, permeiam todos os personagens, e com o roteiro, a edição de idas e vindas, e a primorosa direção de Almodóvar, os nós são desatados, e nada era realmente o que parecia.
Ponto para o cinema muxoxo deste, que precisava desse respiro, pois isto é cinema. Ponto para Almodóvar, que nos presenteia com mais um cinco estrelas, um de seus melhores trabalhos, entre os já melhores, demonstrando seu total domínio em sua arte. Quem ainda não viu, corra ao cinema (em DVD é heresia), para ter uma aula de cinema. Amanhã irei de novo, é claro, pois é muita coisa para uma sessão só.

17 de novembro de 2011

O Indomado – Martin Ritt


“Você é um homem sem princípios, Hud”. Diz o pai para o filho, em mais uma das diversas discussões, fato que também desenha um embate entre um país com seu passado, sua história e seu futuro, até então incerto. A América empreendedora, que conquistou o oeste, a democracia e uma moderna constituição se mostra velha, a cargo de uma nova geração que quer se livrar do antigo e construir uma nova forma de viver, mais egoísta, onde as leis são para serem interpretadas livremente, de acordo com o gosto e a necessidade de cada um. Hud é o desenho menos sombrio do que se tornaria o americano típico, engolidor de mercados e economias globais. E entre pai e filho, entre uma América antiga e a nova por vir, fica Lonnie, o neto, que se vê no meio disso tudo. Como diz o avô: “Uma hora você vai ter que escolher entre o certo e o errado, e o caminho a seguir”.
Homer (Melvyn Douglas) é um homem à moda antiga, empreendedor, como aqueles heróis americanos tantas vezes mostrados nos filmes de John Ford, por exemplo, daqueles homens que sabe a constituição praticamente de cor, acredita no trabalho, nos seus princípios e em sua ética. Não aceita perfurar suas terras atrás de petróleo enquanto viver, pois o ganho do homem, segundo ele, tem de vir do esforço da lida, do trabalho braçal. Mas não é um romântico, um bobo qualquer, apenas um homem integro. Um velhinho bom, que qualquer um adoraria como avô, como na cena em que canta junto com o neto no cinema. Cena que faz com que temos vontade de abraça-lo carinhosamente. Mesmo assim, guarda muita magoa dentro de si, depois de perder seu filho mais velho, pai de Lonnie, num acidente de carro em que o filho mais novo Hud conduzia o veiculo.
Hud (Paul Newman), o indomável do título, o oposto do pai, traz em si uma força enorme, uma beleza hipnotizante, mas sua força é movida a egoísmo e egocentrismo. É um beberão sem limites, mulherengo e bonitão por demais. Não há limites para suas vontades, maltrata as pessoas, principalmente aquelas as quais ama e finge não amar.  Sedutor e perigoso, ele parece ter consciência de seu egoísmo destruidor, mas se mostra cada vez mais o avesso do seu avesso, só de birra. Mesmo errado, esta certo, seja qual for o preço a ser pago.
Entre Homer e Hud vive o jovem Lonnie, que entre os embates do sedutor tio e o amoroso e correto avô, se vê dividido, tentando descobrir o certo para si, o seu caminho, na solidão da sua juventude e descoberta de sua libido, de seu desejo de homem em formação. Bem demonstrado no seu relacionamento com Alma, a empregada da casa, pois o que era apenas carinho maternal, aos poucos se transforma em outro tipo de atração, a sexual.
Alias, se Lonnie tem um desejo tímido e inexperiente por Alma, isto não se aplica ao seu tio Hud. Há entre ele e Alma uma atração sexual imensa em todos os momentos em que estão juntos, sendo um show à parte naquele já difícil convívio familiar. Em cada palavra, na maioria de duplo sentido, em cada olhar, em cada gesto de um para o outro. Mas Alma é uma mulher calejada e maltratada pela estrada da vida. Ela sabe que ele é bonito demais, mas perigoso demais. A experiência com outros homens, parecidos ou iguais à Hud, a seguram de se entregar, mesmo que tudo nela diga exatamente ao contrario, pois seu corpo arde em fogo, em desejo, num trabalho sutil e maravilhoso de Patricia Neal (a “decoradora” de Bonequinha de Luxo), que não por acaso ganhou um Oscar mais que merecido, assim como Melvyn Douglas por suas respectivas atuações neste filme.
Uma obra-prima, que tranquilamente você assiste por diversas vezes – eu já vi três vezes – e não se cansa. Emoldurado sobre um preto e branco esplêndido e também ganhador de um Oscar pela fotografia. Sobre homens e mulheres, sobre um país em constante mutação, para o bem ou o mal. Uma obra-prima sobre a América e seus caminhos e descaminhos. Obrigatório para quem diz gostar de cinema.

9 de novembro de 2011

O Palhaço – Selton Mello


Segunda-feira, dia 07/11, cinema lotado às 14h00hs num dos shoppings de Sampa. Não, não é a Mostra, é a promoção do cine nacional à R$ 2,00 a sessão. Quatro filmes assistidos e notadamente um público presente não acostumado à cinefilia, atraídos pelos valores não extorsivos, que lembram os preços praticados nos anos setenta e oitenta, quando – segundo minha mãe – o preço do ingresso era o mesmo da passagem de ônibus. Não é à toa que as pornôs chanchadas faziam tanto sucesso na época. Tá cada dia mais difícil ser um cinéfilo. Como pode uma sessão de cinema custar R$ 20,00? Quem é cinéfilo não vai uma vez por mês ao cinema, muitas vezes vão duas ou mais vezes no mesmo dia. Outro dia estava eu juntando os últimos trocados para uma sessão no Unibanco da Rua Augusta, quando para em frente ao cinema, uma Chrysler preta ainda sem placa de tão nova, e de dentro sai uma linda moça às pressas e encontra com a amiga já na fila na minha frente. Ela se põe a reclamar da lerdeza do motorista e saca sua carteirinha da USP para sua meia-entrada, e eu ainda juntando os trocados para uma inteira, sem sobra nem para o pastel chinês. Tadinha, ela deve ter ficado sem ir ao cinema por estes dias, ocupada nos campus da USP, a pedir junto com os coleguinhas, seus “direitos” e privilégios, como temos acompanhado pelos jornais. É, palhaçada, ou melhor, palhaço, sou eu...
Por falar em palhaço, a julgar pelos quatro filmes que assisti (Uma Professora Maluquinha, OS 3, Família Vende Tudo), sem dúvida o sucesso abraçou este segundo filme de Selton Mello. Sala lotada e público barulhento que no inicio me incomodou, mas com o passar do tempo, fui ficando indiferente, afinal estávamos numa espécie de circo no cinema e o show não pode parar.
O filme começa e não consigo tirar o sorriso do rosto – e olha que sorrir não tem sido ultimamente o meu forte - durante toda a projeção. Meu Deus, que filme lindo, lindo, lindo!Cheio de lirismo, de poesia e (talvez) de uma beleza que quase não existe mais, de um tempo e jeito antigo. Contraponto para aquele circo mambembe, feito na raça, no amor, à procura das últimas crianças ainda inocentes com aquele brilho no olhar. O alimento do palhaço é o riso solto das crianças. Não é à toa que em um certo momento do filme, simbolicamente, a linda e ambiciosa  engolidora de fogo é derrotada pela lindinha garota das asas de anjo. É a pureza vencendo a traição, pois naquele ambiente só deve sobrar espaço para a confiança e fidelidade para com a trupe, que com isso ganha sua sobrevida. Coisa muito difícil já em meio a aquela vida sem dinheiro, sem destino certo, pelas estradas, pelos sertões brasileiros à procura do povo, muito longe das capitais. Faz lembrar com saudade “A Viagem do Capitão Tornado”, obra-prima de Ettore Scola. Salve, salve os últimos guerreiros artistas de circo. Mesmo coma a falta de grana, mesmo coma lona gasta e remendada, mesmo com toda a tecnologia, games e afins trabalhando contra... “o circo chegou/ vamos todos até lá.../ palhaço que é o ladrão de mulher”.
Em  Feliz Natal,seu primeiro filme, inspirado em John Casavettes, Mello foi mais autoral e mordaz, contando a história de uma família em frangalhos num (des)encontro, numa irônica noite de natal. Filme depressivo e triste, não obteve, obviamente, o público e o reconhecimento que merecia. Vale uma revisão.
Em recente entrevista ao programa Vitrine, Selton Mello declarou que se inspirou em dois diretores com os quais já trabalhou e muito admira para este seu segundo filme. Sua ambição seria transitar (ficar no meio termo) entre o cinema popular de Guel Arraes (“Lisbela” e “ O Alto da Compadecida”) e o autoral Luiz Fernando Carvalho da obra-prima “Lavoura Arcaica”. A julgar pelo resultado nas telas, ele consegue mais que isso, pois encontra seu próprio caminho.
“O gato toma leite, o rato come queijo e eu nasci palhaço”. Será um caminho duro para Benjamin (Selton Mello), até entender as palavras do pai também palhaço (Paulo José). Benjamin se sente cansado e - mais até do que o próprio pai com sua velhice –  deprimido, com a vida de circo. Seu desanimo é nítido, principalmente com a parte burocrática de ter que administrar um circo praticamente falido, tendo de “beijar-mão” de cada prefeito em cada cidade em que o circo é montado. Sua ambição é conseguir tirar sua identidade e principalmente comprar um ventilador, coisas simples, mas que são cada vez mais difíceis de conseguir, alimentando cada vez mais sua angustia. “Estou cansado do que sou, e cansado do que não sou”, diz ele, e perdido em si mesmo, em certo momento abandona o circo e sai pelo mundão, a fim de se encontrar, ou melhor, encontrar (talvez) a carteira de identidade e o tão sonhado ventilador. Logo, percebe que é preciso se perder para se encontrar e entende as palavras do pai. O reencontro de pai e filho no picadeiro, a troca de olhares de ambos sem uma palavra sequer já valem o filme. Alias, é nos longos silêncios de Benjamin que mais o entendemos, as coisas não precisam ser ditas, para serem entendidas.
Bom diretor, excelente ator. Selton Mello encarna (tem o João da Ega em Os Maias, mas é minissérie) seu melhor personagem, antes oferecido e recusado por Wagner Moura e Rodrigo Santoro. Sorte a nossa, fica difícil imaginar Benjamin com outra cara, outro jeito. Selton está perfeito, assim como toda a trupe de coadjuvantes que aparecem no filme, em especial Moacir Franco, que rouba a única cena em que aparece nos deixando com gosto de quero mais. Alias, todos da trupe mereceriam um pouco mais, o que me leva a crer que a muito a ser explorado a partir do mesmo roteiro. Não duvido nada que deste filme, surja no próximo ano, uma série na TV Globo. Valeria mil vezes mais do que “ A Mulher Invisível” que acontece no momento na TV e também é uma espécie de continuação de outro sucesso protagonizado pelo próprio Selton Mello.
Um ator em estado de graça, e um baita diretor em formação, cada vez melhor. Onde será que Selton Mello irá chegar... Seja onde for, esta no caminho certo.

28 de outubro de 2011

Trabalhar Cansa – Juliana Rojas e Marco Dutra


Terminada a sessão, sinto um gosto amargo na boca. Verdadeiro terror, para quem já passou por uma situação semelhante, aquela última cena não saiu da minha cabeça. Já não basta a humilhante situação de estar no desespero, pedindo emprego, passar por aquela “dinâmica de grupo” é o fim mesmo, bem sei, ô se sei. Impactante, é um grito que quebra os botões da camisa de linho, que rasga a gravata apertada há tempos no pescoço. Um grito de horror, solitário, em meio à multidão, que serve também para tirar o cinema nacional do marasmo em que se encontra. Do lado de fora do Frei Caneca, no termino da sessão vazia, imenso burburinho na espera das novidades da Mostra anual de cinema. Festa a qual novamente me excluí. Falta de grana, falta de tempo, o sol não aquece a todos e eu me sinto pálido, desmotivado, esperando o bonde que já faz tempo, perdi. Há algum tempo atrás, um terapeuta de plantão me aconselhou a sair por aí, em algum descampado, lugar isolado e amplo, onde não seria preso por loucura ou lucidez excessiva, e berrar, berrar! Soltar os bichos de dentro de mim. Ainda não o fiz, os arranha-céus me impedem. Mas rapidamente me imagino assim como o personagem de Marat Descartes, berrando e batendo no peito feito um macaco. Regressão total, de homem discreto e educado, voltando ao homem de Neandertal. Já pensou, que legal, um homem macaco pulando dentro do shopping em meio aos sorrisos dos modernos e das etiquetas  caras  das finas moças. Soltar um jegue no aterro, na hora do rush, só pra variar, como já dizia Rauzito.
Mas o que fazer quando a situação se torna insustentável  e você não consegue sair da areia movediça em que se meteu? Cadê a corda? Ou mesmo a mínima força de vontade de sair de uma situação aparentemente sem solução? É assim que o personagem se sente. Um homem provedor de meia idade, que vê seu mundo desmoronar quando perde o emprego, e consequentemente toda sua forma confortável forma de viver. Um forte sentimento de inadequação, de pequenez o envolve. Parece até, uma continuação do seu personagem do filme “Os Inquilinos” do subestimado Sérgio Bianchi, onde seu personagem também se vê as voltas com situações – seus vizinhos marginais – com as quais se sente impotente, menos homem mesmo.
Em contra partida, estes não são seus únicos problemas, pois tem o negocio de sua esposa e outros bichos, escrotos. Acostumada a doce vida do lar, em uma vida de calmaria e segurança, sua esposa vivida por Helena Albergaria (ótima atriz, que eu não conhecia), se espelha na nova mulher ativa dos tempos novos e resolve abrir um negócio próprio, se aventurar no trabalho, invertendo a situação da família, e abre um minimercado. Acontece que com isso outros problemas surgem. Na sua nova dinâmica, é obrigada a contratar uma empregada doméstica (bicho estranho, mas sem carteira assinada, e mínimo do mínimo que já tá bom demais!) para administrar seu lar, e seu mercado começa a apresentar vários problemas estruturais. Bichos estranhos pululam das suas paredes, do seu chão, líquidos negros e fétidos, ninhos de minhocas, baratas, vísceras e ossos milenares aparecem para desestruturar sua boa vontade e consequentemente sua relação com todos seus funcionários. Realismo fantástico? Terror psicológico? Alucinações? Tudo se mistura numa equação de difícil entendimento ou solução. Alusões, metáforas para a decadência de uma classe social que rapidamente, precisa se adequar a um novo ritmo social e econômico de viver. Dentro daquele mercado, dentro daquela família, o tal do boom econômico e prospero que decantam jornais, juntamente com o governo atual, ainda não deu as caras. É o mostro invisível, que talvez só o cachorro do vizinho – que insiste em latir o tempo todo – enxerga, que vai minando as forças dela física e emocionalmente.
Cientistas já comprovaram, que se uma bomba atômica acontecer neste mundo de homens vis, só as baratas sobreviverão. Seria então, o mundo no fim, habitado apenas pelos bichos peçonhentos. Alusões à parte, saindo do cinema, uma música não para de tocar na minha mente, que casa perfeitamente com este original e ótimo filme: “Bichos Escrotos/Saia do esgoto/ Bichos Escrotos/ Venham enfeitar/ Meu lar, meu jantar/ Meu nobre paladar”.