23 de março de 2006

Crime Delicado – Beto Brant

O melhor de 2006 (por enquanto)

Crime Delicado – Beto Brant

Com a frase sussurrada ao ouvido de Dirá Paes: “O pudor é o maior dos pecados”, Chico Assis faz uma participação pequena em seu próprio filme, o irregular Amarelo Manga. Neste filme, ele também faz uma pequena participação, em que num botequim da Vila Madalena, diz ao personagem Antônio (Marco Ricca): “Eu amo mesmo, quem não ama rasteja. E você, bundão?”. A partir desta cena, vemos acontecer os fatos, que farão Antonio praticar o crime delicado do título, se é que ali foi cometido algum crime.

Enquanto observador, Antonio se mostra seguro de si, como vemos na cena em que há um diálogo maravilhoso entre ele e a atriz de “Leonor de Mendonça” (Maria Manoella), peça à qual ele acabara de assistir, assim como nós espectadores, juntamente com “Wolzeck” e “Confraria Libertina”.Até certo momento seguro, quando ela quebra a sua resistência, ele se vê literalmente em um palco sendo assistido e ridicularizado.

"Todo homem é um abismo. A gente fica tonto quando olha para dentro dele" frase da peça "Wolzeck", cabe bem ao personagem de Ricca.

Constante observador, crítico de teatro, ele é um expectador da vida e de peças de teatro, sempre a observar, pelos bares, a vida de outras pessoas, não se envolve, só observa. Até que conhece Inês (Lílian Taubleb), por quem se apaixona. Inês vive uma relação ambígua e intensa com um pintor, sendo musa de suas pinturas.Com a perda da segura posição de espectador, Antonio já apaixonado, anseia pela posse de Inês e nasce o ciúme. A partir daí, é como se ele saísse da platéia e fosse para o palco, protagonizar a ação de sua própria vida, com conseqüências que mesmo ao final do filme, ficam em aberto, o certo é que ele começa a cair, perde o prumo.

Cada cena do filme funciona por si só, são independentes, como quadros que no final se interagem, e nestas cenas, não há praticamente nenhum tipo de movimento de câmera, assim como os trechos de peças já mencionados, a câmera praticamente fica parada em todas as cenas. Ao contrário dos outros filmes de Brant, onde havia movimento intenso não só das câmeras, como de cores também. Beto Brant ousou e acertou em cheio.

Essa ousadia fica explícita na cena maravilhosa em plano-sequência que acompanhamos por longos minutos, a produção de um quadro, desde o rascunho até o acabamento final, e finalmente exposto em uma galeria. Um filme incomum, que coloca Beto Brant definitivamente no primeiro time do cinema nacional, até pode-se dizer que seja uma pérola para poucos. Para se ver e rever sempre.

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