17 de agosto de 2011

Não Se Preocupe, Nada Vai Dar Certo – Hugo Carvana


Teve um dia, tempos  e tempos atrás, que assisti “O Homem Nu” com um amigo no cinema. Enquanto eu, e muita gente na platéia ríamos pra valer com o filme (inspirado na obra do genial Fernando Sabino), este amigo permaneceu em silêncio. No final da sessão ele declarou solenemente: ”Filme brasileiro é tudo tosco mesmo, não tem jeito”. Algo parecido já havia acontecido quando assistimos anteriormente juntos “Alma Corsária’ do Carlos Reichenbach. Enquanto eu declamava “Gênio, gênio”, e conclamava umas cervejas para comemorar ao filme, à vida, ele ironicamente disse: “espero que você não queira bebericar estas brejas numa pastelaria chinesa decadente como no filme”. Cadê a sensibilidade, oras? Seguiu uma discussão onde declarei que ele assistia aos filmes brasileiros comparando-os ao cinema de fora, seja europeu ou americano, e enquanto fizesse isso, acharia tudo ruim. Cinema brasileiro tem de ser visto e feito como cinema brasileiro, não tem comparações,ele existe com as qualidades e defeitos que isso acarreta. Há tempos não vejo este amigo que nem em São Paulo mora mais. Tenho curiosidade em saber sua opinião sobre o que ele acha deste cinema certinho e plastificado com a marca Globo Filmes. Certinho, bem feitinho, tudo inho inho, como uma (das piores) novela das oito. Rock de pelúcia e sertanejos “universitários” tomam as rádios, e filmes plim-plim aos cinemas.
Voltando, qualidades e defeitos permeiam a obra paulista e forte de Carlão, assim como a obra carioquíssima e leve de Hugo Carvana. Ambos, cineastas calejados na estrada. Cineastas brasileiros, graças a Deus.
E este último filme do velho malandro ator carioca, assim como toda sua obra, é de resistência, e principalmente independência. Mais uma vez, assim como fez em todos os outros (poucos) filmes que dirigiu ao longo dos anos, Carvana evoca o seu Rio de Janeiro. Aquele Rio da sua juventude, aquele Rio lindo, da boa malandragem(onde malandro bom usava navalha e só queria se dar bem com a mulheres), das lindas mulheres. Alias, faltou mulher pelada (não nua) no filme, essa coisa de politicamente correto tá pior que censura, enfim... É a sua cidade amada, é seu orgulho, é onde sempre viveu cercado dos amigos, da boemia, e daquela paisagem zona sul, cartão postal mais belo do mundo, apesar de tudo, apesar dos anos. Quem teve o privilegio de conhecer, sabe... Aquele cheiro, aquela paisagem que tantas vezes Jobim e outros ilustraram tão bem.
Qual o problema em evocar as boas coisas da vida? A boa malandragem (que infelizmente não existe mais), o chopp gelado com os amigos e com o mar como cenário, a bela moça bronzeada e curvilínea. Afinal, quem é que não vive no saudosismo dos tempos idos, achando-os sempre melhores que os atuais? No caso do Rio de Janeiro, acredito ser realmente um sentimento válido. E Carvana faz isto, às vezes com muito sucesso como no espetacular “Bar Esperança” ou “Vai Trabalhar Vagabundo”. Ou era feio como em “Vai Trabalhar Vagabundo II” ou mesmo seu penúltimo “A Casa da Mãe Joana”. Mas ele continua firme e forte, fazendo seus filmes cariocas. Mil vivas para ele!
Neste último filme, a malandragem novamente dá o tom. Conta a historia de pai e filho que se “viram”, na primeira metade do filme, pelas estradas do Brasil à fora, trabalhando como atores, e se servindo disso para pequenos golpes. O malandro velho (Tarcisio Meira) em parceria com o malandro novo (Gregório Duvivier), entrando em enrascadas mirabolantes para se darem bem, mesmo que nada de certo. Salta aos olhos, a satisfação de Tarcisio em atuar no filme (depois de tanto tempo sem atuar no cinema), como se fosse uma grande e divertida festa (e não é?), assim como o talento de Gregório em suas cenas engraçadas, vivendo um falso “guru indiano” já no Rio, na segunda metade do filme. Tudo leve e despretensioso, sem mensagens filosófico-sociais, apenas o intuito de fazer rir, de fazer humor para o publico se divertir, sem culpa. Pra que mais?
É claro que o filme tem alguns defeitos, como a péssima dublagem na cena final, cópia desnecessária do ótimo final de “Vai Trabalhar...”, já mal utilizada em “Casa da Mãe Joana” e novamente (sem sucesso) feita neste filme. Mas nada que comprometa o todo da obra.
Certamente, não é o melhor filme de Hugo Carvana, grande diretor, grande ator, mas só vão desagradar, aqueles que sempre esperam algo “profundo”, ou seja, os maus humorados. Aqui não tem espaço para a melancolia. Só o riso.

pots: Segue minha avaliação sobre o obra do velho ator/diretor carioca da gema:

Bar Esperança - ótimo
Vai Trabalhar Vagabundo - ótimo
Se Segura Malandro - muito bom
O Homem Nú -  bom
Não Se Preocupe, Nada Vai Dar Certo - bom
Apolonio Brasil - O Campeão da Alegria - bom
A Casa da Mãe Joana - ruim
Vai Trabalhar Vagabundo II - péssimo



12 de agosto de 2011

Melancolia – Lars Von Tier

Melancolia: Psicótico; maníaco depressivo; estado de humor caracterizado por uma tristeza vaga e persistente.
Não sei qual a sensação de ter tudo o que quero, ou o que é dito socialmente, que é o que devemos querer. O que é uma vida de sucesso? Sei de um sonho que já tive algumas vezes, sonho recorrente, recente, e muito vivo na minha memória. Nele, finalmente encontro a tal da cara metade, uma moça morena que não conheço, nunca vi, mas no sonho é incrivelmente íntima, ligada ao ideal de amor, causadora de alivio a uma das minhas mais tristes angustias. Eu a conquisto, eu (finalmente) a tenho, e a sensação de alivio e felicidade que chega com este objetivo alcançado, dura quase nada. No seu sorrido de entrega, quando vejo que a conquistei, não só seu corpo, mas sua alma, seu amor, uma sensação de vazio se apodera de mim, me arrebata de forma imensa. A conquista vira um pesadelo, uma responsabilidade impossível de carregar, sinto meus pés encharcados na lama. Sinto-me perdido por ter e, ao mesmo tempo ver que (talvez) não queira aquilo, que era uma fantasia. Mas é tarde, ela é minha, mas não sou dela e muito menos sou meu mesmo, pois de repente, não me reconheço. Nem lá, nem cá, só os pés na lama. Acordo, triste pelo sonho (ou pesadelo), triste pela vida.
Lembrei-me deste sonho que tive, logo quando assisto ao prólogo deste filme, em que cenas lindas, que por si só já valem o ingresso, descompassadas no seu ritmo, se mostram oníricas, e me apresentam Justine, e seu olhar, seu olhar, seu olhar... Tão angustiado, só por ele, acredito, Kirsten Dunst já mereceu seu prêmio de melhor atriz em Cannes neste ano.
O filme mostra o casamento de Justine, digno dos sonhos de qualquer Cinderela. Tudo lindo e luxuoso, presente do cunhado rico. E tudo parece dar certo e ser certo. Um castelo, um noivo lindo (o vampiro galã da série True Blood), romântico e apaixonado. Uma  promoção no emprego, entre os presentes ganhos. Tudo certo  para uma vida perfeita. Mas seu sorriso é cada vez  mais amarelo, pois a cobrança por sua felicidade, a obrigação de ser feliz, pesam muito, e tudo começa a se modificar dentro dela, aos poucos. Tudo vira um fardo. Tudo que lhe é dado em excesso se torna sem sentido. É a melancolia que a toma, e todo circo social armado para ela desmorona.
A limusine não cabe na esquina e nem faz curva. As terras compradas pelo noivo, onde deveriam cultivar e florescer a nova feliz família fica no sofá, no retrato.
O sintoma de que algo daria errado se mostra, desde o inicio, nas atitudes dos pais de Justine, seja através do deboche do pai bonachão, ou através da negação à todo aquele formalismo pela mãe, que não acredita em nada daquilo, e constantemente é expulsa pelo genro, convencional até a medula.
Não por acaso, este é marido de Claire (Charlotte Gainsbourg), a irmã de Justine e a outra personagem  que protagoniza o filme em sua segunda parte. Interessante que se o desconforto de Justine se faz com o decorrer da festa, o de Claire se mostra desde o inicio. É o medo de que todas as convenções a que se apega, não funcionem. Ela é o outro lado de Justine, o outro lado da moeda. Enquanto uma explode por dentro, a outra explode por fora, com seu medo de que o mundo perfeito que tenta construir e vivenciar, se exploda, como de fato acorre, fatalmente. Não consigo desassociar Claire, do que Inácio Araujo escreveu tão bem em sua coluna na Folha de São Paulo. Claire é o mundo perfeito, constantemente ameaçado pelos perigos em que vivemos hoje, seja através do neonazista norueguês, seja através dos incêndios ingleses, seja a crise econômica europeia e americana. Claire e Justine, cara e coroa; duas fases da mesma moeda, e uma melancolia que assombra o mundo.  Por um lado existe a depressão emocional, e seus comprimidos antidepressivos; por outro, uma crise sem procedentes que assola a segurança e o conforto de quem como Claire, segura no seu mundo perfeito, jamais pensou existir. Interior e exterior, tudo fora da ordem. O marido no pasto, junto aos cavalos, me lembra daqueles homens ricos da crise da bolsa de 39. Mas esta é só uma interpretação que faço sobre Claire. A segunda parte do filme, mais complexa, mais filosófica (e melhor), foge das minhas pobres compreensões à cerca da vida e do mundo.
Mas o que é maior? A melancolia de Justine? Aquela sensação do nada absoluto, com o seu ser, onde nada faz sentido. Nem no mundo, nem em Deus. Eclodindo tudo num vazio existencial absoluto. Ou o vazio de Claire? Aquele que remete a um fim do mundo mesmo, pelo fato do mesmo estar cada vez mais sem sentido, sem controlo, seja pelo terrorismo, ou egoísmo, ou poder do homem que é lobo do homem.
Enquanto Claire se desespera pela eclosão do mundo com a melancolia. Justine (em outra cena linda) se conforma, não sofre mais, e nua e linda, se banha a luz inevitável e cada vez mais presente do fim.
Vale a pena mencionar o personagem que faz o papel do chefe de Justine – capitalismo atroz – que em meio ao seu casamento a “presenteia” com uma promoção (chefe de criação) e com isso exige dela um slogan em meio à festa. Autorretrato, ironia, brincadeira que Lars von Tier faz de si mesmo. Já que é bastante conhecido o fato do diretor exigir o “sangue” de suas atrizes em seus filmes, deixando-as traumatizadas. Que o digam, Nicole Kildman e Bjork, que já declararam preferir o diabo, ao diretor na frente delas. Alias, não sou nem um pouco fã do cinema deste diretor, para mim, um sádico, para não ficar falando mal, digo que gostei muito de “Ondas do Destino” e só. Mas me dobro em reconhecimento a este seu último lamento depressivo. Dizem ser seu filme mais pessoal. Ele não exagera nas tintas, e mistura muito bem, sonho e realidade. Lindo, onírico, no ponto certo. Para ver e rever, já que tão singular em meio a tantas bobagens.
Penso novamente no meu sonho (ou pesadelo), nas minhas melancolias e agonias. A ânsia por encontrar meu lugar, um porto seguro nos meus descaminhos. Minhas esperanças... E lembro-me daquele olhar, daquele olhar, daquele olhar...

31 de julho de 2011

Filhos de João, Admirável Mundo Novo Baiano – Henrique Dantas


“Eu sou, eu sou. Eu sou amor da cabeça aos pés”.

A primeira vista, este é mais um documentário musical, como tantos, e por si só, já vale por fazer justiça a uma das maiores bandas – junto com Os Mutantes, para mim – do Brasil, deleite para velhos fãs como eu, veiculo mais que necessário para que a nova geração conheça estes velhos Novos Baianos. Mas é mais que isso, pois foge do lugar comum, mostrando com sucesso, o que outro baiano fez ao som deles, através de uma única visita. “Mais um, mais um Bahia, mais um, mais um buchixa”.

Eis que numa madrugada surge no apartamento deles um “deus musical” para dividir o que estava “explodindo dentro dele”. Palavras de Tom Zé, que apesar de precisarmos por vezes apertar a tecla SAP para entendê-lo, sintetizou bem o que João Gilberto, com sua visita, fez na vida daquele bando de malucos, loucos de todo tipo de alucinógenos possíveis da época. Dadi afirma que quando olhou pelo olho mágico e viu um senhor de terno alinhado às três da manhã, pensou até que fosse a policia. Filho de Juazeiro assim como Galvão, o mestre da Bossa Nova chegou e hipnotizou todo mundo com sua voz baixa e macia, juntamente com seus acordes: “É só isso meu baião, é não tem mais nada não”. Moraes Moreira entrou em transe, ficou uma semana sem tocar e quase desiste de ser músico. Mas João Gilberto, com seu ouvido apurado, percebeu que em meio a toda aquela loucura hippie, havia músicos de qualidade, logo eles que se achavam melhores jogadores de futebol do que músicos. O mestre chamou o menino Pepeu Gomes de lado e falou para ele tocar cavaquinho e – por que não? – e para Paulinho Boca tocar um pandeiro e um tamborim. Perguntou se conheciam Assis Valente e outros sambistas das antigas. Como assim? Quem era o maluco ali mesmo? Pepeu, discípulo de Hendrix, tocando cavaquinho? Assis Valente? Quem? O mundo musical deles jamais seria o mesmo. Tudo se expandiu, explodiu, cresceu. Se junta a isso, as longas conversas via telefone de Galvão (letrista da banda) com João a respeito de abelhas, choros de Bebel, zum-zuns e mel. Pronto. Pouco tempo depois é lançado “Acabou Chorare”, considerado em qualquer lista de críticos, ou amantes da boa musica nacional, como um dos cinco maiores discos brasileiro de todos os tempos. Quem não conhece “Brasil Pandeiro” do tal de Assis Valente na versão dos Novos Baianos? A partir de então, inaugurou-se a fusão de samba, baião e rock com total harmonia, e uma nova história começou a ser escrita e tocada.

“Por isso ando e penso com mais de um /por isso ninguém vê minha sacola”. O sucesso era imenso e o apartamento pequeno para aquele bando. Foram para um sítio, onde jogavam bola pelas manhãs, e tocavam à tarde. Com a extensão de Baby e Pepeu fazerem uma penca de filhos com nomes esquisitos. Parece que a tal da “Sociedade Alternativa” que outro baiano fã de Elvis proclamava, foi fundada por eles. O dinheiro ficava guardado numa sacola, onde cada um pegava o que era necessário. Sem donos, sem poderes, totalmente desapegados ao ganho financeiro. Harmonia que chegou há durar alguns anos, já que a única preocupação deles era ter dinheiro para uniformes, chuteiras e imensas quantidades de fumo. Não por acaso, a outra obra-prima deles se chama “Novos Baianos Futebol Clube”.

O depoimento de todos é importante e contundente, não há barrigas, como quando Moraes Moreira fala sobre sua saída do grupo, que culminou com o declínio da banda. Alma musical do grupo. Seria como Os Mutantes sem o Arnaldo; os Stones sem o Richards; The Beatles sem Paul. Eles continuaram durante um tempo, mas... Galvão é o mais engraçado, já que parece que ele é o único que continua na mesma época, no mesmo sítio, ou estava tendo uma volta “flash ácido”, tamanha calma baiana, falando sobre as abelhinhas, os bem-te-vis, no meio do depoimento, uma figura.

“... É sofrer e chorar como Maria, sorrir e cantar como Bahia... Mãe pode ser e ter bebê, e até pode ser Baby também”. Ausência sentida nos depoimentos é o de Baby Consuelo. Ops! Agora é Baby do Brasil, que não autorizou que suas declarações (que ela chegou a fazer) entrassem no filme por questões financeiras. Vai ver seu pastor, convenceu que era necessário pedir grana (olha o dizimo) para homenagea-la e ficou assim, já que numa recente entrevista que eu assisti dela, cada frase proferida vinha um monte de “Aleluia” junto, então melhor assim. Ficou melhor mostrá-la como Baby Consuelo novinha. Cantando, dançando e revirando os olhinhos. Uma imagem que vale por mil palavras.

“A vizinha tem vidraça, tem sim, senhor”. A bola, a vidraça, o sítio ficaram lá atrás. Sobrou a música eterna, as lembranças boas e a certeza de que tudo valeu a pena, como diz Pepeu em certo momento do filme.

“Água mole em pedra dura. Pedra, pedra até que Pedro”. Besta é tu, Maria, Besta é tu, meu guri, meu gurizinho. Besta é tu, preta, pretinha. Besta é tu Ò Pai, Ò Mãe. Que não vai logo escutar estes loucos lindos geniais baianos, que foram muito além do tempo deles na música.

“Só se não for brasileiro nesta hora, só se não for brasileiro nesta hora”.

19 de julho de 2011

Houve Uma Vez Dois Verões – Jorge Furtado


Sabe aquele filme que você assiste diversas vezes, e se por acaso ele esta passando em algum canal e te pega, lá vai você assistir novamente e quando termina você faz: Ah! Que pena que acabou! Pois é, este filme é um desses, que ontem me pegou novamente no Canal Brasil. E de novo... Adorei!

Primeiro longa-metragem de Jorge Furtado, que veio logo após o fantástico curta-metragem “Ilha das Flores”, também pode ser seu (por enquanto) melhor filme, apesar de que eu também ache todos os outros quatro filmes dele – “Saneamento Básico”, “Meu Tio Matou Um Cara” e “O Homem Que Copiava” - sensacionais. Alias, revendo este filme, pude perceber porque ando tão desanimado com o cinema nacional ultimamente. O que acontece é que todos os cineastas que aprendi a gostar e admirar parecem estar naquele período de entre safra, já faz um tempo que não produzem algo inédito. Como exemplo, o próprio Furtado, Beto Brant, Carlão, Karim Ainouz, Salles, Ugo Giorgetti, e outros que não lembro agora. Uns com um tempo a mais (Giorgetti), outros que estão no começo (Ainouz), mas com uma obra mais que respeitável. Pois, sem o carimbo da imperiosa Globo Filmes, e sem a mediocridade que ciladas e vira-latas podem proporcionar a novos espectadores do novo cinema nacional, estes são os caras que ainda conseguem produzir filmes bons sem a necessidade de vender à alma ao plin-plin.

Já que não há nada de bom e novo, vale ver ou rever filmes não inéditos, como este que trata do universo de adolescentes, sem tratá-los como imbecis, como a maioria dos filmes americanos destinados a esta faixa etária. É realmente uma pena que o filme não tenha obtido o sucesso de público que merecia e deveria ter. Os diretores americanos poderiam aprender com o Furtado a tratar o jovem com o respeito que merece. Lembro que na época em que o filme foi lançado, Furtado declarou que se inspirou nos filhos para escrever o roteiro. Bela homenagem de um pai, para seus filhos, que alias aparecem no filme, seja sua filha, em uma “ponta”, ou mesmo seu filho (Pedro Furtado) que co-protagoniza o filme fazendo o papel de Juca, junto com André Arteche que vive o Chico.

De cara, o que me agrada no filme é saber que existe uma praia (peço desculpas aos gaúchos pela ignorância) que é a maior – fato - e pior do Brasil, segundo os personagens. Nesta praia é que todo o verão, os garotos Chico e Juca vão passar as férias escolares. Com a chegada da adolescência e os hormônios à milhão, tudo que eles querem é perder a virgindade e farão de tudo para conseguir seu intento. Quem acaba conseguindo primeiro é o Chico, que conhece a Roza com z (Ana Maria Mainieri) e passa uma noite dos sonhos com ela. Só que ela desaparece, e ele apaixonado, saí à procura dela pela imensidão da praia, sem encontrá-la. Na verdade, ela que o procura depois das férias, com a surpresa para ele de que está grávida. Mas será que está mesmo? Como assim? A foto acima da uma bela dimensão da situação de Chico "pato" e Roza.Como diria André no filme seguinte de Furtado: “As gurias são muito espertas”. E é isso que Chico descobre no verão seguinte, na mesma praia, quando encontra novamente Roza, para viverem outras descobertas, outras mentiras verdadeiras e outras verdades mentirosas. Enquanto isso, Juca, continua em sua luta árdua pelo fim da virgindade, sendo por vezes, e vezes, enganado por outras gurias espertas. Tudo isso embalado por uma trilha sonora fantástica, que espertamente é usada pelo diretor para acentuar várias cenas marcantes. E de quebra, mostrar ao resto do país, belas músicas de caras como Frank Jorge, ou mesmo uma versão matadora de “Nasci Para Chorar” com a inesquecível Cassia Eller, de encomenda para o filme. Pequena e admirável obra-prima.

Um filmaço, apesar de simples e curto. Que mesmo falando sobre o universo dos jovens de quinze ou dezesseis anos, fala ao coração de todos aqueles que não envelhecem na alma. Que como eu, continuam um menino ou menina, prontos para as surpresas apaixonantes da vida. Que como eu, adoram rock e música de boa qualidade, e que como eu que, por vezes ingênuo, na maioria das vezes, não sabe lidar com as gurias mais que espertas, mas as ama demais e clama pelo próximo beijo na boca, como se fosse o primeiro.



12 de julho de 2011

Control – Anton Corbijn



Aconteceu na semana passada; dia mais frio do ano em Sampa, depois da terceira tentativa frustrada de assistir algum filme da mostra do Hitchcock (sempre lotada) e sem qualquer alternativa nos outros cinemas, me vejo adentrando no Cine Olido para assistir a este filme-biografia, que deixei escapar quando passou por aqui. Com ingressos a um Real, vejo algumas pessoas entrarem no cinema (me parece) mais para se protegerem do frio, ou mesmo para uma soneca, fato que se comprova, devido à sinfonia de roncos, assim que o filme começa. Mas nada que de fato atrapalhe a minha imersão numa Manchester fria, feia e sombria, que o preto e branco da película só faz acentuar.

São as cores de Ian Curtis, líder do Joy Division, banda do pós-punk inglês, cultuada até hoje, graças ao talento e carisma de seu líder, mas foi uma banda de vida curta, assim como ele, que se enforcou aos vinte e três anos. Em meio às tempestades constantes, precoce nos sentimentos, na dor e no casamento; em duas horas de filme, vemos a meteórica estrela de Ian Curtis brilhar e se apagar.

Não sou conhecedor da obra de Curtis, algumas vezes ouvi – assim como qualquer um que gosta de boa música e é curioso – seu disco mais famoso “Closer”, que sempre me passou uma sensação de angústia muito forte. Que habilmente é radiografado neste filme. Certamente, Ian Curtis não era adepto de uma vida a lá “comercial de margarina”, muito longe disso. Sua alma sangrava em dor e isso ficava claro em suas canções, em sua dança nervosa, alias, desconfio que em suas danças que Renato Russo se inspirou. Mesmo que não tivesse se matado, talvez não tivesse continuado na música. O sucesso, a fama, não lhe fazia a cabeça, ao contrário, lhe causavam ainda mais dor. Em uma das cenas, ele diz que não pode mais continuar, pois ninguém entendia a dor e o desgaste que lhe ia à alma, cada vez que subia ao palco para uma apresentação. Enquanto todos dançavam e se divertiam ao som da banda, ele sangrava internamente em cada interpretação. Quanto maior o sucesso, maior era seu abismo. Sua música não era para agradar, na maioria das vezes era para incomodar, como revelou em uma das entrevistas.

Nem todo mundo nasceu para ser feliz. Há pessoas que carregam em si um lado sombrio e triste, que se sobrepõe às tardes festivas de verão. Ian Curtis viveu intensamente seu inverno d alma. A falta de grana, a depressão, a epilepsia e a não adequação ao mundo, lhe tiraram precocemente a força da vida. Tudo isso aliado, ao não entendimento ao sentimento de amor/desamor/dependência que nutria por sua esposa. Quando se apaixonou por uma repórter e se viu obrigado a escolher entre as duas, foi seu ponto final. Não entendia como era escolher entre seus sentimentos e o que achava certo e, ao mesmo tempo, ter que amar e viver conforme o que as pessoas esperavam dele. Tudo se transformou num fardo muito duro de carregar.

Ele foi mais um exemplo de talento inato para sua obra, em contra ponto à falta de talento para lidar com a vida, com o cotidiano, o banal. É preciso ter coragem para viver, ou melhor, sobreviver, mas –talvez- mais coragem ainda para se matar.

Uma biografia bela e triste, onde o diretor Anton Corbijn não usa seu filme para fazer julgamentos, apenas mostra – e muito bem – como foi a vida de um ídolo seu, através da interpretação “mediúnica” de Sam Riley. Um filme para se ver e rever, mesmo sabendo que não haverá controle e muito menos encontrará um pote de ouro, ou um arco-iris no final.

4 de julho de 2011

Potiche: Esposa Troféu – François Ozon



François Ozon filma muito, este é o terceiro filme assistido este ano deste mesmo cineasta, pois já passou nas telas o denso e pesado “O Refúgio” e em seguida o fantasioso “Ricky”. Talvez seja - ao lado de Wood Allen - o cineasta que mais produz. Mas ao contrário do mestre Allen, que traz na sua obra uma forte carga autoral, que faz nós pensarmos erroneamente que ele sempre faz o mesmo filme, apenas mudando uma coisinha aqui e outra lá. Ozon é camaleônico. Em cada filme atira para um lado diferente, passando do drama para a comédia tranquilamente (parece que está fazendo um suspense no momento), pois seu negócio é arriscar outra fórmula, tendo como cenário contínuo, seu país, a França, onde parece desfrutar de grandes incentivos – e sucesso - para seus projetos, quais sejam eles.

É preciso muita má vontade para não gostar deste filme. Se você for assisti-lo sem pretensões, certamente ira se divertir e se encantar com a riqueza de detalhes, entre cabelos, roupas, cenários e o colorido que remetem diretamente para os anos setenta, época em que se passa esta comédia.

Este filme conta a história de uma esposa modelo, rainha do forno e fogão, totalmente submissa ao marido, que devido à doença súbita do mesmo, se vê obrigada a administrar a fábrica de guarda-chuvas da família. Para surpresa de todos, não só ela obtém muito sucesso na nova aventura, como faz o negócio prosperar, trazendo mudanças não só para sua vida, mas para a de todos ao seu redor. Pois com estas mudanças, coisas do passado, de sua vida virão à tona. Amores do passado surgiram, ela mostrará que não era tão submissa como se supunha e as consequências serão inesperadas.

Poderia se dizer que Ozon quis discutir a reviravolta e o novo papel da mulher, que teve inicio no final dos anos sessenta e começo dos anos setenta, mas ele não se dispõe a entrar em nenhuma questão profundamente, não é este seu propósito. Ele quer apenas ter o prazer de trabalhar com Deneuve, e assim, deixar sua estrela principal brilhar.

Se Ozon passeia por diversos estilos, creio que ele usou este comédia como uma forma singela de homenagem a Catherine Deneuve. É um filme-homenagem. Ela é a razão de ser deste filme. Ele existe para ela e por ela. Nada mais justo. Afinal esta divina dama francesa do cinema, está linda e elegante nos autos dos seus setenta anos. Haveria outra estrela do cinema que envelheceu tão bem como ela? Basta comparar em algumas fotos atuais; Deneuve e Brigitte Bardot, por exemplo. Uma você tem vontade de beijar; a outra dá vontade de gritar de pavor. O enredo serve para as pequenas homenagens à estrela francesa, como o colorido do filme que nos remete à “Pele de Asno” ou a fabrica de guarda-chuvas que nos remete imediatamente ao delicioso “Os Guarda-Chuvas do Amor” ambos de Jacques Demy, onde Deneuve se mostrava no esplendor de sua juventude e beleza. Não bastasse, Ozon convoca Gerard Depardieu para um auxílio luxuoso, relembrando outro clássico (O Último Metrô) da Belle de Jour. Ela merece, pois talvez seja uma das únicas estrelas ainda na ativa, que realmente merece este título, que vem de outra época. A época de ouro do cinema francês e mundial, em que ela elegantemente sempre esteve e continua inserida. Linda e loira, conseguindo (ainda) mexer com o imaginário de seus velhos e novos fãs.